"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



12/12/2018

Jurisprudência 2018 (134)


PEAP


1. O sumário de RP 11/7/2018 (2408/17.3T8STS.P1) é o seguinte:

I - O processo especial para acordo de pagamento - PEAP - destina-se a permitir ao devedor, que não sendo uma empresa e comprovadamente se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordo de pagamento.

II - Quanto às negociações e aprovação do acordo de pagamento, seguiu o artigo 222º-F o regime do anterior PER de apresentação e aprovação do acordo de pagamento dentro do prazo das negociações.

III - Do cotejo do nº 1 deste artigo 222º-F com o nº 1 do artigo 17º F na sua redação inicial se conclui pela sua total similitude, apenas com a substituição do “plano de recuperação conducente à revitalização do devedor” por “acordo de pagamento”.

IV - Do nº 2 deste artigo 222º F resulta claro que à semelhança do que ocorria no nº 2 do artigo 17º F (redação inicial), está prevista a possibilidade de aprovação do acordo de pagamento com a conclusão das negociações, sem a prevista unanimidade do nº 1. 

V - Sendo pressuposto da remessa a tribunal do acordo de pagamento (e não plano, conforme consta na letra da lei do segundo segmento deste nº 2 em análise) a prévia sujeição do mesmo a votação, resulta a nosso ver incompreensível e contrário à lógica do regime definido, a menção (no caso de votação sem unanimidade) à publicação do acordo de pagamento (e não plano) para votação no prazo de 10 dias a contar de tal publicação, bem como a possibilidade de em tal prazo poder qualquer interessado solicitar a não homologação desse mesmo acordo de pagamento nos termos e para efeitos do artigo 215º e 216º. Pois que o acordo de pagamento já foi votado. 

Havendo apenas, após observância do nº 3 do artigo 222º-F que proceder à sua homologação ou recusar a mesma, nos termos previstos no nº 5 deste mesmo artigo.

VI - Assim entende-se necessária uma interpretação ab-rogante deste artigo 222ºF nº 2 ao abrigo do artigo 9º do CC, por forma a conferir coerência ao regime instituído no PEAP, nomeadamente no que respeita à votação do acordo do pagamento que sempre ocorrerá em momento prévio à sua remessa a tribunal. Implicando que após a remessa cabe apenas ao tribunal verificar os pressupostos de que depende a sua homologação ou recusar a mesma. 

VII - Não há lugar à apresentação em tribunal da versão final do acordo que será sujeito a votação findas as negociações, nem a publicação deste mesmo acordo com vista a definir o início de prazo para votação, tal como previsto no atual artigo 17º-F nºs 1 a 3 para o PER.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"[...] o PEAP é um processo especial para acordo de pagamento destinado a permitir ao devedor, que não sendo uma empresa [...] e comprovadamente se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordo de pagamento.
 
Beneficiando para o efeito do regime jurídico introduzido no CIRE através do DL 79/2017 de 30/06 e regulado nos artigos 222º-A a 222º-J.
 
Na verdade este PEAP resulta da restrição (introduzida pelo mesmo DL 79/2017) do Processo Especial de Revitalização (PER) aprovado pela Lei 16/2012 às empresas, com a consequente autonomização do regime aplicável, no que ora releva, às pessoas singulares. Pondo assim fim à controvérsia jurisprudencial e doutrinal sobre a aplicação do PER (na redação inicial) às pessoas singulares não titulares de empresas.
 
Do confronto entre estes dois processos especiais evidencia-se, desde logo, o facto de o PEAP não pressupor a recuperação do devedor, ao contrário do que acontece no PER, o que se compreende atento o facto de os seus destinatários não serem empresas cuja continuidade depende da possibilidade de economicamente serem recuperáveis. 
 
Assim, no PEAP define-se como objeto do mesmo o estabelecimento de negociações com vista a concluir um acordo de pagamento com os credores (222º-A nº 1).
 
Ao invés, no PER, declara-se ser fim do mesmo permitir à empresa que se encontre em situação economicamente difícil ou em situação de insolvência meramente eminente mas “ainda suscetível de recuperação” estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com eles acordo conducente à sua revitalização [...].
 
Existindo diferenças de regime estabelecidas entre o atual PER e o PEAP, no confronto entre este último e o regime inicial do PER constata-se corresponder o primeiro (PEAP), na sua quase totalidade, a um decalque das normas daquele inicial PER. Menção que releva, pelos motivos que infra explicitaremos para a interpretação do artigo 222º F convocado pelo recorrente.
 
