Procedimento especial de despejo; oposição;
prestação de caução; apoio judiciário
1. O sumário de RL 26/4/2016 (4024/15.5YLPRT.L1-7) é o seguinte:
O requerido que beneficie de apoio judiciário está, para o efeito de deduzir oposição ao procedimento especial de despejo, dispensado de prestar a caução a que se refere o nº 3 do art. 15º-F do NRAU.
2. Da fundamentação do acórdão retira-se a seguinte passagem:
"Dispõe o nº 1 do art. 1083º do CC que “1- Qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte”.
E o nº 3 do mesmo normativo estipula que “É inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora igual ou superior a dois meses no pagamento da renda, encargos ou despesas que ocorram por conta do arrendatário …, sem prejuízo do disposto nos nº 3 e 5 do artigo seguinte”, estatuindo o nº 2 do art. 1084º que a resolução pelo senhorio com este fundamento opera por comunicação à contraparte onde fundamentadamente se invoque a obrigação incumprida.
Foi com base neste normativo que a apelada resolveu o contrato de arrendamento celebrado com a apelante, tendo recorrido à presente acção para obter o despejo do arrendado, alegando a recusa da arrendatária em desocupá-lo.
A requerida opôs-se à pretensão de despejo, deduzindo oposição nos termos do nº 1 do art. 15º-F da L. nº 6/2006, de 27.02 (NRAU), com as alterações introduzidas pela L. 31/2012, de 14.08.
Dispõe o nº 3 do referido artigo que “Com a oposição, deve o requerido proceder à junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida e, nos casos previstos nos nºs 3 e 4 do artigo 1083º do Código Civil, ao pagamento de uma caução no valor da rendas, encargos ou despesas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas, salvo nos casos de apoio judiciário, em que está isento, nos termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça”, estatuindo o nº 4 que “não se mostrando paga a taxa ou a caução previstas no número anterior, a oposição tem-se por não deduzida”.
A Portaria nº 9/2013, de 10.01, veio regulamentar, para além do mais, as “formas de apresentação da oposição, e o modo de pagamento da caução devida com a oposição” (art. 1º, nº 1, al. b)), estabelecendo no art. 10º que “1 – O pagamento da caução devida com a apresentação da oposição, nos termos do nº 3 do artigo 15ºF da Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, é efectuada através dos meios electrónicos de pagamento previstos no artigo 17º da Portaria nº 419-A/2009, de 17 de Abril, após a emissão do respectivo documento único de cobrança. 2 – O documento comprovativo do pagamento referido no número anterior deve ser apresentado juntamente com a oposição, independentemente de ter sido concedido apoio judiciário ao arrendatário”.
Resulta, para nós, evidente que existe manifesta contradição entre o estipulado no nº 3 do art. 15ºF do NRAU e o estipulado no nº 2 do art. 10º da Portaria nº 9/2013, de 10.01.
No NRAU, o legislador pretendeu isentar o beneficiário de apoio judiciário do pagamento da caução nas situações apontadas [...], em termos a regulamentar, a Portaria não isenta o arrendatário da prestação da caução prevista no nº 3 do art. 15º-F.
O tribunal recorrido entendeu que não existia a referida contradição, antes tendo o nº 2 do art. 10º da Portaria vindo “clarificar” o disposto no nº 3 do art. 15º-F do NRAU, na esteira, aliás, do Ac. da RE. de 25.9.2014, P. 1091/14.2YLPRT-A.E1, rel. Desemb. Canelas Brás, consultável em www.dgsi.pt, a que se refere.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, não sufragamos tal entendimento - nem sufragamos a leitura que se faz do nº 3 do art. 15º-F do NRAU, nem o entendimento que a respectiva interpretação passa pela análise do instituto de apoio judiciário.
Como supra referido, afigura-se-nos claro que entre as referidas normas existe manifesta contradição.
Como se escreveu no Ac. desta Relação, de 28.4.2015, P. 1945/14.6YLPRT-A.L1, em que foi relatora a, ora 2ª adjunta, Desemb. Rosa Maria Ribeiro Coelho, consultável em www.dgsi.pt, “A interpretação do nº 3 do dito art. 15º-F do NRAU, com recurso aos elementos gramatical – ou letra da lei – e lógico - espírito da lei –, leva-nos a concluir que, com ele, o legislador isentou o beneficiário de apoio judiciário da prestação de caução, em moldes a regulamentar por ulterior Portaria. [...]
