1. De
acordo com o seu sumário, o STJ
9/7/2014 decidiu o seguinte:
“1. Na definição legal, a declaração tácita é
a que se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam – art. 217,º
n.º 1 do CC.
2. Os factos de que a vontade se deduz são os
factos concludentes ou significativos, no sentido de se poder afirmar que,
segundo os usos da vida, há toda a probabilidade de que o sujeito tenha
querido, realmente, o negócio jurídico cuja realização deles se infere.
3. Na declaração tácita, entre os factos
concludentes e a declaração há um nexo de presunção, juridicamente lógico-dedutivo.
A declaração não é formada pelos factos concludentes, deduz-se deles.
4. Esta presunção, na declaração tácita
propriamente dita, é judicial, sendo-lhe aplicável todo o respectivo regime
legal: cabe ao juiz apurar se, de certo comportamento, se pode deduzir, de modo
indirecto, mas com toda a probabilidade, certa vontade negocial.
5. As presunções judiciais não são propriamente
meios de prova, mas ilações que o julgador tira de um facto conhecido para
firmar um facto desconhecido (art. 349.º do CC).
6. Constitui jurisprudência corrente que é lícito
aos tribunais de instância tirarem conclusões ou ilações lógicas da matéria de
facto dada como provada, e fazer a sua interpretação e esclarecimento, desde
que, sem a alterarem, antes nela se apoiando, se limitem a desenvolvê-la.
7. Ao STJ está, porém, vedado o uso de presunções
judiciais para dar como assentes factos deduzidos de outros factos julgados
provados – cfr. art. 674.º, n.º 3 do CPC.
8. Por outro lado, o Supremo só pode sindicar o
uso de presunções judiciais pela Relação para averiguar se ela ofende qualquer
norma legal, se padece de alguma ilogicidade ou se parte de factos não
provados.
9. A questão de saber se houve ou não erro por
parte da Relação ao não usar de uma presunção judicial é insindicável pelo
Supremo, que não pode fazer mais do que suprimir o facto presumido (nos termos
referidos).
10. Mesmo não sendo confessório, o tribunal pode
valorar livremente o depoimento de parte, desde que o faça cotejando-o com a
demais prova produzida.”
2. No
acórdão cujo sumário foi transcrito, o STJ mantém aquela que tem sido a sua
orientação quanto à sua competência (decisória) para conhecer de presunções
judiciais. Esta orientação pode ser resumida nas seguintes premissas:
– O STJ
não pode, em princípio, sindicar o uso de presunções judiciais pelas instâncias; no entanto,
excepcionalmente, o STJ “pode sindicar o uso de presunções judiciais pela
Relação para averiguar se ela[s] ofende[m] qualquer norma legal, se padece[m] de alguma
ilogicidade ou se parte[m] de factos não provados”;
– Ao STJ
está vedado o uso das presunções judiciais para dar como assentes factos
deduzidos de outros factos julgados provados pelas instâncias, o que significa que o STJ não
pode extrair presunções judiciais não extraídas pelas instâncias.
Quer
dizer: segundo esta orientação, o STJ só em casos excepcionais pode controlar
as presunções judiciais utilizadas pelas instâncias, mas nunca pode controlar a
não utilização pelas instâncias dessas presunções.
3. Esta
orientação é muito discutível. Uma coisa é o STJ não poder considerar provados
factos dados como não provados nas instâncias ou não poder julgar não provados
factos considerados provados nas instâncias; outra coisa bem distinta é o STJ
não poder inferir outros factos, através de presunções judiciais, dos factos dados como provados nas instâncias.
Além
disso, também parece demasiado artificial admitir, ainda que apenas em casos
excepcionais, o controlo do uso de presunções judiciais pelas instâncias e não
admitir, mesmo que apenas igualmente em hipóteses excepcionais, o controlo da
não utilização dessas presunções pelas instâncias.
Mais até: a referida orientação
não parece coerente com a posição – agora prevalecente no próprio STJ – segundo
a qual o STJ pode controlar tanto o uso, como o não uso pela Relação dos
poderes que a esta são atribuídos pelo art. 662.º CPC. O
argumento que pode ser utilizado é o seguinte: o art. 662.º, n.º 1, CPC impõe
que a Relação altere a decisão proferida pela 1.ª instância sobre a matéria de
facto, se os factos dados como assentes, a prova produzida ou um documento
impuserem decisão diversa; essa alteração pode ser imposta pela aplicação pela
Relação de uma presunção legal, ou seja, pode suceder que a Relação deva alterar
a decisão sobre a matéria de facto na sequência da inferência de um facto de
outro facto através de uma presunção judicial; logo, o STJ, ao considerar que
não pode controlar o não uso pela Relação de uma
presunção judicial restringe indevidamente o âmbito de aplicação do disposto no
art. 662.º, n.º 1, CPC. No fundo, o que o STJ acaba por fazer é uma
interpretação restritiva do art. 662.º, n.º 1, CPC: o STJ pode controlar se a
Relação deixou de alterar, como se lhe impunha, a decisão sobre a matéria de
facto proferida pela 1.ª instância, excepto se a necessidade de alteração decorrer da
utilização de uma presunção judicial.
A verdade
é que, coerentemente com a posição do STJ sobre o controlo sobre o não uso pela
Relação dos poderes que a esta são atribuídos pelo art. 662.º CPC, o STJ também
não pode deixar de controlar a omissão do uso pela Relação de uma presunção
judicial. Por exemplo: se um facto está provado documentalmente, cabe ao STJ controlar se a Relação deixou de aplicar uma presunção judicial e de extrair desse facto o factum probandum. A alternativa - que consistiria em este facto ser dado como não provado, sem possibilidade de o STJ controlar o não uso pela Relação daquela presunção judicial -- não é aceitável.
4. Num
outro âmbito, merece também referência a conclusão do STJ de que o depoimento
de parte, quando não tenha força confessória, pode (deve) ser livremente
valorado pelo tribunal. A solução não levanta problemas, embora seja discutível
que a mesma possa decorrer do disposto no art. 361.º CC (que se refere, não ao
reconhecimento não confessório, mas antes ao reconhecimento confessório que,
por falta de pressupostos, não pode valer como confissão). Bastante mais
convincente são os argumentos retirados dos art. 7.º, n.º 2, e 411.º CPC: se o
tribunal pode solicitar o depoimento da parte, é coerente que possa apreciar
livremente esse depoimento na parte em que ele não possa valer como confissão.
MTS