"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



10/12/2018

Jurisprudência 2018 (132)


Poder jurisdicional;
esgotamento


1. O sumário de RL 5/7/2018 (1308/14.3TYLSB.L1-2) é o seguinte:

I. O n.º 1 do art.º 613.º do CPC estipula que “proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.” Princípio esse que é extensível, com as necessárias adaptações, aos despachos (n.º 3 do art.º 613.º).

II. O juiz não pode, sem ocorrência de qualquer facto superveniente que o justifique, após se ter pronunciado sobre a questão da inutilidade superveniente da lide quanto à pretensão de exclusão do R. da sociedade A., alegadamente adveniente da alegada cessão dessa quota a terceiro e da declaração de insolvência do R., ocasião em que decidiu prosseguir a ação, proferir nova decisão, desta feita em sentido contrário, declarando a anteriormente rejeitada inutilidade superveniente da lide.

2. Na fundamentação escreveu-se o seguinte:

"O n.º 1 do art.º 613.º do CPC estipula que “proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.” Princípio esse que é extensível, com as necessárias adaptações, aos despachos (n.º 3 do art.º 613.º).

O Professor Alberto dos Reis apontava duas razões para este princípio: uma doutrinal e outra pragmática.

A razão doutrinal decorria do facto de o poder jurisdicional existir tão só para o juiz cumprir o dever jurisdicional. Cumprido este, extingue-se ou esgota-se aquele (Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra Editora, p. 127).

A razão pragmática “consiste na necessidade de assegurar a estabilidade da decisão jurisdicional. Que o tribunal superior possa, por via de recurso, alterar ou revogar a sentença ou despacho, é perfeitamente compreensível; que seja lícito ao próprio juiz reconsiderar e dar o dito por não dito, é de todo em todo intolerável, sob pena de se criar a desordem, a incerteza, a confusão.” (idem, p. 127).

O que não obsta à retificação de erros materiais, nos termos do art.º 614.º, ou, caso não haja lugar a recurso, à reforma da decisão, a requerimento da parte, nos termos previstos no art.º 616.º do CPC.

In casu, não se verificava uma situação de erro material, nem foi peticionada a reforma da decisão (cujos pressupostos, de resto, também não se verificavam).

O que sucedeu foi que, sem ocorrência de qualquer facto superveniente que o justificasse, o Sr. juiz a quo, decorrido quase um ano após se ter pronunciado sobre a questão da inutilidade superveniente da lide quanto à pretensão de exclusão do R. da sociedade A., decorrente da alegada cessão dessa quota a terceiro e da declaração de insolvência do R., ocasião em que decidiu prosseguir a ação, proferiu nova decisão, desta feita em sentido contrário.

Isto é, deu o dito por não dito, sem ter poder para tal, face ao disposto no n.º 1 do art.º 613.º do CPC.

O que consubstancia, ao fim e ao cabo, a nulidade prevista na parte final da al. d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC.

Sendo certo que é a primeira decisão que deve prevalecer (n.º 2 do art.º 625.º do CPC)."

[MTS]