1. O art. 25.º, n.º 1, § 1.º, Reg. 1215/2012 regula os pactos de jurisdição, estabelecendo o seguinte:
Se as partes, independentemente do seu domicílio, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado-Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência, a menos que o pacto seja, nos termos da lei desse Estado-Membro, substantivamente nulo.
Conforme resulta do preceito, o seu âmbito de aplicação restringe-se aos pactos atributivos, ou seja, aos pactos que atribuem competência aos tribunais de um Estado membro. Coloca-se, assim, a questão de saber qual é o regime que é aplicável aos pactos privativos (ou derrogatórios) de jurisdição, ou seja, aos pactos que retiram competência aos tribunais de um Estado membro.
Procurando ser mais preciso, há que ter presente que, se o pacto retirar competência aos tribunais de um Estado membro e a atribuir aos tribunais de um outro Estado membro, o art. 25.º Reg. 1215/2012 ainda é susceptível de ser aplicado, dado que, para além do efeito derrogatório do pacto, se trata de um pacto que atribui competência aos tribunais de um Estado membro (pacto derrogatório e atributivo "intra-europeu"). Isto significa que a situação mais discutível é aquela em que as partes retiram competência aos tribunais de um Estado membro e a atribuem aos tribunais de um Estado terceiro (pacto derrogatório "intra-europeu" e atributivo "extra-europeu"). É fundamentalmente a esta a questão que se vai dar atenção de seguida.
Procurando ser mais preciso, há que ter presente que, se o pacto retirar competência aos tribunais de um Estado membro e a atribuir aos tribunais de um outro Estado membro, o art. 25.º Reg. 1215/2012 ainda é susceptível de ser aplicado, dado que, para além do efeito derrogatório do pacto, se trata de um pacto que atribui competência aos tribunais de um Estado membro (pacto derrogatório e atributivo "intra-europeu"). Isto significa que a situação mais discutível é aquela em que as partes retiram competência aos tribunais de um Estado membro e a atribuem aos tribunais de um Estado terceiro (pacto derrogatório "intra-europeu" e atributivo "extra-europeu"). É fundamentalmente a esta a questão que se vai dar atenção de seguida.
2. a) A resposta que tem sido dada para o problema em discussão é a seguinte: o 25.º Reg. 1215/2012 não é aplicável quando seja designado pelas partes um tribunal de um Estado não membro (cf. Schlosser/Hess, EuGVVO (2015), Art. 25 EuGVVO 4; Garcimartin, in Dickinson/Lein/James (Eds.), The Brussels I Regulation Recast (2015), 9.13; Rauscher/Mankowski, EuZPR/EuIPR (2016), Art 25 Brüssel Ia-VO 13). O efeito derrogatório (da competência dos tribunais de um Estado-membro) é apreciado pela lex fori do tribunal no qual a acção venha a ser proposta (que pode ser o tribunal designado ou um outro tribunal) (cf. Schlosser/Hess, EuGVVO (2015), Art. 25 EuGVVO 4; Garcimartin, in Dickinson/Lein/James (Eds.), The Brussels I Regulation Recast (2015), 9.13). Apenas se acrescenta que, também nesse pacto atributivo "extra-europeu", há que respeitar as limitações impostas pelos art. 15.º, 19.º e 23.º Reg. 1215/2012 aos pactos de jurisdição celebrados em matéria de seguros, de consumo e de trabalho, com o argumento de que não pode ser mais fácil retirar competência a um tribunal de um Estado membro e atribui-la a um tribunal de um outro Estado membro do que retirar competência a um tribunal de um Estado membro e atribuí-la a um tribunal de um Estado não membro (Rauscher/Mankowski, EuZPR/EuIPR (2016), Art 25 Brüssel Ia-VO 14).
No mesmo sentido é a jurisprudência do TJ. Ainda com referência ao art. 17.º CBrux, TJ 9/11/2000 (C-387/98) decidiu que esse preceito só se aplica se "as partes tiverem convencionado submeter os seus litígios a um tribunal ou a tribunais de um Estado contratante".
