1. A lei
estabelece dois procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações
pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000 (art. 1.º
DL 269/98, de 1/9):
– O procedimento de injunção (art. 7.º a 21.º do Regime Anexo ao DL 269/98 (= RPOP)); no caso de o crédito resultar de uma transacção comercial, o procedimento de injunção pode ser utilizado qualquer que seja o montante do crédito (art. 10.º, n.º 1, DL 62/2013, de 10/5);– A acção declarativa, conhecida frequentemente pelo acrónimo AECOP (art. 1.º a 5.º RPOP).
Como
decorre do disposto no art. 1.º DL 269/98, estes dois procedimentos têm o mesmo
âmbito de aplicação, pelo que tem de ser considerados como alternativos entre
si. Quer isto dizer que o credor pode optar entre o procedimento de injunção e
a AECOP. Exceptua-se o caso de o crédito ser superior a € 15.000 e decorrer de
uma transacção comercial, porque, nesta hipótese, só pode ser utilizado o
procedimento de injunção (e depois, eventualmente, o processo comum: cf. art.
10.º, n.º 2, DL 62/2013).
2. Têm
surgido algumas dúvidas quanto à relação entre a AECOP e o processo comum. Já
se tem entendido que a AECOP constitui uma opção concedida ao credor, que assim,
quanto a um crédito não superior a € 15.000 e emergente de um contrato, pode
optar entre a AECOP e o processo comum. Esta orientação, favorável a um
carácter facultativo da AECOP, não pode ser seguida.
A razão
para a rejeição da referida orientação não é doutrinária, mas legal. O art.
546.º, n.º 1, nCPC estabelece que o processo, declarativo ou executivo, pode
ser comum e especial; o art. 546.º, n.º 2 1.ª parte, nCPC determina que o
processo especial se aplica aos casos expressamente designados na lei, ou seja,
aos casos nos quais a lei define o âmbito de aplicação de um determinado
processo em função de determinados critérios (quase sempre relativos ao
objecto).
É precisamente
isso que sucede no caso da AECOP: esta acção tem um âmbito de aplicação
delimitado em função da matéria (obrigação pecuniária emergente de contrato) e
do valor (obrigação pecuniária não superior a € 15.000). Perante esta
delimitação, o processo comum tem um âmbito de aplicação residual (art. 546.º,
n.º 2 2.ª parte, nCPC), o que, em concreto, significa que este processo só é
aplicável se a AECOP não dever ser aplicada.
Quer isto
dizer que a orientação que entende que a AECOP é uma opção atribuída ao credor
desrespeita o disposto no art. 546.º, n.º 2, nCPC, dado que, perante um processo
especial, não lhe atribui a prevalência perante o processo comum que é imposta
por aquele preceito.
3. O
entendimento de que a AECOP não é uma forma processual facultativa é reforçado pelo
que se dispõe no art. 10.º, n.º 2 e 4, DL 62/2013: o primeiro preceito
(n.º 2) estabelece que, se a injunção se referir a um crédito de valor superior a €
15.000, a sua convolação, decorrente da oposição ou da frustração da notificação
do requerido, implica a aplicação do processo comum; o segundo preceito (n.º 4) estatui
que as acções para cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de
transacções comerciais seguem os termos da AECOP quando o valor do pedido não
seja superior a metade da alçada da Relação (isto é, € 15.000).
Estes
regimes estão em completa harmonia com o que resulta do disposto no art. 546.º,
n.º 2, nCPC: aplica-se o processo especial – isto é, a AECOP – se estiverem
preenchidas as condições que determinam a sua aplicação em função da matéria e
do valor; aplica-se o processo comum a acções que não cabem no âmbito de
aplicação da AECOP. Se a AECOP fosse facultativa, o legislador teria consagrado
que, mesmo quando estivesse preenchido o respectivo campo de aplicação, o
credor poderia escolher entre a AECOP e o processo comum.
4. A estas
razões acresce ainda uma outra. O entendimento segundo o qual o credor pode
escolher entre a AECOP e o processo comum origina necessariamente um tratamento
diferenciado entre os devedores: alguns são demandados nos termos da AECOP,
outros, também devedores de quantias não superiores a € 15.000 e igualmente
emergentes de contratos, são demandados num processo comum.
A lei pode
criar regimes diferenciados para diferentes créditos (é precisamente o que faz
quando delimita o campo de aplicação da AECOP e do processo comum), mas não
pode permitir que o credor trate diferentemente os seus devedores. O que está
em causa é a própria igualdade perante a lei (cf. art. 13.º CRP), dado que, a
admitir-se o carácter facultativo ou opcional da AECOP, o tratamento
diferenciado dos devedores resultaria de uma opção arbitrária do credor.
MTS
Nota de actualização:
Em Castro Mendes/ Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil I (2022), 68 s., dá-se nota de que, apesar da situação de desigualdade criada pela mera opção do credor, a prática se orientou pela alternatividade entre o procedimento de injunção e as AECOPS, por um lado, e o processo comum, por outro. Enfim, um bom exemplo da diferença entre a law in books e a law in action.
Em Castro Mendes/ Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil I (2022), 68 s., dá-se nota de que, apesar da situação de desigualdade criada pela mera opção do credor, a prática se orientou pela alternatividade entre o procedimento de injunção e as AECOPS, por um lado, e o processo comum, por outro. Enfim, um bom exemplo da diferença entre a law in books e a law in action.