"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



09/09/2014

As dificuldades de acesso ao Portal Citius: uma situação de justo impedimento




A comunicação social tem feito eco das dificuldades de acesso ao Portal Citius por parte dos mandatários. As referidas dificuldades podem implicar quer a impossibilidade de os mandatários conhecerem actos dos tribunais condicionadores de actos das partes, quer a impossibilidade de os mandatários praticarem actos que sabem que têm o ónus de praticar. No primeiro caso, é claro que as partes não perdem o prazo, dado que a contagem do prazo para a prática de um acto das partes na sequência de um acto do tribunal só pode iniciar-se a partir do conhecimento deste acto pelas partes. No segundo caso, a referida impossibilidade é relevante, porque, nos termos do art. 144.º, n.º 1, CPC, os actos processuais que devam ser praticados por escrito pelos mandatários das partes devem ser apresentados a juízo por transmissão electrónica de dados. As outras formas de prática desses actos – como a entrega na secretaria judicial, a remessa pelo correio e o envio através de telecópia – só são facultadas em causas que não importem a constituição de mandatário e em que a parte não esteja patrocinada por advogado (art. 144.º, n.º 7, CPC).

Juridicamente, as referidas dificuldades de acesso ao Portal Citius constituem uma situação de justo impedimento, dado que são um evento não imputável às partes nem aos seus representantes ou mandatários que obsta à prática atempada do acto (cf. art. 140.º, n.º 1, CPC). Isto mesmo é reconhecido nas Recomendações do Grupo de Trabalho para a Implementação da Reforma da Organização Judiciária no âmbito do Sistema de Informação CITIUS e a transição eletrónica de processos. Perante esta situação de justo impedimento, os actos processuais escritos que as partes têm o ónus de realizar podem ser praticados pelos mandatários das partes através da entrega na secretaria judicial, da remessa pelo correio ou do envio por telecópia (art. 144.º, n.º 8, CPC).

Há que entender que esta possibilidade constitui uma faculdade que é concedida aos mandatários das partes, em alternativa à prática do acto depois do fim da situação que originou o justo impedimento. É certo que, nas referidas Recomendações se estabelece que “até à estabilização do sistema, os atos processuais devem ser praticados pelos meios alternativos legalmente previstos, com excepção dos processos não migrados, pendentes nos tribunais de competência territorial alargada e no DIAP de Lisboa”. Seja qual for o sentido desta recomendação e da respectiva excepção – que parece não dispensar as partes da prática de actos por transmissão electrónica –, é claro que uma recomendação não pode nem modificar, nem interpretar autenticamente o CPC, pelo que onde este contém um “podem” (e, portanto, uma permissão) não pode entender-se que isso significa um “devem” (e, portanto, uma obrigação ou mesmo apenas um ónus).

Assim, apesar de a conhecida “jurisprudência das cautelas” levar muitos mandatários a utilizar a possibilidade que lhes é oferecida pelo art. 144.º, n.º 8, CPC, nenhum mandatário perde o prazo se optar pelo fim da situação de justo impedimento para a prática do acto. Optando o mandatário por aguardar a remoção das dificuldades de acesso ao Portal Citius, há que aplicar o disposto no art. 140.º, n.º 3, CPC: dado que essas dificuldades constituem um facto notório, os mandatários das partes estão dispensados de as provar, pelo que é suficiente que pratiquem os respectivos actos logo que cessem aquelas dificuldades.


MTS