1. Os art.
1647.º e 1648.º CC contêm o regime do casamento putativo, isto é, do casamento
que, apesar de ser inválido, produz efeitos, entre os cônjuges ou em relação a
terceiros, até à sua anulação ou declaração de nulidade. A produção desses
efeitos depende de, pelo menos, um dos cônjuges se encontrar de boa fé (cf.
art. 1647.º, n.º 1 e 2, CC), ou seja, ignorar de forma desculpável o vício que
causa a anulabilidade ou a nulidade do casamento (cf. art. 1648.º, n.º 1, CC).
O art.
1647.º, n.º 2, CC estabelece as condições em que, estando apenas um dos
cônjuges de boa fé, o casamento, apesar de inválido, produz efeitos em relação
a terceiros antes da sua anulação ou declaração de nulidade: os efeitos do casamento inválido afectam terceiros se esses
efeitos puderem ser considerados um mero reflexo das relações havidas entre os
cônjuges, ou seja, se forem o reflexo de uma situação jurídica que afecta ambos
os cônjuges. Por exemplo: o cônjuge de má fé vendeu, sem autorização do cônjuge
de boa fé, um imóvel comum; esta venda é anulável pelo cônjuge que não
participou da venda (cf. art. 1682.º-A, n.º 1, al. a), e 1687.º, n.º 1, CC);
esta anulação afecta o terceiro adquirente.
Poder-se-ia
ver no regime estabelecido no art. 1647.º, n.º 2, CC uma extensão do caso
julgado a um terceiro, no sentido de que a anulação proferida na acção entre os
cônjuges seria oponível ao adquirente do imóvel, mesmo que este não tivesse
sido demandado nessa acção. Não parece, contudo, que seja esse o sentido do
preceito.
Fora de
qualquer efeito putativo do casamento, parece claro que a acção de anulação
de uma venda tem de ser proposta contra o alienante e o adquirente, dado que a
anulação não pode ser decretada em relação a apenas uma das partes do contrato (cf.
art. 33.º, n.º 2 e 3, CPC), isto é, não pode ser decretada somente em relação
ao alienante ou ao adquirente, deixando o contrato subsistir como válido em
relação ao adquirente ou alienante não demandado.
O regime constante
do art. 1647.º, n.º 2, CC não pode alterar o litisconsórcio necessário natural
entre o cônjuge alienante e o terceiro adquirente na acção proposta pelo cônjuge
que não autorizou a venda do imóvel. Mais até: esse regime, ao determinar que a
anulação é oponível ao terceiro adquirente, corrobora que este terceiro tem
legitimidade para ser demandado na acção de anulação. Neste caso, a
oponibilidade não significa extensão dos efeitos do caso julgado ao terceiro
adquirente ausente da acção de anulação, antes mostra que o terceiro tem
legitimidade para ser demandado na acção de anulação. Dito de outro modo: a oponibilidade
não é uma decorrência da ausência do terceiro da acção, mas antes um fundamento
para presença desse terceiro nessa acção e um critério para a delimitação das partes da acção.
A relação
que se detecta na hipótese em análise entre a oponibilidade e a legitimidade está
longe de ser um caso isolado. Por exemplo: o art. 522.º CC permite que os
devedores solidários não demandados possam opor ao credor um caso julgado
favorável; o mesmo se estabelece no art. 531.º CC em relação a credores
solidários não demandantes. Qualquer destes sujeitos beneficia da oponibilidade
de um caso julgado favorável, mas também qualquer deles tem legitimidade para,
respectivamente, ser demandado em conjunto com outros devedores ou demandar em
litisconsórcio com outros credores.
2. Sendo
assim, há que concluir que o regime estabelecido no art. 1647.º, n.º 2, CC não
contém nenhuma extensão do caso julgado ao terceiro, pelo que não dispensa a
demanda deste terceiro em conjunto com o cônjuge de má fé.
MTS