b) Um ponto muito importante a salientar neste contexto é o de que o regime que decorre do estabelecido no Reg. 1215/2012 tem de ser visto em conjugação com o disposto na CElForo, que a UE entretanto ratificou e que se encontra em vigor desde 1/10/2015 (cf. Av. 105/2016, de 10/10). A CElForo é aplicável aos pactos que atribuem uma competência exclusiva ao tribunal designado (cf. art. 1.º, n.º 1, CElForo; sobre a possibilidade de aplicação da CElForo a pactos que atribuem uma competência concorrente ao tribunal designado, cf. art. 22.º CElForo). Portanto, a circunstância de o Reg. 1215/2012 não ser aplicável aos pactos atributivos "extra-europeus" não cria, na óptica da UE, nenhuma lacuna, atendendo ao seguinte:
-- Se o pacto atribuir uma competência exclusiva aos tribunais de um Estado terceiro, esse pacto é regulado, na generalidade das situações e mesmo nos Estados membros do Reg. 1215/2012 (que também são Estados Contratantes da CElForo), pela CElForo; segundo o estabelecido no art. 6.º CElForo, o tribunal de um Estado Contratante (que pode ser também um Estado membro do Reg. 1215/2012) que não seja o tribunal eleito deve suspender ou declarar-se incompetente para apreciar um processo a que seja aplicável um acordo exclusivo de eleição do foro, salvo se, entre outras circunstâncias, o acordo for nulo nos termos do direito do Estado do tribunal eleito (e não -- note-se -- segundo a lex fori);
-- Se o pacto atribuir somente uma competência concorrente aos tribunais de um Estado terceiro, a CElForo não é, em princípio, aplicável e os tribunais competentes nos termos do Reg. 1215/2012 continuam a ser competentes, como se o pacto nunca tivesse sido celebrado.
c) Para melhor se compreender a delimitação recíproca do âmbito de aplicação do Reg. 1215/2012 e da CElForo, importa considerar o disposto no art. 26.º, n.º 6, CElForo. Este preceito estabelece, na versão portuguesa o seguinte:
-- quando (i) ambas as partes tiverem residência num Estado membro do Reg. 1215/2012; ou
-- quando (ii) uma das partes tiver residência num Estado membro e a outra parte tiver residência num Estado terceiro que não seja um Estado Contratante da CElForo; ou ainda
-- quando (iii) ambas as partes tiverem residência num Estado terceiro ou em Estados terceiros que não sejam Estados contratantes da CElForo; e
-- desde que (iv) o tribunal designado pelas partes pertença a um dos Estados membros do Reg. 1215/2012 (cf. os exemplos fornecidos por Hartley/Dogauchi, Rapport explicatif, n.º 301 ss.; cf. também Garcimartin, in Dickinson/Lein/James (Eds.), The Brussels I Regulation Recast, 9.24).
Sendo assim, pode concluir-se o seguinte:
-- A CElForo prevalece sobre o Reg. 1215/2012 sempre que, pelo menos, uma das partes que celebraram o pacto atributivo "intra-europeu" tenha residência num Estado terceiro que seja um Estado Contratante da CElForo;
-- Os pactos atributivos "extra-europeus" são regulados exclusivamente, nos Estados Contratantes da CElForo (incluindo os Estados membros do Reg. 1215/2012), pela CElForo (e, designadamente, pelo disposto nos seus art. 5.º, quando a acção seja proposta no tribunal escolhido, e 6.º, quando a acção seja instaurada num outro tribunal).
3. a) Se, apesar da celebração de um pacto atributivo "extra-europeu", for proposta por uma das partes uma acção num Estado membro (como, por exemplo, uma acção de anulação do negócio substantivo), a parte demandada não está impedida de invocar aquele pacto de jurisdição. O que sucede é que a validade do pacto é apreciada nos seguintes termos:
-- Se o Estado do tribunal designado pelas partes for um Estado Contratante da CElForo, a validade do pacto é analisada pelo que se dispõe no art. 6.º CElForo e, portanto, pela lei do tribunal escolhido;
-- Se o Estado do tribunal escolhido pelas partes não for um Estado Contratante da CElForo, aquela validade é apreciada pela lex fori, isto é, pela lei do Estado no qual a acção tenha sido proposta, pelo que continua a ser aplicável o que foi decidido em TJ 9/11/2000 (C-387/98) (cf., ainda no âmbito do Reg. 44/2001 e ainda sem poder considerar a CElForo, Kruger, Civil jurisdiction rules of the European Union and their impact on third States (Diss. Leuven 2005), 187 ss. (edição posterior OUP 2008)).
