"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



14/09/2016

Jurisprudência (426)



Litisconsórcio necessário;
unidade da acção; legitimidade para recorrer



O sumário de STJ 17/3/2016 (806/13.0TVLSB.L1.S1) é o seguinte:

1. Implicando as situações de litsconsórcio necessário que exista uma única acção com pluralidade de sujeitos (art. 35º do CC), esta unidade da acção é manifestamente incompatível com a possibilidade de um dos litisconsortes necessários (activos, no caso) se associar com a parte contrária (neste caso, o R.), praticando actos processuais que, em termos objectivos, só a esta aproveitam (sendo objectivamente desfavoráveis aos interesses – incindíveis - dos demais litisconsortes necessários activos).

2. O vencimento ou decaimento da parte devem ser aferidos segundo um critério material, que tome em consideração o resultado final da acção e a sua projecção na esfera jurídica da parte, e não numa perspectiva formal, em função dos fundamentos ou razões que ditaram a decisão ou da adesão ou não adesão do juiz à posição expressada pela parte sobre a matéria litigiosa.

3. Sendo proferida, em acção de prestação de contas, decisão a condenar o R. a prestá-las ao conjunto dos herdeiros do de cujus, carece de interesse em agir para apelar de tal decisão a herdeira/interveniente litisconsorcial activa, por tal conteúdo decisório não poder ter a menor repercussão negativa na esfera jurídica do interveniente principal activo, independentemente da posição ou entendimento que este expressou no processo acerca da matéria litigiosa.
 
II. Da fundamentação do acórdão consta o seguinte:

"Como é sabido, as situações de litsconsórcio necessário – em que se integra o litisconsórcio necessário legal dos herdeiros para o exercício de direitos da herança, previsto no art. 2091º do CC, suprido, no caso dos autos, pela suscitação do incidente de intervenção principal provocada de todos os herdeiros, como se refere no acórdão recorrido – implicam que exista uma única acção com pluralidade de sujeitos (art. 35º do CC): ora, como é evidente, esta unidade da acção que caracteriza as situações de litisconsórcio necessário é manifestamente incompatível com a possibilidade de um dos litisconsortes necessários (activos, no caso) se associar com a parte contrária (neste caso, o R.), praticando actos processuais que a esta aproveitam (sendo objectivamente desfavoráveis aos interesses – incindíveis - dos demais litisconsortes necessários activos). Na verdade, o litisconsorte necessário não detém uma posição de autonomia relativamente aos demais litisconsortes necessários, que lhe permita associar-se com a parte contrária na lide, praticando actos processuais que a esta aproveitam, contra o interesse objectivado e uno dos demais litisconsortes necessários.

Como é evidente, esta conclusão não cerceia em nada o direito de livre expressão processual por parte do litisconsorte necessário cuja intervenção principal foi provocada para assegurar a legitimidade plural dos respectivos compartes, ou seja, a livre expressão no processo do seu entendimento ou opinião acerca da matéria litigiosa – podendo obviamente tomar posição no sentido da inexistência ou inverificação dos factos invocados como suporte da relação material controvertida, imputada pelos litisconsortes/AA. ao R.: simplesmente, a expressão de tal posição pessoal sobre a matéria litigiosa – que , em nenhuma circunstância, pode valer como confissão (art. 353º, nº2, do CC) – apenas assume relevância no plano probatório, podendo naturalmente o juiz, ao apreciar livremente as provas, ter em consideração as afirmações de facto feitas no processo pelo litisconsorte necessário; o que já não consideramos possível é que o litisconsorte necessário vá além de tal plano probatório, assumindo uma estratégia que conduza à prática, por ele próprio, no processo de actos processuais destinados objectivamente à tutela, não do interesse dos demais litisconsortes necessários que figuram como seus compartes na causa, mas da contraparte de todos eles, a esta se associando na defesa de interesses estranhos e opostos aos dos demais litisconsortes necessários activos.

Em segundo lugar, afigura-se que o herdeiro/ interveniente principal provocado não pode efectivamente considerar-se parte vencida perante a decisão que considerou terceiro obrigado a prestar contas à herança: é que tal decisão não pode obviamente ter a menor repercussão negativa na esfera jurídica do interveniente principal activo – ou seja o co-herdeiro não pode considerar-se parte directa e efectivamente prejudicada pela decisão que considerou um terceiro vinculado a prestar contas da administração patrimonial dos bens do de cujus à respectiva herança ; e não é obviamente a circunstância de ele ter tomado posição no processo no sentido de que tal obrigação, afinal, não existiria – não aderindo o Tribunal a tal opinião ou entendimento - que é susceptível de ocasionar sucumbência ou decaimento, legitimadores da interposição de recurso: na verdade, e como vem sendo admitido, o vencimento ou decaimento devem ser aferidos segundo um critério material, que tome em consideração o resultado final da acção e a sua projecção na esfera jurídica da parte,- e não numa perspectiva formal, em função dos fundamentos ou razões que ditaram a decisão ou da adesão ou não adesão do juiz à posição expressada pela parte sobre a matéria litigiosa.

E, assim sendo, por via deste critério material e objectivo, só pode considerar-se comoparte vencida aquela que não obteve a decisão mais favorável aos seus interesses objectivados, independentemente da procedência ou improcedência das razões esgrimidas sobre a matéria litigiosa: ora, no caso dos autos é manifesto que a herdeira/interveniente activa não pode considerar-se como parte objectivamente prejudicada pela decisão que considerou terceiro obrigado a prestar contas à herança, não podendo a utilidade inerente à interposição de recurso basear-se apenas na satisfação de interesses meramente subjectivos do recorrente, para dirimir questões puramente académicas ou para mero conforto moral do recorrente, sem qualquer repercussão relevante e efectiva na sua esfera jurídica (Abrantes Geraldes, Recursos no Novo CPC, 2013, pag. 64)."
 
Finalmente, importa ainda realçar que a possibilidade de adesão ao recurso, prevista no art. 634º do CPC – e efectivamente exercitada nos autos pelo R.- está circunscrita aos casos de litisconsórcio voluntário, pressupondo que um dos compartes adere ao recurso interposto na parte em que o interesse for comum, nos termos da al. a) do nº2 do art. 634º; ora nenhum destes pressupostos se verifica, já que estamos confrontados com uma situação de litisconsórcio necessário: na verdade, o R./aderente não pode naturalmente configurar-se como comparte do interveniente litisconsorcial activo, não existindo, por outro lado, nenhum interesse jurídico comum entre o herdeiro/interveniente activo na lide e o R. a quem é imputada a obrigação de prestar contas da administração dos bens [do] de cujus à herança."
 
[MTS]