"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



27/09/2016

Jurisprudência (435)


Processo de trabalho; 
reconvenção

1. O sumário de RC 12/5/2016 (1056/15.7T8CLD-A.C1) é o seguinte: 

I – Nos termos conjugados dos artºs 30º, nº 1 do CPT e 126º, al. o) da Lei nº 62/2013, de 26/08, é admissível, em processo laboral, a dedução de pedido reconvencional, não apenas quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação, mas ainda quando o mesmo tenha com o facto jurídico que serve de fundamento à ação uma relação de conexão por acessoriedade, complementaridade ou dependência, salvo no caso de compensação, em que a conexão é dispensada.

II – O sentido da expressão ‘facto jurídico que serve de fundamento à ação’ empregue no primeiro segmento do artº 30º, nº 1 do CPT, pelo seu exacto teor literal e pela sua inserção sistemática em capítulo intitulado ‘instância’, em que é regulada a cumulação sucessiva de pedidos e de causas de pedir (artº 28º), só pode ser entendido como referindo-se à causa de pedir, ao facto jurídico concreto e específico invocado pelo autor como fundamento da sua pretensão.

III – As relações de conexão, para que operem, devem estabelecer-se entre as questões reconvencionais e a ação, ou seja quando o pedido reconvencional está relacionado com o pedido do autor por acessoriedade, por complementaridade ou por dependência.
 

2. a) Do relatório do acórdão consta o seguinte:
 
"[A Ré] Deduziu reconvenção, alegando para tanto que o autor era responsável pelo desenvolvimento de todos os programas de software, software que, unicamente, detinha e tem na sua posse, um computador portátil com toda a informação inclusa, dois discos rígidos, contendo a informação da empresa relativa aos anos anteriores e um telemóvel contendo uma base de contactos de importância fundamental para a empresa. Para além disso alegou que o autor tem todos os acessos e passwords de registos efectuados em sites que servem a ré através de aplicações ou complemento dos mesmos e é possuidor de documentação em suporte informático, relativo a conversas mantidas com clientes e histórico de dúvidas e explicações fornecidas a clientes, bem como mensagens/e-mails de fornecedores com manuais técnicos e especificações de vários equipamentos e e-mails de teor explicativo, dado por técnicos/fornecedores e conversas mantidas com os mesmos, pertença da ré, detendo ainda na sua posse, documentação técnica e desenvolvimentos, bem como e-mail’s de suporte, que se comprometeu entregar/devolver à ré. Alega que no acordo de cessação do contrato o autor transmitiu que apenas libertaria o que detinha, mediante o pagamento da compensação devida e por tal a ré procedeu à transferência de uma quantia para que o autor libertasse, pelo menos, um software essencial para a conclusão de um negócio encetado, negócio que proporcionaria o pagamento da quantia total acordada com o autor. E que perante o pagamento, o autor entregou o software solicitado, comprometendo-se, ainda a proceder à entrega de todos os demais programas informáticos e restante material que se encontravam na sua posse, mas não o fez, sendo que com a conduta referida causou prejuízos avultados à ré. Por isso, invocando o disposto no art. 483.º n.º 1 do Código Civil, reclamou indemnização dos danos que contabilizou em € 7.800,00. No pedido reconvencional pediu a condenação do autor na devolução dos bens referidos e ainda a pagar-lhe o valor de € 7.800,00."

Na fundamentação do seu acórdão, a RC disse o seguinte:

"A ré fundamentou os pedidos reconvencionais de restituição e de indemnização em factos relativos ao incumprimento contratual do autor que, nem ao de leve, foram mencionados na petição inicial. O pedido reconvencional nada tem a ver com o fundamento da acção. Apesar de ambos os pedidos - da acção e da reconvenção - terem um ponto comum, o contrato de trabalho e a prestação de trabalho, qualquer relação de conexão seria apenas indirecta, porque derivam ambas da existência de um contrato de trabalho."

b) Pode aceitar-se que a reconvenção não seja admissível quanto ao pedido de indemnização formulado pela Ré, mas é discutível que a mesma não deve ser considerada admissível quanto à devolução do computador e do telemóvel que -- segundo se deduz -- o Autor tem na sua posse em cumprimento do contrato de trabalho que celebrou com a Ré e que entretanto cessou. Se assim é, então é possível concluir que, de acordo com a responsabilidade post factum finitum (ou com a pós-eficácia das obrigações), o Autor tem a obrigação de, ainda em cumprimento do contrato de trabalho, restituir aqueles bens. 

Nesta óptica, o que fundamenta tanto vários dos pedidos formulados pelo Autor, como o pedido reconvencional deduzido pela Ré é o contrato de trabalho que existiu entre ambos e as obrigações que dele resultam para ambas as partes..Assim, dado que o art. 30.º, n.º 1, CPT estabelece que a reconvenção é admissível quando se baseie no facto que serve de fundamento à acção (que, no caso concreto, era, pelo menos em parte, o contrato de trabalho), é possível concluir que o pedido reconvencional deduzido pela Ré -- que também se baseia nas obrigações decorrentes daquele contrato --  devia ter sido considerado admissível.

MTS