b) Um ponto muito importante a salientar neste contexto é o de que o regime que decorre do estabelecido no Reg. 1215/2012 tem de ser visto em conjugação com o disposto na CElForo, que a UE entretanto ratificou e que se encontra em vigor desde 1/10/2015 (cf. Av. 105/2016, de 10/10). A CElForo é aplicável aos pactos que atribuem uma competência exclusiva ao tribunal designado (cf. art. 1.º, n.º 1, CElForo; sobre a possibilidade de aplicação da CElForo a pactos que atribuem uma competência concorrente ao tribunal designado, cf. art. 22.º CElForo). Portanto, a circunstância de o Reg. 1215/2012 não ser aplicável aos pactos atributivos "extra-europeus" não cria, na óptica da UE, nenhuma lacuna, atendendo ao seguinte:
-- Se o pacto atribuir uma competência exclusiva aos tribunais de um Estado terceiro, esse pacto é regulado, na generalidade das situações e mesmo nos Estados membros do Reg. 1215/2012 (que também são Estados Contratantes da CElForo), pela CElForo; segundo o estabelecido no art. 6.º CElForo, o tribunal de um Estado Contratante (que pode ser também um Estado membro do Reg. 1215/2012) que não seja o tribunal eleito deve suspender ou declarar-se incompetente para apreciar um processo a que seja aplicável um acordo exclusivo de eleição do foro, salvo se, entre outras circunstâncias, o acordo for nulo nos termos do direito do Estado do tribunal eleito (e não -- note-se -- segundo a lex fori);
-- Se o pacto atribuir somente uma competência concorrente aos tribunais de um Estado terceiro, a CElForo não é, em princípio, aplicável e os tribunais competentes nos termos do Reg. 1215/2012 continuam a ser competentes, como se o pacto nunca tivesse sido celebrado.
c) Para melhor se compreender a delimitação recíproca do âmbito de aplicação do Reg. 1215/2012 e da CElForo, importa considerar o disposto no art. 26.º, n.º 6, CElForo. Este preceito estabelece, na versão portuguesa o seguinte:
A presente Convenção não afecta a aplicação das regras de uma organização regional de integração económica que seja Parte na mesma, quer tenham sido adoptadas antes ou depois da Convenção:
a) quando nenhuma das partes residir num Estado Contratante que não seja um Estado membro da organização regional de integração económica;
b) no que diz respeito ao reconhecimento ou à execução de sentenças entre Estados membros da organização regional de integração económica.
Ao contrário do que se poderia imaginar, nem sempre o Reg. 1215/2012 prevalece sobre a CElForo. Da al. a) do art. 26.º, n.º 6, CElForo resulta que a aplicação do Reg. 1215/2012 em detrimento da aplicação da CElForo apenas se verifica quando nenhuma das partes que tenha celebrado o pacto tenha residência num Estado Contratante que não seja um Estado membro do Reg. 1215/2015 (cf. Hartley/Dogauchi, [Convention du 30 juin 2005 sur ler accords d'élection de for /] Rapport explicatif (2005), n.º 291 ss.). Portanto, tendo presente que todos os Estados membros do Reg. 1215/2012 são também Estados Contratantes da CElForo, o Reg. 1215/2012 apenas prevalece sobre a CElForo:
a) quando nenhuma das partes residir num Estado Contratante que não seja um Estado membro da organização regional de integração económica;
b) no que diz respeito ao reconhecimento ou à execução de sentenças entre Estados membros da organização regional de integração económica.
Ao contrário do que se poderia imaginar, nem sempre o Reg. 1215/2012 prevalece sobre a CElForo. Da al. a) do art. 26.º, n.º 6, CElForo resulta que a aplicação do Reg. 1215/2012 em detrimento da aplicação da CElForo apenas se verifica quando nenhuma das partes que tenha celebrado o pacto tenha residência num Estado Contratante que não seja um Estado membro do Reg. 1215/2015 (cf. Hartley/Dogauchi, [Convention du 30 juin 2005 sur ler accords d'élection de for /] Rapport explicatif (2005), n.º 291 ss.). Portanto, tendo presente que todos os Estados membros do Reg. 1215/2012 são também Estados Contratantes da CElForo, o Reg. 1215/2012 apenas prevalece sobre a CElForo:
-- quando (i) ambas as partes tiverem residência num Estado membro do Reg. 1215/2012; ou
-- quando (ii) uma das partes tiver residência num Estado membro e a outra parte tiver residência num Estado terceiro que não seja um Estado Contratante da CElForo; ou ainda
-- quando (iii) ambas as partes tiverem residência num Estado terceiro ou em Estados terceiros que não sejam Estados contratantes da CElForo; e
-- desde que (iv) o tribunal designado pelas partes pertença a um dos Estados membros do Reg. 1215/2012 (cf. os exemplos fornecidos por Hartley/Dogauchi, Rapport explicatif, n.º 301 ss.; cf. também Garcimartin, in Dickinson/Lein/James (Eds.), The Brussels I Regulation Recast, 9.24).
