"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



13/10/2014

Dificuldades de acesso ao sistema CITIUS: o DL 150/2014, de 13/10




1. O DL 150/2014, de 13/10, estabelece as há muito esperadas medidas relativas à prática de actos processuais enquanto se mantiverem as dificuldades – ou mesmo impossibilidades – de acesso ao sistema informático CITIUS. De acordo como art. 1.º, o DL 150/2014 serve-se de dois regimes para procurar solucionar os problemas decorrentes daquelas dificuldades: o justo impedimento relativo à prática de actos e a suspensão de prazos processuais.

2. A chave para a compreensão do estabelecido no DL 150/2014 encontra-se no art. 5.º, n.º 1: os prazos previstos para a prática de qualquer acto que deva ser praticado no sistema informático CITIUS pelos sujeitos e intervenientes processuais, magistrados e secretarias judiciais ou do Ministério Público que se tenham iniciado após o dia 26/8/2014 inclusive ou, tendo-se iniciado anteriormente, terminem após esta data, consideram-se suspensos a partir do referido dia 26/8/2014, retomando-se a sua contagem no momento da entrada em vigor do próprio DL 150/2014. Como este diploma entra em vigor no dia útil seguinte ao da sua publicação (art. 6.º, n.º 1), os referidos prazos retomam a sua contagem às 0 horas do dia 14/10/2014. Por exemplo: o prazo para a apresentação de uma contestação num processo urgente terminava no dia 20/9/2014; esse prazo fica suspenso entre 26/8/2014 e 13/10/2014, retomando a sua contagem em 14/10/2014.

3. Após se retomar a contagem dos prazos estabelecida no art. 5.º, n.º 1 – isto é, a partir das 0 horas do dia 14/10/2014 –, coloca-se o problema da prática de actos processuais até terminarem as actuais dificuldades que afectam o sistema CITIUS. A solução dada pelo DL 150/2014 é a seguinte: a partir dessa data, a prática de actos processuais fica sujeita ao regime do justo impedimento até à publicitação de uma declaração do Conselho Directivo do IGFEJ que ateste a operacionalidade do sistema informático CITIUS em cada uma das comarcas do novo mapa judiciário (art. 2.º, n.º 2 e 3, al. a), e 3.º, n.º 1). Disto decorre que os art. 3.º e 4.º -- relativos ao justo impedimento -- só são aplicáveis para o futuro, ou seja, a partir do fim da suspensão dos prazos processuais (que ocorre em 14/10/2014) e, portanto, do momento em que se coloca o problema de saber como praticar os actos enquanto se mantiverem as dificuldades que afectam actualmente o sistema CITIUS.

O reconhecimento do justo impedimento da prática do acto no sistema CITIUS (ou seja, em suporte electrónico) implica a obrigação da realização do acto em suporte físico (art. 4.º, n.º 1). É assim temporariamente substituído o regime que consta do art. 144.º, n.º 8, CPC: os mandatários judiciais têm o ónus de, em substituição da realização do acto em suporte informático, praticar o acto em suporte físico.

No entanto, nos casos em que a secretaria do tribunal judicial confirme a impossibilidade de acesso ao processo ou a parte dele, “quer em suporte electrónico, quer em suporte físico”, o justo impedimento estende-se à prática de actos neste último suporte (art. 3.º, n.º 2). Assim, se, além de o processo não estar acessível no suporte electrónico, o mesmo também não estiver acessível em suporte físico, então mantém-se uma situação de justo impedimento que só terminará quando o processo estiver acessível em suporte electrónico ou em suporte físico.

4. A opção pela suspensão dos prazos para a prática de actos processuais até à data da entrada em vigor do DL 150/2014 mostra-se algo duvidosa. Na prática, isso significa que, a partir de 14/10/2014 e até à resolução dos problemas que afectam o sistema CITIUS, o único regime aplicável à prática de actos processuais é o do justo impedimento tal como este se encontra regulado nos art. 3.º e 4.º. Os prazos voltam a correr a partir de 14/10/2014, mas o legislador considera que há razões que justificam a prática do acto em suporte físico em vez de suporte electrónico (se a situação for subsumível ao disposto no art. 4.º, n.º 1) ou que justificam mesmo a não prática do acto (se a situação for subsumível ao estabelecido no art. 3.º, n.º 2).

