O comentário do Sr. Prof. Doutor Miguel Teixeira de Sousa sobre a postura do tribunal da Relação quando não extrai da prova registada o mesmo grau de certeza obtido pela 1.ª instância, comentário datado de 19/05/2014, conduz-nos à enunciação e a uma primeira reflexão sobre a seguinte questão: em que circunstâncias deve a Relação, “mesmo oficiosamente (…) ordenar a renovação da produção da prova”, isto é quando é que existem “dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento” que justifiquem esta renovação (art. 662.º, n.º 2, al. a), do CPC)?
Previa-se na primeira parte do n.º 3 do art. 712.º do CPC-95/96 que “A Relação pode determinar a renovação dos meios de prova produzidos em 1.ª instância que se mostrem absolutamente indispensáveis ao apuramento da verdade, quanto à matéria de facto impugnada”. O pressuposto da renovação da produção da prova é agora outro: quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento.
Este poder da Relação deixa de ser visto como extraordinário, perspetiva presente na lei anterior, como resultava do desnecessário emprego do advérbio “absolutamente”. À luz da lei atual, basta que a renovação da produção de prova seja adequada – não necessariamente absolutamente indispensável – ao fim previsto na norma, para que deva ser ordenada, na falta de outra solução igualmente adequada e mais eficiente. Este fim é agora, como referido, superar “dúvidas sérias” sobre um depoimento prestado. Fica a (mera) renovação da produção de prova limitada aos testemunhos prestados (art. 495.º e segs.), ao depoimento de parte (art. 452.º e segs.) e às declarações de parte (art. 466.º). Não são abrangidos pela fatispécie da norma os casos de renovação de uma perícia (art. 467.º e segs.) ou de reconstituição de um facto (art. 490.º, n.º 1, segunda hipótese) – sem prejuízo do que se dispõe na al. b) do n.º 2 do art. 662.º.
O legislador enfrenta aqui o argumento segundo o qual a ausência de imediação na perceção dos depoimentos, mesmo quando gravados, por parte da 2.ª instância constitui um obstáculo intransponível à correta avaliação do material probatório. A Relação deve apreciar os depoimentos gravados. Se concluir no sentido a que já havia chegado o tribunal de 1.ª instância, não tendo dúvidas sérias sobre os depoimentos, confirmará o juízo deste. Caso contrário, deverá ordenar a renovação da produção da prova em questão, nos termos que se passam a expor.
Se houver “dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente”, a Relação não deve, sem mais, ordenar a renovação da produção de prova, ao contrário do que a letra do preceito sugere. A falta de credibilidade do depoente corre por conta da parte onerada com a prova, tendo perante o tribunal ad quem o mesmo efeito que tem perante o julgador em 1.ª instância: não permite a prova do facto. A Relação só deve ordenar a renovação da produção de prova quando o tribunal a quo tenha sustentado a decisão de facto no depoimento que o tribunal ad quem reputa de pouco credível. E, mesmo aqui, só o deverá fazer quando a reinquirição puder ser útil para afastar definitivamente as dúvidas sérias referidas na letra da lei.
A dúvida sobre o sentido do depoimento pode resultar da circunstância de o depoente ter apresentado versões contraditórias – quando foi interrogado pelo mandatário da parte que o indicou, quando respondeu às instâncias e quando respondeu às questões formuladas pelo juiz –, sem que tenha sido confrontado com a contradição intrínseca do seu depoimento. Note-se que não é forçoso que a falta deste confronto final represente uma falha na condução da produção de prova pelo juiz. Sendo a inconsistência do depoimento ostensiva e insuscetível de poder resultar de lapso ou de uma normal confusão, poderá ser mais esclarecedor (da falta de credibilidade do depoente) recolher apenas estas contradições, do que oferecer ao declarante a oportunidade de ensaiar uma nova versão dos factos.
Paulo Ramos de Faria