Sendo assim, pode concluir-se o seguinte:
-- A CElForo prevalece sobre o Reg. 1215/2012 sempre que, pelo menos, uma das partes que celebraram o pacto atributivo "intra-europeu" tenha residência num Estado terceiro que seja um Estado Contratante da CElForo;
-- Os pactos atributivos "extra-europeus" são regulados exclusivamente, nos Estados Contratantes da CElForo (incluindo os Estados membros do Reg. 1215/2012), pela CElForo (e, designadamente, pelo disposto nos seus art. 5.º, quando a acção seja proposta no tribunal escolhido, e 6.º, quando a acção seja instaurada num outro tribunal).
3. a) Se, apesar da celebração de um pacto atributivo "extra-europeu", for proposta por uma das partes uma acção num Estado membro (como, por exemplo, uma acção de anulação do negócio substantivo), a parte demandada não está impedida de invocar aquele pacto de jurisdição. O que sucede é que a validade do pacto é apreciada nos seguintes termos:
-- Se o Estado do tribunal designado pelas partes for um Estado Contratante da CElForo, a validade do pacto é analisada pelo que se dispõe no art. 6.º CElForo e, portanto, pela lei do tribunal escolhido;
-- Se o Estado do tribunal escolhido pelas partes não for um Estado Contratante da CElForo, aquela validade é apreciada pela lex fori, isto é, pela lei do Estado no qual a acção tenha sido proposta, pelo que continua a ser aplicável o que foi decidido em TJ 9/11/2000 (C-387/98) (cf., ainda no âmbito do Reg. 44/2001 e ainda sem poder considerar a CElForo, Kruger, Civil jurisdiction rules of the European Union and their impact on third States (Diss. Leuven 2005), 187 ss. (edição posterior OUP 2008)).
Estas soluções são, aliás, bastante realistas e totalmente conformes às práticas do comércio internacional. Se, por exemplo, um banco alemão receber um empréstimo de um banco norte-americano, o local do cumprimento for a Alemanha e as partes tiverem atribuído competência aos tribunais norte-americanos, não é razoável pensar que o banco norte-americano tem de aceitar a competência dos tribunais alemães para a acção (segundo o direito interno alemão, dado que, como o demandado não tem sede num Estado membro, o Reg. 1215/2012 não se aplica); o banco norte-americano pode naturalmente invocar o pacto privativo "extra-europeu" e contestar a competência dos tribunais alemães.
b) As mesmas soluções valem para a hipótese em que ambas as partes do pacto privativo de jurisdição têm domicílio num Estado membro e em que, apesar disso, atribuem competência aos tribunais de um Estado terceiro (por exemplo, aos tribunais de Nova Iorque). Se este Estado terceiro for um Estado Contratante da CElForo e se a acção for proposta nos tribunais de um Estado membro do Reg. 121572012 (com base no critério do domicílio do demandado (art. 6.º, n.º 1, Reg. 1215/2012)), este demandado não pode deixar de poder alegar nos tribunais desse Estado a celebração daquele pacto atributivo "extra-europeu" e de pedir a aplicação do disposto no art. 6.º CElForo. Qualquer outra solução tornaria a celebração do pacto atributivo "extra-europeu" pelo menos parcialmente irrelevante: se, apesar da celebração desse pacto, a competência nos Estados membros continuasse a ser aferida em função do Reg. 1215/2012, permaneceria sempre, para além da competência do tribunal designado, uma competência concorrente dos tribunais dos Estados membros.
Dito de outra forma: o entendimento de que o art. 25.º Reg. 1215/2012, porque só regula os pactos atributivos "intra-europeus", não admite os pactos atributivos "extra-europeus" teria como consequência que as partes nunca poderiam atribuir uma competência exclusiva aos tribunais de um Estado terceiro. Isto transformaria em indisponível para as partes toda e qualquer competência dos tribunais de um Estado membro que resulte do Reg. 1215/2012.
É claro, no entanto, que não é isso que resulta do disposto na CElForo, dado que este instrumento internacional é aplicável aos pactos de jurisdição que atribuem uma competência exclusiva aos tribunais designados (art. 1.º, n.º 1, CElForo), ainda que o pacto seja um pacto atributivo "extra-europeu". Portanto, é indiscutível que as partes podem derrogar a generalidade das competências decorrentes do Reg. 1215/2014 (tendo presentes, naturalmente, as restrições impostas pelo art. 25.º, n.º 4, Reg. 1215/2012).
4. Com a consideração da CElForo, supõe-se que fica claramente demonstrado que, da circunstância de o art. 25.º Reg. 1215/2012 só se referir aos pactos atributivos "intra-europeus", não resulta que, na perspectiva da UE, qualquer pacto atributivo "extra-europeu" seja insusceptível de afastar a competência atribuída pelo Reg. 1215/2012 aos tribunais dos Estados membros. Aliás, qualquer outra solução seria contrária às práticas correntes do comércio internacional.
MTS