"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



23/09/2014

Jurisprudência uniformizada (8)




Falta de gravação da audiência final; nulidade processual

1. O Ac. 13/2014, de 23/9, estabeleceu a seguinte doutrina: 

"A nulidade prevista no artigo 363.º do Código de Processo Penal deve ser arguida perante o tribunal da 1.ª instância, em requerimento autónomo, no prazo geral de 10 dias, a contar da data da sessão da audiência em que tiver ocorrido a omissão da documentação ou a deficiente documentação das declarações orais, acrescido do período de tempo que mediar entre o requerimento da cópia da gravação, acompanhado do necessário suporte técnico, e a efectiva satisfação desse pedido pelo funcionário, nos termos do n.º 3 [4?] do artigo 101.º do mesmo diploma, sob pena de dever considerar-se sanada".

2. Este acórdão, apesar de proferido no âmbito do processo penal, também se reveste de algum interesse para o processo civil.

O art. 363.º CPP dispõe o seguinte: "As declarações prestadas oralmente na audiência são sempre documentadas na acta, sob pena de nulidade". O art. 364.º, n.º 1, CPP concretiza que a documentação dessas declarações é realizada, em regra, através de registo áudio ou audiovisual. Este último regime é paralelo àquele que se encontra estabelecido no art. 155.º, n.º 1 e 2, CPC.

Quanto à disponibilização da gravação, o regime processual penal é o seguinte: o funcionário deve entregar, no prazo de 48 horas, uma cópia a qualquer sujeito processual que a requeira (art. 101.º, n.º 4, CPP). É diferente o regime processual civil, que se concretiza no seguinte:

-- A gravação deve ser disponibilizada às partes, sem necessidade de qualquer requerimento, no prazo de 2 dias, a contar do respectivo acto (isto é, da realização da audiência final) (art. 155.º, n.º 3, CPC); recorde-se que a gravação desempenha um papel importante na interposição de uma apelação que impugne a decisão relativa à matéria de facto: cf. art. 640.º, n.º 1, al. b), 2 e 3, CPC;

-- A falta ou deficiência da gravação deve ser invocada pelas partes, no prazo de 10 dias, a contar do momento em que em que a gravação lhes é disponibilizada (art. 155.º, n.º 4, CPC).

Esta última regra pode parecer, numa primeira análise, algo estranha. Pode efectivamente perguntar-se como é que a falta da gravação pode ser invocada a partir do momento da sua disponibilização, dado que, se não houve gravação, nunca poderá haver -- poder-se-ia argumentar -- a possibilidade de a disponibilizar.

O disposto no art. 155.º, n.º 4, CPC tem, porém, um outro sentido. A situação a que esse preceito se reporta é aquela em que é disponibilizada às partes um suporte que deveria conter a gravação da audiência final e em que se verifica que, afinal, o referido suporte não contém nenhuma gravação. Só nesta situação tem sentido falar-se da invocação da falta de gravação a partir do momento em que a mesma é disponibilizada às partes.

3. Como se verifica, o CPC não regula a situação em que, muito provavelmente por uma qualquer deficiência técnica, nem sequer se realizou a gravação da audiência final. É para esta situação que o Ac. 13/2014 tem algum interesse. 

Do definido no Ac. 13/2014 é possível concluir que, em processo penal, a nulidade decorrente da falta de gravação da audiência deve ser invocada num prazo de 10 dias a contar da realização da audiência, acrescido do prazo que decorrer até o funcionário comunicar à parte que não pode disponibilizar a gravação, porque simplesmente a mesma não foi efectuada. Parece que teria sido mais simples estabelecer que o prazo de 10 dias para a invocação da nulidade se conta a partir do momento em que o funcionário, em vez de cumprir o disposto no art. 101.º, n.º 4, CPP, comunica à parte a inexistência de qualquer gravação.

A orientação definida no Ac.13/2014 deve ser aplicada, mutatis mutandis, no processo civil. A falta de gravação da audiência final é uma nulidade processual, dado que constitui a omissão de um acto que é susceptível de influir no exame ou na decisão da causa (cf. art. 195.º, n.º 1, CPC). A parte -- ou melhor, qualquer das partes -- tem 10 dias (prazo geral para os actos das partes, nos termos do art. 149.º, n.º 1, CPC) para arguir aquela nulidade. No entanto, esse prazo só se pode contar a partir do momento em que a secretaria comunica à parte que não pode cumprir o estabelecido no art. 155.º, n.º 3, CPC, porque não foi realizada nenhuma gravação da audiência final.


MTS