Compensação por despedimento;
penhorabilidade parcial
1. O sumário de RE 28/4/2016 (101/14.8TTEVR.E1) é o seguinte:
i. A sentença recorrida enferma de nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão [art. 615º n.º 1 al. c) do C.P.C.];
ii. A compensação por despedimento por extinção de posto de trabalho, embora não tenha a natureza de salário, é calculada com base no salário do trabalhador e no período de tempo em que este, ao serviço do empregador, desempenhou as suas funções laborais e visa compensar o trabalhador pelo despedimento de que foi alvo assegurando-lhe, desse modo, um meio de subsistência económica durante algum tempo, o tempo necessário para, com alguma serenidade, procurar arranjar alternativas de trabalho de forma a continuar a prover pela sua subsistência e, não raro, do seu agregado familiar;
iii. Perante a natureza jurídica da mencionada compensação por despedimento por extinção de posto de trabalho, não se pode deixar de considerar que a mesma se encontra abrangida pela parte final do disposto no n.º 1 do referido art. 738º do Código de Processo Civil e, desse modo, concluir que se apresenta parcialmente impenhorável, mais concretamente numa fração correspondente a 2/3 do seu valor global;
iv. Consequentemente e no âmbito do disposto no art. 665º n.º 1 do C.P.C., decidiu-se julgar a apelação parcialmente procedente e, alterando-se a sentença recorrida na parte impugnada, condenou-se a Ré C…, Lda. a pagar ao Autor B… a importância de 2.618,69€ a título de compensação por despedimento por extinção de posto de trabalho, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data de citação até integral pagamento.
2. Da fundamentação do acórdão retira-se o seguinte trecho:
A este respeito referiu-se na sentença recorrida o seguinte:
«Suscita ainda o Autor a questão da impenhorabilidade da quantia atribuída a título de compensação e dos subsídios de férias e de Natal.
Desde já dizemos assistir razão ao Autor quanto à indemnização paga pela cessação contrato de trabalho por extinção do posto de trabalho (neste sentido vejam-se os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 17. 4. 2007 e 20. 9. 2012 inwww.dgsi.pt) e consequentemente deve nesta parte ser a Ré condenada a restituir tal montante de € 3.928,04 ao Autor; porém já não lhe assiste razão quanto aos subsídios os quais estão abrangidos pela penhora do vencimento dos meses em que os mesmos foram pagos, pois naqueles meses fazem parte do vencimento mensal.»
Verifica-se, por outro lado, que na parte dispositiva da mesma sentença o Sr. Juiz do Tribunal a quo condenou a Ré a pagar ao Autor a importância global de 4.323,72€ [3.928,04€ + 395,68€ (sendo que a primeira importância se reporta à aludida compensação pela cessação de contrato por despedimento por extinção de posto de trabalho e a segunda diz respeito ao montante em dívida ao Autor confessado pela Ré na sua contestação e a que se alude no ponto 7 dos factos provados)], acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento.
Ora, sendo incontroverso, face à matéria de facto provada, que entre o Autor B… e a Ré C…, Lda. existiu um contrato de trabalho no período que mediou entre 03.06.2005 e 03.12.2013, data esta em que esse contrato cessou por despedimento promovido pela Ré por extinção do posto de trabalho do Autor, também se sabe que, à data da cessação de tal contrato de trabalho o Autor auferia a retribuição mensal de 485,00€, ou seja, o salário mínimo nacional então em vigor e que fora aprovado pelo Decreto-Lei n.º 143/2010 de 31-12 (cfr. pontos 1, 3 e 4 dos factos provados).
Sabe-se, para além disso, que a Ré em 16.10.2006 foi notificada no âmbito dos autos de execução que corriam termos pelo 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Évora sob o nº 2186/03.3TBEVR, para proceder ao desconto mensal de 1/3 no vencimento do Autor até ao montante de € 10.000,00 e que em 16.12.2013 a Ré procedeu ao depósito de € 3.881,91 à ordem daqueles autos e correspondente ao crédito global líquido pela cessação do contrato de trabalho do Autor, compensação incluída pela cessação do contrato de trabalho por extinção do posto de trabalho deste (cfr. pontos 5 e 6 dos factos provados).
Estabelece o art. 738º n.º 1 do Código de Processo Civil que «[s]ão impenhoráveis dois terços da parte líquida dos vencimentos, salários, prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer outra regalia social, seguro, indemnização por acidente e, renda vitalícia, ou prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado», determinando-se no n.º 3 do mesmo preceito legal que «[a] impenhorabilidade prescrita no n.º 1 tem como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão e como limite mínimo, quando o executado não tenha outro rendimento, o montante equivalente a um salário mínimo nacional».
