"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



28/02/2017

Jurisprudência (565)


Oposição à execução; compensação;
prescrição presuntiva; ilisão


1. O sumário de RC 15/11/2016 (1751/13.5TBACB-A.C1) é o seguinte:

I – As nulidades previstas no art. 195º, nº 1 do CPC para poderem ser conhecidas exigem a sua arguição, que deverá ser feita no prazo de dez dias a contar do momento em que a parte, depois de ela ter sido cometida, interveio em qualquer acto no processo e quando deva presumir-se que então tomou dela conhecimento ou dela pudesse ter tomado conhecimento agindo com a devida diligência.

II - A compensação é fundamento de oposição à execução, mas sendo esta baseada em sentença só é invocável a compensação cuja “situação de compensação” (cuja data da verificação dos respectivos pressupostos) seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e, ainda assim, tem que ser/estar provada por documento (art. 729º, als. g) e h) do CPC).

III - Quando a execução é baseada noutro título não subsiste a limitação imposta pelo art. 729º, al.g) do CPC.

IV - Nas prescrições presuntivas a presunção de cumprimento pelo decurso do prazo pode ser ilidida por confissão - judicial ou extrajudicial - do devedor originário, só relevando esta última quando for realizada por escrito (artº 313º, nº 2, do C. Civil).

V - Nas prescrições presuntivas a alegação concomitante da prescrição com outros meios de defesa pode comportar incompatibilidades e contradições não permitidas pelo art. 314º do CCivil quando estas signifiquem directa ou indirectamente uma confissão da dívida.

VI - Constitui confissão tácita da dívida, nos termos da parte final do art. 314º do CCivil, a alegação de que a crédito reclamado está extinto em virtude de o reclamante, que é advogado, ter em seu poder dinheiro que lhe foi entregue por outrem para ser por sua vez entregue ao reclamado (cliente do embargante) em montante que satisfaz a dívida peticionada nos autos (de honorários não pagos).

VII - Exigindo-se que a alegação da prescrição presuntiva deva conter não só a afirmação da natureza do crédito e decurso do prazo (art. 317º do CC) mas também a de que o crédito que se diz prescrito foi pago, a alegação de que o credor tem em seu poder dinheiro que lhe foi entregue por terceiro para que, posteriormente, fosse entregue ao devedor, não constitui alegação de pagamento.

VIII - Só o pagamento e não qualquer outra causa de extinção das obrigações pode fundamentar a prescrição presuntiva, porque só o cumprimento tem previsão legal no art. 312º do CCivil e, também, porque em todas as outras causas de extinção existe um fundamento indirecto e lateral para que a obrigação se tenha extinguido, enquanto a única causa de extinção directa e que não sai do círculo dos direitos e deveres criados pela constituição da obrigação é o cumprimento.

IX - Constitui igualmente confissão tácita da dívida por defesa incompatível com a presunção de cumprimento, a circunstância de o embargado, enquanto alegado devedor do embargante por crédito de honorários, ter contestado o valor da dívida e requerido laudo da Ordem dos Advogados para se apurar quais os devidos, ainda que declare que esta defesa é apenas realizada por hipótese de mero dever de cautela de patrocínio e sem conceder.

X - A previsão do art. 662º, nº 2, al. b) do CPCivil cobre os casos em que, depois de avaliada toda a prova produzida em primeira instância, subsistem dúvidas sobre essa mesma prova que haja sido efectivamente realizada e quanto a factos que o tribunal a quo tenha considerado “provados” ou “não provados”.

XI - O art. 662º, nº 1, al. b) do CPCivil não enquadra questões de omissão de prova que tenha sido suscitada pelas partes e não tenha sido realizada porque indeferida; nem aquelas em que as partes não tenham apresentado prova; nem ainda aquelas em que o tribunal de primeira instância não se pronuncia sobre um facto controvertido, não o considerando “provado” nem “não provado”.

XII - Quando o tribunal a quo não se pronuncia sobre um facto (essencial) controvertido, não lhe dando resposta de provado ou não provado, o tribunal de recurso fica perante uma situação de falta absoluta de decisão sobre um facto essencial que conduz à aplicação do art. 662º, nº 1, al. c) do CPCivil, com a consequente anulação da decisão proferida, para que seja realizada ampliação da matéria de facto.

