"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



23/09/2014

Jurisprudência (30)


Posts no facebook; tutela da intimidade da vida privada

1. Segundo o seu sumário, a RP 8/9/2014 (101/13.5TTMTS.P1) decidiu o seguinte:

"I – As redes sociais fizeram surgir novos espaços que não se reconduzem facilmente às tradicionais esferas que se alargam progressivamente à volta do irredutível núcleo íntimo de privacidade do indivíduo, o que adensa as dificuldades em traçar os contornos da privacidade que merece a tutela da confidencialidade, pelo que se torna necessária, para a caracterização de cada situação, uma cuidada apreciação casuística. 
 
II – Em tal apreciação, é de fundamental relevância a ponderação dos diversos factores em presença – designadamente o tipo de serviço utilizado, a matéria sobre que incidem as publicações, a parametrização da conta, os membros da rede social e suas características, o número de membros e outros factores que se perfilem como pertinentes em cada caso a analisar –, de molde a poder concluir-se se na situação sub judice havia uma legítima expectativa de que o círculo estabelecido era privado e fechado.
 
III – Tal ocorre se se descortina a existência de um laço estreito entre os membros da rede social que não era expectável que fosse quebrado, contando aqueles membros com a discrição dos seus interlocutores para a confidencialidade dos posts publicados e estando convictos de que mais ninguém terá acesso e conhecimento, em tempo real ou diferido, ao seu teor. 
 
IV – Não havendo essa expectativa de privacidade, e estando o trabalhador ciente de que publicações com eventuais implicações de natureza profissional, designadamente porque difamatórias para o empregador, colegas de trabalho ou superiores hierárquicos, podem extravasar as fronteiras de um “grupo” criado na rede social facebook, não lhe assiste o direito de invocar o carácter privado do grupo e a natureza “pessoal” das publicações, não beneficiando da tutela da confidencialidade prevista no artigo 22.º do Código do Trabalho."

2. Embora referida à área do direito do trabalho, a doutrina aplicada no acórdão é facilmente transponível para a área do direito privado e, portanto, do direito processual civil. No entendimento da RP, os posts colocados na rede social facebook nem sempre podem ser considerados confidenciais e, nessa medida, susceptíveis de ser protegidos através da tutela da intimidade da vida privada (cf. art. 26.º, n.º 1, CRP). Em linguagem processual: quando um post colocado no facebook é susceptível de exceder um círculo privado e fechado e, portanto, é passível de ter uma divulgação pública, não pode o seu autor obstar à utilização desse post como meio de prova, ou seja, não pode invocar a nulidade dessa prova por abusiva intromissão na vida privada (art. 32.º, n.º 8, CRP).

Em suma: quando o autor dos posts actua na "esfera pública virtual" (para parafrasear Habermas), o mesmo tem de contar com as consequências do seu comportamento, incluindo aquelas que se situam no plano jurídico. Uma evidência que convém ter constantemente presente nos tempos actuais.


MTS