Valor dos acórdãos de uniformização de jurisprudência
1. De acordo com o respectivo sumário, o STJ 11/9/2014 (3871/12.4 TBVFR-A.P1.S1) decidiu o seguinte:
"Não basta não se concordar com o entendimento de um acórdão uniformizador. Para decidir em sentido contrário é necessário trazer uma argumentação nova e ponderosa, quer pela via da evolução doutrinal posterior, quer pela via da actualização interpretativa."
"Não basta não se concordar com o entendimento de um acórdão uniformizador. Para decidir em sentido contrário é necessário trazer uma argumentação nova e ponderosa, quer pela via da evolução doutrinal posterior, quer pela via da actualização interpretativa."
2. O acórdão respeita ao valor dos acórdãos de uniformização de jurisprudência. O que consta da lei sobre a matéria é bastante escasso: segundo o disposto no art. 629.º, n.º 2, al. c), CPC, de uma decisão que contraria um acórdão de uniformização de jurisprudência é sempre possível interpor recurso para um tribunal superior (Relação ou STJ, consoante os casos).
Segundo uma interpretação possível do acórdão, este analisa em que condições o STJ entende que as instâncias se podem afastar de um anterior acórdão uniformizador. O acórdão defende a orientação de que "a regra só pode ser a de que a jurisprudência uniformizada não deve ser afastada pela mera discordância doutrinal do julgador, caso [em] que não se distinguiria da restante jurisprudência".
De acordo com esta orientação, os acórdãos uniformizadores têm um valor que os distingue da restante jurisprudência ("comum", se assim se pode dizer). Esse valor próprio dos acórdãos de uniformização obsta a que as instâncias se afastem das posições neles definidas sem que invoquem uma argumentação "nova e ponderosa", seja baseada em doutrina posterior, seja decorrente de uma interpretação actualista. Uma mera discordância das instâncias com base em argumentos que foram rebatidos no acórdão de uniformização não é suficiente para justificar a não aplicação da orientação definida no acórdão uniformizador.
O acórdão mostra alguma ambiguidade neste ponto. É perfeitamente legítimo que o STJ defina em que condições rejeita qualquer recurso de uma decisão que contrarie um acórdão de uniformização de jurisprudência: nada pode obstar a que, como decorrência de várias decisões do STJ sobre a matéria, se forme uma jurisprudência constante no sentido de que o STJ revoga qualquer decisão que, sem argumentos novos e ponderosos, se afaste de um acórdão uniformizador. É bastante mais discutível que o STJ possa definir -- mesmo num acórdão uniformizador -- em que condições as instâncias se podem afastar de um acórdão de uniformização, designadamente porque a verificação ou não verificação dessas condições é totalmente irrelevante para a admissibilidade do recurso nos termos do art. 629.º, n.º 2, al. c), CPC.
Aparentemente, o acórdão argumenta a partir desta última posição; possivelmente, esteve subjacente na sua elaboração a primeira das referidas posições.
3. Pode discutir-se o que sucederia se o STJ emitisse um acórdão uniformizador sobre as condições em que as instâncias se podem afastar dos acórdãos de uniformização. Um tal acórdão uniformizador seria ilegal, dado que em parte alguma da lei se encontra que um acórdão de uniformização só admite uma discordância das instâncias com base em certos argumentos (novos e ponderosos, por exemplo) ou que um acórdão uniformizador é vinculativo para as instâncias sempre que estas não consigam utilizar uma determinada argumentação. O STJ pode auto-vincular-se sobre como apreciará as decisões das instâncias que se afastem dos acórdãos uniformizadores, mas não pode impor as condições em que as instâncias podem afastar-se destes acórdãos. A definição destas condições equivaleria a fixar as condições em que os acórdãos de uniformização seriam vinculativos para as instâncias e, portanto, a atribuir a esses acórdãos um valor normativo que a lei não consente.
Em concreto: um acórdão uniformizador sobre o valor dos acórdãos uniformizadores nunca pode ter uma eficácia vinculativa para terceiros (em linguagem mais técnica, nunca pode ser uma fonte do direito), não só porque os acórdãos uniformizadores não possuem, por natureza, essa eficácia, mas também porque nenhum acórdão uniformizador pode atribuir essa eficácia externa a outros acórdãos de uniformização de jurisprudência.
Assim, se, por hipótese, o STJ emitisse um acórdão de uniformização expressamente sobre as condições em que as instâncias podem discordar dos acórdãos uniformizadores, ter-se-ia que fazer uma interpretação correctiva do mesmo, no sentido de se entender que o que esse acórdão estabelece é o modo como o STJ apreciará as decisões das instâncias contrárias aos acórdãos de uniformização.
3. Pode discutir-se o que sucederia se o STJ emitisse um acórdão uniformizador sobre as condições em que as instâncias se podem afastar dos acórdãos de uniformização. Um tal acórdão uniformizador seria ilegal, dado que em parte alguma da lei se encontra que um acórdão de uniformização só admite uma discordância das instâncias com base em certos argumentos (novos e ponderosos, por exemplo) ou que um acórdão uniformizador é vinculativo para as instâncias sempre que estas não consigam utilizar uma determinada argumentação. O STJ pode auto-vincular-se sobre como apreciará as decisões das instâncias que se afastem dos acórdãos uniformizadores, mas não pode impor as condições em que as instâncias podem afastar-se destes acórdãos. A definição destas condições equivaleria a fixar as condições em que os acórdãos de uniformização seriam vinculativos para as instâncias e, portanto, a atribuir a esses acórdãos um valor normativo que a lei não consente.
Em concreto: um acórdão uniformizador sobre o valor dos acórdãos uniformizadores nunca pode ter uma eficácia vinculativa para terceiros (em linguagem mais técnica, nunca pode ser uma fonte do direito), não só porque os acórdãos uniformizadores não possuem, por natureza, essa eficácia, mas também porque nenhum acórdão uniformizador pode atribuir essa eficácia externa a outros acórdãos de uniformização de jurisprudência.
Assim, se, por hipótese, o STJ emitisse um acórdão de uniformização expressamente sobre as condições em que as instâncias podem discordar dos acórdãos uniformizadores, ter-se-ia que fazer uma interpretação correctiva do mesmo, no sentido de se entender que o que esse acórdão estabelece é o modo como o STJ apreciará as decisões das instâncias contrárias aos acórdãos de uniformização.
MTS