1. No
excelente resumo elaborado por H. Conrad
(Deutsche
Rechtsgeschichte II
(1966), p. 456 ss.) sobre o designado processo comum – isto é, sobre o processo
desenvolvido pela teoria e pela prática com base na revisão da Reichskammergerichtsordnung de
1555 realizada no Jüngste
Reichsabschied de 1654 e que haveria de vigorar até ao Século XIX – encontram-se,
entre outras, duas afirmações que tem interesse salientar.
Uma delas é
relativa ao kammergerichtlicher Prozess do Século XVI e tem o seguinte teor (p. 457): “No
processo por artigos (Artikelverfahren),
igualmente recebido do processo romano-canónico, o autor tinha de dividir a sua
petição (pontos) em factos individuais (positiones;
artigos; artigos per posiciones),
enquanto o réu tinha de tomar posição sobre cada um dos pontos (responsiones). Os artigos probatórios (Probatorialartikel) eram construídos com
base nas positiones e responsiones […]. As testemunhas eram inquiridas,
sob juramento, na ausência das partes sobre os chamados artigos probatórios (Probatorialartikel).”
A outra
afirmação respeita ao princípio da preclusão nos primórdios do chamado processo
comum – aliás, uma influência do processo saxónico (entenda-se, do Reino da
Saxónia) – e tem o seguinte conteúdo (p. 459): “Na sequência [do processo
saxónico], a determinação da prova (decisão sobre a prova) continha, no
processo comum, as alegações individuais relevantes que deviam ser objecto de prova
e dividia o procedimento processual em duas fases, a das alegações e a da
prova.”
2. O que há
de curioso é que ambas as afirmações podiam constar, até tempos bem recentes,
de qualquer manual de direito processual civil português. A primeira poderia encontrar-se
em qualquer manual escrito antes da entrada em vigor do nCPC, pelo menos se o
mesmo optasse por reflectir, não tanto o que já resultava do aCPC, mas o que
constituía prática comum nos nossos tribunais (nomeadamente, através da
sobrevivência do antigo questionário na base instrutória introduzida pela Reforma
de 1995/1996).
A segunda
afirmação podia ser retirada de um manual escrito antes da Reforma de 1995/1996.
Não seria mesmo impossível encontrar essa afirmação num manual posterior a essa
Reforma, se se quisesse acentuar que, na prática, continuava a não ser
frequente, apesar de o aCPC o permitir, a aquisição de factos durante as fases
da instrução e da audiência final.
É
indiscutível que o direito também vive de tradições (no caso do direito
português, muitas delas herdadas do direito romano). Mas parece claro que se
impunha afastar regimes próprios de um processo escrito, rígido e formalista de
há cinco séculos atrás e que, talvez despercebidamente, se tinham mantido, muito provavelmente por uma inércia baseada na rotina, no
processo civil português. Foi isso o que se procurou fazer – aliás, sem
qualquer pretensão de “fim da história” – com a introdução do regime dos temas
da prova (cf. art. 410.º e 596.º nCPC) e com a acentuação da possibilidade de
aquisição de factos durante a instrução da causa (cf. art. 5.º, n.º 2, al. a) e
b), nCPC).
MTS