XIII - A solicitação à Ordem dos Advogados, não realizada em primeira instância, para obtenção de laudo de honorários que confirmasse a resposta à matéria de facto do tribunal a quo sobre esse montante apenas poderia caber na previsão do art. 662º, nº 1 al.b) do CPCivil se tivesse existido por parte do tribunal recorrido resposta sobre essa matéria de facto. Em caso de não existir pronúncia alguma sobre essa matéria colhe a previsão do art. 662º, nº 1, al. c) do CPCivil.
 

2. Na fundamentação do acórdão diz-se o seguinte:

"O embargante invoca como fundamento de oposição à execução a compensação nos termos dos arts. 847 e ss do CCivil.

Embora neste momento não se possa já questionar a admissibilidade legal de o embargante pretender exercer a compensação em execução [...] por rigor lógico e metodológico esta matéria merece pela sua importância e contexto uma breve referência.

De facto, já se entendeu, na vigência do anterior CPCivil, que por ser inadmissível a dedução de reconvenção em oposição à execução, a compensação não podia aqui ser invocada; ou, dito doutro modo, para a compensação poder ser invocada teria a existência do contracrédito e os requisitos substantivos da compensação que estar provados por documento com força executiva [Vd. Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, p. 289]. Não julgamos que assistisse razão a este entendimento uma vez que, quer o contracrédito invocado seja igual ou inferior, quer seja superior ao do exequente, é “permitido deduzir a excepção de compensação, seja como objecção (no caso de já extrajudicialmente ter declarado querer compensar), seja como excepção propriamente dita (no caso de essa declaração ser feita na petição de embargos).” [Vd. Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 1993, p. 151]

E hoje, no CPC saído da reforma de 2013 o art. 729.º/h admite expressamente a compensação como fundamento de oposição embora no art. 266.º/2/c), se estabeleça que a compensação passa a ter que ser sempre deduzida por reconvenção.

Assim, julgando que é inteiramente admissível a invocação de um contracrédito compensável na oposição à execução importa esclarecer que essa invocação não é livremente alegável e demonstrável, uma vez que a lei processual no citado art. 729, als. g) e h) dispõe que, sendo a execução fundada em sentença, os factos extintivos ou modificativos da obrigação têm que ser posteriores ao encerramento da discussão no processo de declaração e que ser provados por documento, percebendo-se estas exigências uma vez que a superveniência decorre e é imposta pelo respeito pelo caso julgado [...].

Acabando a sentença por abranger todos os meios de defesa do réu, mesmo os que ele não chegou a deduzir, valendo a máxima segundo a qual o caso julgado “cobre o deduzido e o dedutível”, os factos extintivos ou modificativos da obrigação reconhecida na sentença só podem ser os posteriores ao encerramento da discussão no processo de declaração.

Porém a questão não fica definitivamente resolvida porque, afirmando o art. 848.º/1 do C. Civil que “a compensação se torna efectiva mediante declaração de uma das partes à outra”, suscita-se a dúvida sobre se a superveniência é aferida pela “declaração de compensação” ou pela “situação de compensação”.

Segundo um entendimento “(…) o que, no caso da compensação, extingue o crédito, não é a situação de compensação (compensabilidade dos créditos), mas a declaração de compensação, e, portanto, se esta for posterior ao encerramento da discussão do processo declarativo, tanto basta para poder ser oposto pelo devedor-executado ao credor-exequente” ou seja, o que releva é a declaração de compensação [In Vaz Serra, “Algumas questões em matéria de compensação no processo”, in RLJ ano 105, pág. 52 e também em Lebre de Freitas in “A Acção Executiva”, 1993, p. 150.]. Mas não é esta a orientação dominante, segundo a qual o que releva e determina a superveniência é a “situação de compensação”.

