"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



28/10/2014

Jurisprudência (39)


Videovigilância; licitude da prova

Segundo o respectivo sumário, RL 8/10/2014 (149/14.2TTCSC.L1-4) decidiu o seguinte:

"I. Em regra, o Juiz deve diligenciar por observar estes (sic) prazos estabelecidos na Lei. Contudo, casos há em que apesar de o Juiz respeitar a natureza urgente do procedimento e de se empenhar numa tramitação célere, não lhe é praticamente possível observar a rigidez daqueles prazos. As razões podem respeitar ao próprio tribunal, designadamente, em face de um volume processual elevado ou por correrem em simultâneo vários processos com natureza urgente -  o que não é invulgar na jurisdição laboral, já que na sua maioria os processos são considerados urgentes (cfr. art. 26.º do CPT) -, mas também podem resultar da própria complexidade do procedimento cautelar ou da própria conduta processual das partes, assim como também podem concorrer simultaneamente todos esses factores.

II. O facto de não ter sido respeitado o prazo estabelecido na lei processual para ser proferida a sentença não importa qualquer efeito processual.

III. Do quadro normativo que regula a reserva da vida privada e, em particular, os meios de vigilância à distância, ressalta que, verificados os pressupostos legais, mormente a autorização da Comissão Nacional de Protecção de Dados, a lei não obsta à instalação dos meios de vigilância à distância, incluindo a captação de imagem, nos locais de trabalho. 
 
IV. Contudo, dele decorre igualmente que essa vigilância apenas poderá ser utilizada quando vise a protecção e segurança de pessoas e bens ou quando particulares exigências inerentes à natureza da actividade o justifiquem, não podendo nunca ter a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador. 
 
V. É de aceitar as imagens captadas por sistema de videovigilância como meio de prova em processo disciplinar e na subsequente acção judicial em que se discuta a aplicação de sanção disciplinar, mormente o despedimento, desde que sejam observados os pressupostos que decorrem da legislação sobre a protecção de dados e concomitantemente se conclua que a finalidade da sua colocação não foi exclusivamente a de controlar o desempenho profissional do trabalhador. Num quadro circunstancial assim apurado, o trabalhador não merece – nem a lei lhe confere -  maior protecção do que aquela que é  conferida aos demais cidadãos e, logo, o meio de prova é lícito e admissível.

VI. Como resulta do art. 52.º, n.º 1 e 2, da Lei do Jogo, o sistema de videovigilância nas salas de jogos de estabelecimentos legalmente autorizados, é uma “medida de protecção e segurança de pessoas e bens”, acrescendo que é obrigatória. 
 
VII. A Lei do Jogo, no seu art. 83.º, impõe aos trabalhadores que prestam serviço nas salas de jogos, atenta a natureza das funções exercidas e a actividade em que se inserem, um conjunto de proibições, entre elas “Ter(em) em seu poder (..) dinheiro (…) cuja proveniência ou utilização não possa(m) ser justificada(s) pelo normal funcionamento do jogo [83.º, n.º 1, al. c)].  A violação desse dever constitui ilícito contra-ordenacional, punível com coima e “(..) interdição do exercício da profissão (..) até 60 dias, no caso da alínea c)” [artigo 139.º da Lei do Jogo].

VIII. O n.º 3 do artigo 83.º começa por dizer que “Além dos previstos no artigo 52.º", para prosseguir, dizendo “as concessionárias podem utilizar quaisquer outros meios para fiscalizar o cumprimento do disposto no n.º 1.”, resultando, assim, que esse meio- videovigilância -, na medida em que é obrigatório, está já a ser considerado para fiscalizar também a actividade “dos empregados que prestam serviço nas salas de jogos”.

IX. A fiscalização por visionamento – expressamente indicada na lei - tem dois propósitos: dissuadir o trabalhador a adoptar um comportamento desconforme àquelas proibições legais, reportadas todas elas a condutas contrárias à transparência e lisura que deve estar presente na prossecução da actividade legalmente autorizada de exploração de  jogos de fortuna ou azar; e, quando esse efeito dissuasor não resultar, permitir detectar as infracções que sejam praticadas. 
 
X. Considerando-se:  i) que  foram observados os pressupostos que decorrem da legislação sobre a protecção de dados no que respeita à autorização do sistema de videovigilância; ii) que nem a sua colocação nem as imagens captadas visam exclusivamente controlar o desempenho profissional dos trabalhadores, antes sendo obrigatório por lei a sua existência, quer como “medida de protecção e segurança de pessoas e bens”, quer para o controle das “[A]ctividades proibidas aos empregados que prestam serviço nas salas de jogos”; iii) que “Todos os trabalhadores do casino sabem que existe recolha de imagem com CCTV no interior do mesmo e que são filmados enquanto trabalham, estando afixado tal aviso”; resta concluir que não se verifica qualquer violação dos princípios enunciados no art. 20.º, n.º  1, 2 e 3, bem como do n.º 1 do art. 21.º. do CT
."