Ora, a expressão verbal do preceito “Com a oposição, deve o requerido proceder à junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida e, nos casos previstos nos nºs. 3 e 4 do artigo 1083.° do Código Civil, ao pagamento de uma caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas, salvo nos casos de apoio judiciário, em que está isento (…)”, - sublinhado nosso -, não consente outro sentido que não seja o desígnio de isentar o arrendatário que beneficia de apoio judiciário do pagamento da caução no valor descrito, tanto mais que a inexigibilidade do pagamento da taxa de justiça resulta já da Lei do apoio judiciário – cfr., entre outros, o art. 16º, nº 1, alínea a), da Lei nº 34/2004, de 29.07. Por outro lado, também o elemento teleológico ou racional – o que terá sido o fim visado pelo legislador - aponta no mesmo sentido. Disse-se na Proposta de Lei nº 38/XII, Exposição de Motivos, além do mais, o seguinte “(…) Por sua vez a transferência para o arrendatário do ónus de impugnação do despejo, de prestação de caução e de pagamento de taxa de justiça no âmbito do procedimento especial visa dissuadir o uso deste procedimento apenas como meio dilatório para a efectivação do despejo.” Isto mostra que, no intuito de evitar que a oposição seja usada apenas como meio dilatório da efectivação do despejo, o legislador fez impender sobre o arrendatário o ónus de pagar, tanto a taxa de justiça, como a caução em valor que especifica. Ciente, porém, de que sujeitar a admissibilidade da oposição à prestação de caução pode equivaler a coarctar ou anular o direito de defesa de arrendatário que se encontre em precária situação económica, bem se entende que, concomitantemente, tenha querido assegurar o exercício desse direito fundamental aos arrendatários mais carenciados, isentando-os de prestar a caução, em termos a definir por portaria”.
Existindo conflito de normas, de hierarquias diversas [...] a resolução do problema passa “pela prevalência da fonte de maior hierarquia”, como se escreveu no Ac. da RL de 19.2.2015, P. 4118/14.4TCLRS, rel. Desemb. Ezaguy Martins, in www.dgsi.pt, e para que remete o supra referido Ac. da RL de 28.4.2015."
[MTS]
2. Da fundamentação do acórdão retira-se a seguinte passagem:
"Dispõe o nº 1 do art. 1083º do CC que “1- Qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte”.
E o nº 3 do mesmo normativo estipula que “É inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora igual ou superior a dois meses no pagamento da renda, encargos ou despesas que ocorram por conta do arrendatário …, sem prejuízo do disposto nos nº 3 e 5 do artigo seguinte”, estatuindo o nº 2 do art. 1084º que a resolução pelo senhorio com este fundamento opera por comunicação à contraparte onde fundamentadamente se invoque a obrigação incumprida.
Foi com base neste normativo que a apelada resolveu o contrato de arrendamento celebrado com a apelante, tendo recorrido à presente acção para obter o despejo do arrendado, alegando a recusa da arrendatária em desocupá-lo.
A requerida opôs-se à pretensão de despejo, deduzindo oposição nos termos do nº 1 do art. 15º-F da L. nº 6/2006, de 27.02 (NRAU), com as alterações introduzidas pela L. 31/2012, de 14.08.
Dispõe o nº 3 do referido artigo que “Com a oposição, deve o requerido proceder à junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida e, nos casos previstos nos nºs 3 e 4 do artigo 1083º do Código Civil, ao pagamento de uma caução no valor da rendas, encargos ou despesas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas, salvo nos casos de apoio judiciário, em que está isento, nos termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça”, estatuindo o nº 4 que “não se mostrando paga a taxa ou a caução previstas no número anterior, a oposição tem-se por não deduzida”.
A Portaria nº 9/2013, de 10.01, veio regulamentar, para além do mais, as “formas de apresentação da oposição, e o modo de pagamento da caução devida com a oposição” (art. 1º, nº 1, al. b)), estabelecendo no art. 10º que “1 – O pagamento da caução devida com a apresentação da oposição, nos termos do nº 3 do artigo 15ºF da Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, é efectuada através dos meios electrónicos de pagamento previstos no artigo 17º da Portaria nº 419-A/2009, de 17 de Abril, após a emissão do respectivo documento único de cobrança. 2 – O documento comprovativo do pagamento referido no número anterior deve ser apresentado juntamente com a oposição, independentemente de ter sido concedido apoio judiciário ao arrendatário”.
