"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



23/02/2017

Jurisprudência (562)


Investigação da paternidade; caducidade;
prova; dever de colaboração da parte; inversão do ónus da prova


I. O sumário de RG 20/10/2016 (737/13.4TBMDL.G1) é o seguinte:
 
1. Não obstante o decurso do prazo geral de 10 anos previsto no nº1 do artigo 1817º do Código Civil, a acção de investigação de paternidade ainda pode ser proposta dentro dos 3 anos posteriores ao conhecimento dum dos enunciados fundamentos da al. b, do nº3 do artigo 1817º, cabendo-lhe a ele, demandante, o correspondente ónus de prova - excepto se o fundamento invocado for a cessação voluntária do tratamento, caso em que, nos termos do nº4, do aludido preceito legal, impende sobre o réu o ónus de demonstrar que a cessação dessa posse de estado ocorreu nos três anos anteriores à propositura da acção. 
 
2. Não se tendo feito prova de que o autor apenas teve conhecimento no verão de 2013 da circunstância justificativa da investigação e uma vez que a acção foi intentada quando estavam excedidos os 10 anos posteriores à maioridade do autor, procede a caducidade.
 
3. O despacho interlocutório que determinou a inversão do ónus de prova nos termos do artigo 344º, nº2, do Código Civil, não vincula o tribunal a quem cabe apreciar o mérito da causa. Esse despacho serve apenas de alerta/sanção ao réu por mor do seu comportamento de falta de colaboração, valorando-a no momento da decisão da matéria de facto.
 
II. Para uma melhor compreensão do sumariado no n.º 3 importa ter presente a seguinte parte da fundamentação do acórdão:
 
"O tribunal [a quo] considerou mais censurável a falta de colaboração por parte do réu, determinado por despacho a inversão do ónus da prova nos termos do artº 344º, nº2, do Código Civil, depois de ter notificado o réu com essa cominação, mas os factos justificam uma igual repartição de culpas:

- Notificado o autor para comparecer no IML, a fim de serem colhidas amostras biológicas ao mesmo, para possibilitar realização de exame pericial ao ADN, o mesmo, em 08/06/2014, juntou aos autos atestado médico, justificando a sua não comparência [...];

- Notificado o autor para comparecer no IML, a fim de serem colhidas amostras biológicas ao mesmo, para possibilitar realização de exame pericial ao ADN, o mesmo, em 06/08/2014, não compareceu, nem justificou a falta de comparência [...].

- Notificado o autor para comparecer no IML, a fim de serem colhidas amostras biológicas ao mesmo, para possibilitar realização de exame pericial ao ADN, o mesmo, em 13/11/2014, não compareceu, nem justificou a falta de comparência [...].

-Notificado o autor para comparecer no IML, a fim de serem colhidas amostras biológicas ao mesmo, para possibilitar realização de exame pericial ao ADN, o mesmo, em 05/03/2015, não compareceu, nem justificou a falta de comparência [...].

-Notificado o autor para comparecer no IML, a fim de serem colhidas amostras biológicas ao mesmo, para possibilitar realização de exame pericial ao ADN, o mesmo, em 14/05/2015, não compareceu, nem justificou a falta de comparência [...].

- Em 22/09/2014, foi proferido despacho a instar o réu a efectuar o exame, sob pena de, não o fazendo, ser condenado em multa por falta de colaboração com o tribunal, nos termos do disposto no art. 417.º, n.º2, do CPC [...];

- Em 10/09/2014, o réu juntou aos autos requerimento com o teor de fls. 99 e 100, dando conta de que não efectuaria o exame em causa.

- Em 23/10/2014, foi proferido despacho a instar o réu a efectuar o exame, sob pena de, não o fazendo, ser condenado em multa por falta de colaboração com o tribunal, nos termos do disposto no art. 417.º, n.º2, do CPC [...].

- Em 25/11/2014, foi proferido despacho a condenar o réu em multa….nos termos do disposto no art. 417.º, n.º2, do CPC, e…. instado a efectuar o exame, sob pena de, não o fazendo, ser condenado em multa mais gravosa, por falta de colaboração com o tribunal, nos termos do disposto no art. 417.º, n.º2, do CPC [...]. Em 03/12/2014, o réu reiterou que “não se sente motivado” para efectuar o exame [...].

- Em 26/01/2015, foi proferido despacho a condenar o réu em multa, que se fixou em 3 UC, por falta de colaboração com o tribunal, nos termos do disposto no art. 417.º, n.º2, do CPC, tendo no mesmo despacho, sido instado a efectuar o exame, sob pena de, não o fazendo, ser condenado em multa mais gravosa, por falta de colaboração com o tribunal, nos termos do disposto no art. 417.º, n.º2, do CPC [...].

Em 24/03/2015, foi proferido despacho a instar o réu a efectuar o exame, sob pena de, não o fazendo, operar a inversão do ónus da prova nos termos do disposto no art. 344.º, n.º2 do Código Civil [...].
 
III. [Comentário] A bem dizer, é inútil tudo o que se diz no acórdão sobre o valor do despacho interlocutório relativo à inversão do ónus da prova decorrente da falta de colaboração da parte (proferido nos termos do art. 344.º, n.º 2, CC), dado que a excepção peremptória de caducidade é suficiente para obstar à procedência da acção de investigação da paternidade (cf. art. 576.º, n.º 3, CPC) e prejudica a apreciação de qualquer outra questão.
 
Em todo o caso, o decidido no acórdão sobre essa matéria permite concluir que, como não podia deixar de ser, um despacho interlocutório que determine a inversão do ónus da prova por falta de colaboração da parte pode ser impugnado perante o tribunal de recurso. Nesta perspectiva, o problema não é tanto o da não vinculação do tribunal que vai apreciar o mérito da causa a esse despacho, mas antes o de o tribunal de recurso poder controlar se há uma falta de colaboração da parte que justifique aquela inversão.
 
Aliás, foi isso que a RG fez, como resulta do seguinte trecho que consta da fundamentação do acórdão:
 
"Já referimos que a culpa do inêxito do apuramento da verdade biológica mediante a realização de exames periciais se deve aos comportamentos do autor e do réu, e se culpa existe ela deve ser repartida, e também não temos como legalmente admissível considerar outras presunções de paternidade além das elencadas no artigo 1871º do Código Civil, em que se traduziria o decretamento da inversão do ónus da prova nos termos do artigo 344º, nº 2, do Código Civil."

MTS