Perante estes dispositivos da lei, a questão que se coloca é a de saber se, de algum modo, a compensação devida ao aqui Autor/apelado por parte da Ré/apelante, decorrente de despedimento por extinção do posto de trabalho de que aquele foi alvo por parte desta em 3 de dezembro de 2013 e cuja regularidade não vem posta em causa, se deve entender como total ou parcialmente penhorável.
Embora reportada à indemnização por despedimento e à luz da anterior legislação processual civil, não se mostrava pacífica a apreciação de uma tal questão ao nível da jurisprudência, tendo havido Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto que, de um modo ou de outro, entenderam que os créditos do trabalhador executado provenientes de indemnizações por despedimento podiam ser totalmente penhorados (v. os doutos Acórdãos daquela Relação de 23-10-1995 e de 17-11-2009 proferidos, respetivamente nos processos n.ºs 9550384 e 8476/05.3TBMTS-F.P1 e publicados em www.dgsi.pt), enquanto outros, como os que são citados na sentença recorrida (Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 17-04-2007 e de 20-09-2012, proferidos, respetivamente, nos processos n.ºs 10641/2006-7 e 1253/11.4TBOER-C-L1-8 e igualmente publicados em www.dgs.pt) entenderam ser admissível a penhorabilidade parcial, limitada a 1/3, de tais indemnizações.
Referiu-se neste último Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que «[a] indemnização por despedimento, pese embora não tenha a natureza de salário, é calculada com base no salário do trabalhador e no lapso temporal em que desempenhou funções para a entidade patronal e visa compensar o trabalhador pelo despedimento e assegurar-lhe um meio de subsistir economicamente durante algum tempo», para concluir pela impenhorabilidade apenas parcial – reportada a 2/3 – de uma tal indemnização.
No mesmo sentido, embora não de forma tão expressiva, se pronunciara igualmente o primeiro dos mencionados Acórdãos da mesma Relação de Lisboa ao referir que «[a]s indemnizações por despedimento estão abrangidas pelo disposto no art 824º/1 al. a) e 824º-A ambos do Código de Processo Civil sendo, portanto, impenhoráveis nos termos e condições indicados nesses preceitos».
Ora, tendo em consideração a natureza da compensação legalmente devida pela cessação de contrato de trabalho por despedimento fundado na extinção de posto de trabalho, em que o trabalhador, apenas por razões de mercado, estruturais ou tecnológicas relativas à empresa onde labora, se vê confrontado, digamos que quase de um momento para o outro, com a cessação do contrato de trabalho que mantinha com a sua entidade empregadora e de onde normalmente lhe provinham os rendimentos com que fazia face ao seu sustento, bem como ao sustento do seu agregado familiar, compensação que embora não tendo natureza de salário, é, também ela, calculada com base no salário do trabalhador e no período de tempo em que, ao serviço daquela, desempenhou as suas funções laborais, visa, sem dúvida, compensar o trabalhador pelo despedimento de que foi alvo e assegurar-lhe um meio de subsistência económica durante algum tempo, o tempo necessário para, com alguma serenidade, procurar arranjar alternativas de trabalho de forma a continuar a prover pela sua subsistência e, não raro, do seu agregado familiar.
Perante esta natureza jurídica da mencionada compensação por despedimento por extinção de posto de trabalho, não poderemos deixar de considerar que a mesma se encontra abrangida pela parte final do disposto no n.º 1 do referido art. 738º do Código de Processo Civil e, desse modo, concluir que se apresenta não total mas parcialmente impenhorável, mais concretamente numa fração correspondente a 2/3 do seu valor global.
No caso vertente, o valor de tal compensação foi calculado pela Ré no montante global de 3.928,04€ [...], valor que não tendo sido impugnado pelo Autor na resposta que deduziu nos autos, foi levado em consideração na sentença recorrida sem que, nessa parte, tenha sido objeto de recurso, razão pela qual, tendo em consideração o mencionado preceito legal, se mostra impenhorável o montante de 2.618,69€ dessa mesma compensação.
Significa isto que a ora Ré/apelante, no cumprimento da determinação judicial que lhe fora dada no âmbito do processo de execução nº 2186/03.3TBEVR que corria termos pelo 2º juízo do então Tribunal Judicial de Évora, apenas deveria ter retido e depositado à ordem de tal processo o montante de 1.309,35€ (3.928,04€ - 2.618,69€) e não a totalidade da referida compensação por despedimento por extinção de posto de trabalho, pagando o remanescente ao Autor.
Decorre, pois, de tudo quanto se acaba de referir que procede, apenas em parte, o recurso de apelação interposto pela ora Ré/apelante, alterando-se a sentença recorrida em conformidade."
[MTS]