Resulta, para nós, evidente que existe manifesta contradição entre o estipulado no nº 3 do art. 15ºF do NRAU e o estipulado no nº 2 do art. 10º da Portaria nº 9/2013, de 10.01.
No NRAU, o legislador pretendeu isentar o beneficiário de apoio judiciário do pagamento da caução nas situações apontadas [...], em termos a regulamentar, a Portaria não isenta o arrendatário da prestação da caução prevista no nº 3 do art. 15º-F.
O tribunal recorrido entendeu que não existia a referida contradição, antes tendo o nº 2 do art. 10º da Portaria vindo “clarificar” o disposto no nº 3 do art. 15º-F do NRAU, na esteira, aliás, do Ac. da RE. de 25.9.2014, P. 1091/14.2YLPRT-A.E1, rel. Desemb. Canelas Brás, consultável em www.dgsi.pt, a que se refere.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, não sufragamos tal entendimento - nem sufragamos a leitura que se faz do nº 3 do art. 15º-F do NRAU, nem o entendimento que a respectiva interpretação passa pela análise do instituto de apoio judiciário.
Como supra referido, afigura-se-nos claro que entre as referidas normas existe manifesta contradição.
Como se escreveu no Ac. desta Relação, de 28.4.2015, P. 1945/14.6YLPRT-A.L1, em que foi relatora a, ora 2ª adjunta, Desemb. Rosa Maria Ribeiro Coelho, consultável em www.dgsi.pt, “A interpretação do nº 3 do dito art. 15º-F do NRAU, com recurso aos elementos gramatical – ou letra da lei – e lógico - espírito da lei –, leva-nos a concluir que, com ele, o legislador isentou o beneficiário de apoio judiciário da prestação de caução, em moldes a regulamentar por ulterior Portaria. [...]
Ora, a expressão verbal do preceito “Com a oposição, deve o requerido proceder à junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida e, nos casos previstos nos nºs. 3 e 4 do artigo 1083.° do Código Civil, ao pagamento de uma caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas, salvo nos casos de apoio judiciário, em que está isento (…)”, - sublinhado nosso -, não consente outro sentido que não seja o desígnio de isentar o arrendatário que beneficia de apoio judiciário do pagamento da caução no valor descrito, tanto mais que a inexigibilidade do pagamento da taxa de justiça resulta já da Lei do apoio judiciário – cfr., entre outros, o art. 16º, nº 1, alínea a), da Lei nº 34/2004, de 29.07. Por outro lado, também o elemento teleológico ou racional – o que terá sido o fim visado pelo legislador - aponta no mesmo sentido. Disse-se na Proposta de Lei nº 38/XII, Exposição de Motivos, além do mais, o seguinte “(…) Por sua vez a transferência para o arrendatário do ónus de impugnação do despejo, de prestação de caução e de pagamento de taxa de justiça no âmbito do procedimento especial visa dissuadir o uso deste procedimento apenas como meio dilatório para a efectivação do despejo.” Isto mostra que, no intuito de evitar que a oposição seja usada apenas como meio dilatório da efectivação do despejo, o legislador fez impender sobre o arrendatário o ónus de pagar, tanto a taxa de justiça, como a caução em valor que especifica. Ciente, porém, de que sujeitar a admissibilidade da oposição à prestação de caução pode equivaler a coarctar ou anular o direito de defesa de arrendatário que se encontre em precária situação económica, bem se entende que, concomitantemente, tenha querido assegurar o exercício desse direito fundamental aos arrendatários mais carenciados, isentando-os de prestar a caução, em termos a definir por portaria”.
Existindo conflito de normas, de hierarquias diversas [...] a resolução do problema passa “pela prevalência da fonte de maior hierarquia”, como se escreveu no Ac. da RL de 19.2.2015, P. 4118/14.4TCLRS, rel. Desemb. Ezaguy Martins, in www.dgsi.pt, e para que remete o supra referido Ac. da RL de 28.4.2015."
[MTS]