"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



07/07/2014

Jurisprudência (23)


Litigância de má fé; aplicação no tempo

1. É o seguinte o sumário de RP 16/6/2014:

"1. O instituto da litigância de má fé tem em certa medida uma natureza bifronte porquanto tem uma vertente sancionatória, disciplinadora da conduta das partes e dos seus patronos e uma vertente ressarcitória geradora da obrigação de indemnizar com base na prática de facto ilícito.
 
2. Em qualquer das vertentes por que se considere o instituto da litigância de má fé, afigura-se-nos que a lei aplicável será a que vigorava na data da prática dos factos e não aquela que exista à data da prolação da decisão e ainda que a lei nova seja eventualmente mais favorável."

Na fundamentação do acórdão refere-se o seguinte:

"Antes de mais, importa determinar se o regime da litigância de má fé constante do Código de Processo Civil que vigora presentemente é aplicável a condutas praticadas na vigência do anterior diploma processual civil.
 
Não obstante a aplicação imediata em regra do novo Código de Processo Civil, na nossa perspectiva, isso não significa que seja aplicável a condutas ocorridas em data anterior à sua vigência.
 
Importa distinguir aplicação imediata e aplicação retroactiva, ou seja, aplicação a factos ocorridos sob o império da nova lei e aplicação a factos praticados antes da vigência da nova lei de aplicação imediata [...].
 
Ora, o instituto da litigância de má fé tem em certa medida uma natureza bifronte porquanto tem uma vertente sancionatória, disciplinadora da conduta das partes e dos seus patronos e uma vertente ressarcitória geradora da obrigação de indemnizar com base na prática de facto ilícito.
 
Em qualquer das vertentes por que se considere o instituto da litigância de má fé, afigura-se-nos que a lei aplicável será a que vigorava na data da prática dos factos e não aquela que exista à data da prolação da decisão e ainda que a lei nova seja eventualmente mais favorável [...]."

2. O problema em análise no acórdão decorre da diferença entre o art. 358.º aCPC e o actual art. 544.º CPC:

-- O primeiro estabelecia que "quando a parte for um incapaz, uma pessoa colectiva ou uma sociedade, a responsabilidade das custas, da multa e da indemnização [por litigância de má fé] recai sobre o seu representante que esteja de má fé na causa";

-- O segundo determina que "quando a parte for um incapaz, a responsabilidade das custas, da multa e da indemnização recai sobre o seu representante que esteja de má fé na causa".

Com base no duplo carácter das consequências da litigância de má fé -- consequências ressarcitórias e consequências sancionatórias --, o acórdão conclui que é aplicável o regime vigente no momento da prática do facto ilícito. A solução merece acolhimento, embora deva ser realçado não apenas o duplo carácter daquelas consequências, mas também o carácter indissociável dessas consequências. É isto que permite confirmar a solução defendida no acórdão através do disposto no art. 12.º, n.º 2 2.ª parte, CC: dado que a multa e a indemnização não podem abstrair do facto ilícito que constitui a sua fonte, só é possível aplicar a lei vigente no momento da prática do facto ilícito.


MTS