Admite-se que razões relacionadas com o processo penal possam ter desaconselhado a suspensão dos prazos processuais para além de 14/10/2014 e possam ter recomendado tratar todas as situações, a partir desta data, através do regime do justo impedimento. No âmbito do processo civil, parece não se vislumbrar nenhum obstáculo a que os prazos processuais tivessem permanecido suspensos até à emissão da declaração do Conselho Directivo do IGFEJ. Pelo menos, essa suspensão daria maior segurança aos mandatários das partes e teria a vantagem de evitar a acumulação de actos em suporte físico que mais tarde terão – segundo se supõe – de ser integrados no sistema informático CITIUS.

5. Uma questão muito relevante que importa solucionar é a que se prende com as consequências da suspensão dos prazos processuais estabelecida no art. 5.º, n.º 1. Uma coisa é certa segundo a letra do preceito: a suspensão inicia-se às 0 horas do dia 26/8/2014 e termina às 0 horas do dia 14/10/2014. Tão importante como isto é apurar as consequências da suspensão dos prazos entre 26/8/2014 e 14/10/2014. As consequências só podem ser estas: conta-se o prazo que decorreu entre o seu início e as 0 horas de 26/8/2014; o prazo restante (10 dias, por exemplo) conta-se a partir de 14/10/2014. Está assim afastada a necessidade da prática no dia 14/10/2014 de todos os actos processuais cujo prazo tenha ficado suspenso por força do disposto no art. 5.º, n.º 1.

Um problema que se pode levantar é o seguinte: se, segundo o disposto no do art. 138.º, n.º 1, CPC, o prazo para a prática do acto processual se encontrar suspenso por virtude das férias judiciais de Verão (que decorrem de 16/7 a 31/8: art. 28.º LOSJ), em que termos é que esse prazo beneficia da suspensão estabelecida no art. 5.º, n.º 1? A resposta baseia-se na prevalência do disposto no art. 5.º, n.º 1, dado que, quanto a este aspecto, o CPC e o DL 150/2014 são fontes com a mesma hierarquia e este último diploma contém um regime especial que prevalece sobre o regime geral que consta do CPC. Assim, apesar de, segundo o art. 138.º, n.º 1, CPC, o prazo estar suspenso até 31/8/2014, é apenas até 26/8/2014 que se conta o tempo decorrido do prazo em curso. Noutros termos: o tempo decorrido entre as 0 horas de 26/8/2014 e as 24 horas de 31/8/2014 não conta como prazo completado para efeitos da retoma da sua contagem a partir de 14/10/2014.

6. De acordo com o disposto no art. 1.º, a suspensão só se aplica a prazos processuais, o que exclui a aplicação do art. 5.º, n.º 1, a prazos substantivos (como são os de prescrição e de caducidade). No entanto, não é seguro que nada houvesse a regular quanto aos prazos substantivos que terminaram depois de 26/8/2014 ou, talvez melhor, em relação a acções ou procedimentos que, para evitar a prescrição ou a caducidade, deviam ter sido propostos durante a verificação das dificuldades que ainda afectam o sistema informático CITIUS. Será interessante verificar como a jurisprudência vai decidir eventuais casos concretos: se por uma interpretação extensiva do disposto no art. 5.º, n.º 1, se pelo disposto no art. 144.º CPC.

Quanto à prática de actos processuais a partir de 14/10/2014 que sejam necessários para respeitar prazos substantivos, nada parece impedir a aplicação do disposto nos art. 3.º e 4.º a esses actos. Qualquer destes preceitos é aplicável à propositura de uma acção ou de um procedimento cautelar a partir de 14/10/2014.

7. O DL 150/2014 vigora até 5 dias úteis após a data da publicitação pelo IGFEJ da declaração que comprove que o sistema informático CITIUS se encontra completamente operacional em todos os tribunais judiciais (art. 6.º, n.º 4). Esta vigência permite o estabelecido no art. 4.º, n.º 3: os actos processuais podem continuar a ser praticados em suporte físico até 5 dias contados após a data daquela publicitação.

8. Atendendo à matéria a regular, talvez não fosse fácil instituir um sistema simples. Em todo o caso, cabe perguntar se o legislador se esforçou o bastante para construir o sistema mais simples possível.


MTS