As razões de mérito deste último entendimento, que também acolhemos, são as de que, se atendêssemos ao momento da “declaração de compensação”, o ónus da apresentação de toda a defesa na contestação perdia força, já que o demandado poderia sempre tornar a compensação superveniente, ao emitir a declaração compensatória posteriormente ao termo da contestação ou do encerramento da discussão e julgamento [Cf. Teixeira de Sousa, in “ Observações críticas sobre algumas alterações ao Código de Processo Civil”, BMJ 328, pág.113.], estando ainda a sujeitar o credor (com base em sentença) à dedução tardia de excepções cuja existência pode ser duvidosa, razões pelas quais se entenda que para se aferir se o facto extintivo/modificativo da compensação é anterior ou posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração, importa o momento em que se verificou a situação/condições de compensabilidade, a data da verificação dos pressupostos do direito [Cf. Miguel Mesquita, Reconvenção e Excepção no Processo Civil, 2009, pág.470 e segs., Rui Pinto, Manual de Execução, pág. 413/4; Ac STJ de 6/10/87, in BMJ 498/9, Ac. STJ de 02-12-2008 (Relator: Moreira Alves), Ac. desta Relação de Coimbra de 07-06-2005 (Relator: Artur Dias), Ac. desta Relação de Coimbra de 24-03-2009 (Relator: Távora Vítor) e Ac desta Relação de Coimbra de 25-01-2011 (Relator: Jorge Arcanjo), todos em www dgsi.pt)].

Num segundo domínio, não já o da superveniência mas sim no da prova, refere-se na alínea g) do art. 729 do CPC que, sendo a execução fundada em sentença, os factos extintivos ou modificativos da obrigação (além de terem que ser posteriores ao encerramento da discussão no processo de declaração) têm que ser provados por documento [...]

Não se trata, como antes se referiu, que seja necessário que a existência do crédito e os requisitos substantivos da compensação se provem por documento com força executiva, mas é requisito que se prove por documento o facto constitutivo do contracrédito e as suas características relevantes para o efeito do art. 847.º do C. Civil, bem como a declaração de querer compensar (art. 848.º) no caso de esta ter sido feita fora do processo. Isto mesmo decidiu oi STJ ao dizer que “é, manifestamente, pouco. Seria necessário provar-se por este meio, antes de mais, a própria existência dos créditos contrapostos pela embargante. A compensação não se prova por documento se por documento não se provam os pressupostos materiais da declaração a que se refere o art. 848.º/1 do C. Civil, mas apenas que a declaração foi feita” [Ac. STJ de 06-10-1987, in BMJ 498/9 e também o Ac do STJ de 14/12/2006, in ITIJ, que cita diversa jurisprudência concordante e conclui que “a compensação formulada pelo executado na oposição do crédito exequendo com um seu alegado contra crédito sobre a exequente, não reconhecido previamente e cuja existência pretende ver declarada na instância de oposição, não é legalmente admissível”].

Num resumo de todas estas considerações normativas, a compensação (ou o contracrédito compensável) é fundamento de oposição à execução mas, sendo esta baseada em sentença, só é invocável a compensação cuja “situação de compensação” (cuja data da verificação dos respectivos pressupostos) seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e, ainda assim, tem que ser/estar provada por documento [Vd. ac. R.C. de 21-4-2015 no proc. 556/08.0TBPMS-A.C1, in dgsi, e cuja exposição seguimos em coincidência.]."


3. [Comentário] O art. 729.º, al. h), CPC abrange apenas a situação em que a compensação é é obtida (ou provocada) no próprio processo executivo através dos embargos de executado. O caso em que o executado invoca uma compensação já declarada -- e que, portanto, já extinguiu a obrigação exequenda -- é abrangido pelo disposto no art. 729.º, al. g), CPC, dado que essa compensação é um facto extintivo desta obrigação.

O mesmo art. 729.º, al. h), CPC não exige nem que o contracrédito seja provado através de documento, nem que esse contracrédito seja superveniente ao encerramento da discussão em 1.ª instância Esta solução legal -- cuja correcção se presume (cf. art. 9.º, n.º 3, CC) -- é perfeitamente justificável. A não exigência da prova documental destina-se a facilitar a obtenção da compensação no processo executivo e a não exigência da superveniência do contracrédito é harmónica com a circunstância de a compensação operar ex reconventionis (cf. art. 266.º, n.º 2, al. c), CPC) e, portanto, sem que a omissão da alegação desse contracrédito no anterior processo declarativo possa produzir um efeito preclusivo. 

MTS