Recurso principal; recurso subordinado;
admissibilidade
1. O sumário de STJ 19/10/2016 (3/13.5TBVR.G1-A.S1) é o seguinte:
I - Sendo admissível a revista principal, é admissível a revista subordinada, ainda que, quanto a esta, haja dupla conforme.
II - Muito embora não conste da lei (n.º 5 do art. 633.º do CPC) o apetecido expresso sinal literal a determiná-lo, é este o real pensamento legislativo, que só não foi explicitamente consagrado porque disso se não terá apercebido o legislador no momento em que procedeu à sua redação, dizendo menos do que pretendia.
III - Se disso se tivesse apercebido, teria o legislador estendido ao “recurso subordinado” a contingência da “dupla conforme” – acrescentando ao “valor da sucumbência” também a “dupla conforme” – por ser esta a sua verdadeira vontade e assim o justificar a “ratio” (razão de ser da lei) envolvente da disciplina entranhada no “recurso subordinado”.
2. Na fundamentação do acórdão pode ler-se o seguinte:
II. [...] O que se depreende do disposto no n.º 5 do art.º 633.º do C.P.Civil é que o recurso subordinado não fica dependente da regra da sucumbência, isto é, a sua admissibilidade não é condicionada pela circunstância de a parte ter ficado vencida em montante que é igual ou inferior a metade da alçada do tribunal em que a decisão impugnada foi proferida.
A temática que ora havemos de apreciar e julgar não se configura, porém, tão só com a simplicidade da aplicação dos princípios que acabamos de enunciar e que, naturalmente, sobressaem da descrição posta na 2.ª parte do n.º 1 do art.º 629.º e n.º 5 do art.º 633.º, ambos do C.P.Civil.
A problemática que presentemente abordamos apresenta-nos a especificidade - suscetível de frequentemente ocorrer - que se completa na circunstância de a revista subordinada interposta pela autora/reclamante incidir sobre “acórdão da Relação que, relativamente à recorrente, confirma, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância”, desta feita tomando a sua discussão assento no regime jurídico estabelecido para a “dupla conforme” (n.º 3 do seu art.º 671.º do C.P.Civil).
Pondo-a em comparação com a universalidade dos princípios ínsitos no nosso ordenamento jurídico, esta contingência assim despontada não fará com que a “dupla conforme”, efetivamente verificada, tenha de se amoldar à tutela da “igualdade”, garantida pela nossa Lei Fundamental?
Não é fácil a opção a tomar por um ou outro entendimento; e tanto assim é que este Supremo Tribunal vem fazendo diferenciadas reflexões sobre esta própria questão.
Esta possibilidade - de recurso subordinado - apenas abarca as situações de irrecorribilidade em função do valor. Já se esta decorrer de ausência de outros requisitos (v.g. por ser vedado o recurso para o Supremo atenta a existência de dupla conforme relativamente à concreta questão decidida desfavoravelmente ou por outro motivo de ordem legal), a interposição do recurso principal não pode ser invocada como fundamento para a admissão de recurso subordinado. Ou seja, parece-me que o disposto no n.º 5 apenas atenua os efeitos ligados ao pressuposto de recorribilidade em função da sucumbência, não tendo, por si, a virtualidade de abrir múltiplos graus de jurisdição, ainda que por via subordinada, quanto a decisões cuja irrecorribilidade encontre na lei outros motivos - Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil; 3.ª edição, 2016, pág. 85.
Este mesmo entendimento é o que está preconizado no Acórdão do STJ de 10.03.2016 (Manuel Tomé Soares Gomes (Relator) e disponível em www.dgsi.pt):
- Não se afigura que, face ao lapidarmente disposto na parte final do n.º 5 do artigo 633.º, se possa concluir pela ocorrência de lacuna a preencher por via analógica de modo a contemplar, para os mesmos efeitos, a irrelevância da dupla conforme, sendo de salientar que aquela disposição foi mantida aquando da introdução deste novo limite de recorribilidade da revista - Ac. STJ de 10.03.2016; Manuel Tomé Soares Gomes (Relator); disponível em www.dgsi.pt.
A decisão singular tomada pelo Relator [...], inspirada na doutrina e na jurisprudência atrás assinaladas, não atendeu à motivação apresentada pela reclamante.
III. Não obstante isso, reavaliando os argumentos ora propostos pela recorrente/reclamante, designadamente a perceção professada pelo Prof. Teixeira de Sousa, que se revela partidária da admissibilidade do recurso subordinado mesmo que se verifique a “dupla conforme”, por ser a solução ditada pela igualdade e pelo equilíbrio entre as partes (in “Cadernos de Direito Privado, n.º 21”), pensamento igualmente acolhido no acórdão do STJ de 04.06.2015, desta Secção (disponível em www.dgsi.pt), vamos repensar a nossa decisão singular anteriormente tomada e considerar que, “sendo admissível a revista principal, é admissível a revista subordinada, ainda que, quanto a esta, haja dupla conforme”, ou seja, adotando o sentido decisório que se ultima neste último aresto.
Esta reflexão, assim delineada, tem a sufragá-la, pensamos, a interpretação extensiva do regime evidenciado pelo n.º 5 do artigo 633.º do C. P. Civil, que neste enquadramento jurídico nós fazemos, desta feita fazendo estender aquela minudenciada disciplina legal aos casos em que se discute, conjuntamente com a possibilidade do “recurso subordinado”, a sobreposição da “dupla conforme” caracterizada no n.º 3 do seu art.º 671.º do C.P.Civil, ou seja, desatender, para este efeito, a aparente ingerência da disciplina da “dupla conforme” na permissividade do “recurso subordinado”.
Muito embora não conste da lei o apetecido expresso sinal literal a determinar esta destacada firmeza normativa - “sendo admissível a revista principal, é admissível a revista subordinada, ainda que, quanto a esta, haja dupla conforme”- quer-nos parecer que é este o real pensamento legislativo, orientador do regime jurídico apropriado a este circunstancialismo jurídico-positivo e que, só não foi explicitamente consagrado porque disso se não terá apercebido o legislador no momento em que procedeu à sua redação, dizendo menos do que pretendia.
Se disso se tivesse apercebido, depreendemos nós agora, teria o legislador estendido ao “recurso subordinado” a contingência da “dupla conforme” - acrescentando ao “valor da sucumbência” também a “dupla conforme” - por ser esta a sua verdadeira vontade e assim o justificar a “ratio” (razão de ser da lei) envolvente da disciplina entranhada no “recurso subordinado” - equiparar, até onde isso for racionalmente possível, a disciplina do “recurso subordinado” ao regime adstrito ao “recurso independente” (principal).
Ajuizando que há convincentes motivos que apontam no sentido de que o recurso não deve ser rejeitado, interpretando extensivamente a lei (artigos 9.º e 11.º do C.Civil), vamos atender a pretensão da recorrente/reclamante."
3. Sobre a problemática, cf. também, no sentido da orientação defendida no acórdão, o post Dupla conforme e recurso subordinado.
MTS