"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



09/09/2016

Jurisprudência (422)


Dupla conforme; 
"pedido consequencial"


1. O sumário de STJ 21/4/2016 (151/10.3TBCTB.C1.S1) é o seguinte: 

Sendo a matéria da pretensão principal, formulada pelo autor/recorrente – visando o o decretamento da nulidade total de certo negócio jurídico - dirimida pelas instâncias de modo coincidente, quer em termos decisórios, quer em termos de fundamentação jurídica essencial, (considerando o negócio afectado por uma invalidade parcial, susceptível de redução), não é admissível, por via do obstáculo decorrente da dupla conforme, a interposição de revista normal para o STJ, tendo como objecto a rediscussão da matéria da nulidade do negócio e respectivo âmbito, apenas pela circunstância de as instâncias terem divergido quanto à solução a dar a pedido dependente ou consequencial da dita nulidade, referente à obrigação e âmbito do dever de restituição de frutos civis, entretanto percebidos pelo interessado. 

2. As circunstâncias em que o STJ se pronunciou são as seguintes:
 
"Não parece [...] que as objecções esgrimidas pelos recorrentes possam abalar a conclusão de que – quanto à matéria do pedido principal, reportado à declaração de nulidade da doação em causa - se verifica efectivamente o obstáculo decorrente da dupla conformidade das decisões proferidas nos autos pelas instâncias, já que:

- as alterações introduzidas na matéria de facto, em consequência do exercício do duplo grau de jurisdição pela Relação , são absolutamente irrelevantes para a resolução da questão central e primacial da admissibilidade da redução do negócio jurídico, operada em termos perfeitamente coincidentes pelas instâncias: ou seja, as modificações introduzidas em determinados pontos da matéria de facto pela Relação não se projectam, de modo nenhum, na questão da admissibilidade da redução do negócio jurídico de doação;

- quer a sentença, quer o acórdão recorrido, decidiram em termos estritamente coincidentes a questão da admissibilidade da redução do negócio jurídico de doação, efectuada ao R. , entendendo que a ilegitimidade da doadora, decorrente de não ser a única proprietária de tal imóvel, não obstava , nos termos do art. 292º do CC, a tal redução do negócio jurídico – não se vislumbrando qualquer diferença relevante, quer no substrato fáctico que ditou tal solução, quer na interpretação normativa que conduziu à admissibilidade da redução;

- é certo que , em consequência da alteração do quadro factual subjacente ao litígio, a Relação entendeu, ao contrário da 1ª instância, que o donatário tinha a qualidade de possuidor de má fé , com incidência na questão da obrigação de restituir metade dos frutos civis que vinha percebendo do imóvel doado: no entanto – e como é evidente – tal alteração, factual e jurídica, não tem a mínima incidência quanto à solução jurídica a dar à matéria do pedido principal, repercutindo-se apenas no objecto do pedido, secundário, dependente e consequencial, de restituição dos frutos; e, quanto a este pedido, decidido de modo realmente diverso pelas instâncias (considerando a sentença que o R. nada tinha, nesta sede, a restituir e entendendo a Relação, com base no dito juízo sobre a má fé do donatário, que tinha de restituir metade dos valores recebidos), é evidente que não existe dupla conformidade, podendo tal questão do âmbito da obrigação de restituir ser reapreciada na presente revista. O que se tem por inadmissível é que a desconformidade das decisões acerca da matéria estrita de um pedido consequencial possam tornar admissível a revista, incidente também sobre a matéria do pedido principal, quando esta foi dirimida de modo estritamente coincidente por ambas as instâncias;

- finalmente, parece-nos evidente que – quanto aos restantes fundamentos apontados pelos AA. como base da invalidade da doação, nomeadamente a simulação e a falta de vontade do doador – existe dupla conformidade das decisões proferidas pelas instâncias – ambas no sentido de considerar claramente improcedentes tais vícios – não sendo a circunstância de a Relação ter desenvolvido um pouco mais o tratamento de tal matéria , em termos de mero reforço argumentativo de fundamentação, desde logo para responder à argumentação expendida pelos apelantes, que permite considerar precludido o obstáculo da dupla conformidade: saliente-se que as alterações pontualmente introduzidas na matéria de facto, nomeadamente no que respeita às circunstâncias e medida em que a vontade da doadora era condicionada pelo R., revelaram-se manifestamente insuficientes para ter por preenchido o invocado vício da falta de vontade da doadora – não podendo de nenhum modo considerar-se, num caso com a fisionomia dos presentes autos, que a decisão de manifesta inverificação dos vícios da vontade da doadora (em que as instâncias obviamente coincidiram, apesar da leve alteração no quadro factual, operada pelo acórdão recorrido) traduza uma fundamentação essencialmente diferente, susceptível de abalar a verificação do requisito da dupla conformidade.

E, deste modo, não se apreciará, na presente revista, a argumentação dos recorrentes, enquanto dirigida à verificação de uma nulidade total do negócio de doação, decorrente da ilegitimidade da doadora, como tal insusceptível de redução, bem como quanto à verificação das nulidades decorrentes dos vícios de simulação e de falta absoluta de vontade, já que tais matérias, reportadas ao pedido principal formulado na acção, foram dirimidas de modo coincidente pelas instâncias [...].

O objecto da revista circunscreve-se, deste modo, à matéria do pedido, dependente e consequencial, de restituição dos frutos civis percebidos – sustentando na sua alegação os recorrentes que deveria decretar-se a integral restituição de tais valores: ora, como é manifesto – e decorre da natureza meramente consequencial deste pedido – uma vez assente que não se verificam os fundamentos de que dependeria o decretamento danulidade total do negócio jurídico, nenhuma censura merece a decisão da Relação que decretou a obrigação de o possuidor de má fé restituir metade de tais rendimentos, em estrita consonância com o âmbito da nulidade que alcançou através da aplicação da figura da redução do negócio jurídico."

[MTS]