No PER, no regime anterior ao DL 79/2017 dispunha o artigo 17º F [este em concreto tendo merecido uma nova redação introduzida pelo DL 26/2015 de 06/02 em alteração à redação inicial introduzida pelo DL 16/2012] sob a epígrafe “Conclusão das negociações com a aprovação do plano de recuperação conducente à revitalização do devedor”:
 
“1 - Concluindo-se as negociações com a aprovação unânime de plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, em que intervenham todos os seus credores, este deve ser assinado por todos, sendo de imediato remetido ao processo, para homologação ou recusa da mesma pelo juiz, acompanhado da documentação que comprova a sua aprovação, atestada pelo administrador judicial provisório nomeado, produzindo tal plano de recuperação, em caso de homologação, de imediato, os seus efeitos. 
 
2 - Concluindo-se as negociações com a aprovação de plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, sem observância do disposto no número anterior, o devedor remete o plano de recuperação aprovado ao tribunal. 
 
3 - Sem prejuízo de o juiz poder computar no cálculo das maiorias os créditos que tenham sido impugnados se entender que há probabilidade séria de estes serem reconhecidos, considera-se aprovado o plano de recuperação que: 
 
a) Sendo votado por credores cujos créditos representem, pelo menos, um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os n.ºs 3 e 4 do artigo 17.º-D, recolha o voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos corresponda a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções; ou 
 
b) Recolha o voto favorável de credores cujos créditos representem mais de metade da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto, calculados de harmonia com o disposto na alínea anterior, e mais de metade destes votos corresponda a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções. 
 
4 - A votação efetua-se por escrito, aplicando-se-lhe o disposto no artigo 211.º com as necessárias adaptações e sendo os votos remetidos ao administrador judicial provisório, que os abre em conjunto com o devedor e elabora um documento com o resultado da votação. 
 
5 - O juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação, nos 10 dias seguintes à receção da documentação mencionada nos números anteriores, aplicando, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título ix, em especial o disposto nos artigos 215.º e 216.º (…)”.
 
Ou seja, deste artigo resultava que a aprovação do plano – por unanimidade (nº 1) ou por maioria (nºs 2 e 3) – embora não tivesse prazo definido para o início da votação, tinha de decorrer dentro do prazo das negociações, sendo pelo AJP remetido a tribunal dentro de tal prazo o plano aprovado. 
 
Diversamente, na atual redação do artigo 17º F é definido que até ao último dia do prazo das negociações a empresa deposita no tribunal a versão final do plano de revitalização (nº 1 deste artigo).
 
Publicada esta versão, pode a mesma ser sujeita a alterações nos termos previstos no nº 2, sendo oportunamente efetuada publicação sobre a apresentação ou não de novo plano.
 
Correndo desde esta publicação, prazo para a votação do plano – vide nº 3 deste artigo 17ºF o qual dispõe: “3 - Findo o prazo previsto no número anterior é publicado no portal Citius anúncio advertindo da junção ou não junção de nova versão do plano, correndo desde a publicação referida o prazo de votação de 10 dias, no decurso do qual qualquer interessado pode solicitar a não homologação do plano, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 215.º e 216.º, com as devidas adaptações.”
 
Assim nesta nova versão do PER, distinguiu o legislador duas fases autónomas, uma primeira para a apresentação do plano proposto.
 
Uma segunda fase para a sua votação – com prazo de dez dias e com data de início definida por referência à publicação do plano “definitivo”.
 
Analisando agora o regime do PEAP a que se reportam os artigos 222º-A e segs. já supra referenciados, verifica-se no cotejo com a inicial redação do PER uma grande similitude.
 
No que releva e quanto às negociações e aprovação do acordo de pagamento, seguiu o artigo 222º-F o regime do anterior PER, de apresentação e aprovação do “acordo de pagamento” dentro do prazo das negociações (denominado no PER na redação inicial como “plano de recuperação”).
 
Assim o define de forma clara o nº 1 deste artigo 222º-F para as situações em que existe aprovação unânime do plano, cuja redação aqui se reproduz:
 
“1 - Concluindo-se as negociações com a aprovação unânime de acordo de pagamento, em que intervenham todos os seus credores, este deve ser assinado por todos, sendo de imediato remetido ao processo, para homologação ou recusa do mesmo pelo juiz, acompanhado da documentação que comprova a sua aprovação, atestada pelo administrador judicial provisório nomeado, produzindo tal acordo de pagamento, em caso de homologação, de imediato, os seus efeitos.”
 
Do cotejo do nº1 deste artigo 222º-F com o nº 1 do artigo 17º-F na sua redação inicial se concluindo pela sua total similitude, apenas com a substituição do “plano de recuperação conducente à revitalização do devedor” por “acordo de pagamento”.
 
Do nº 2 deste artigo 222º-F, resulta claro que à semelhança do que ocorria no nº 2 do artigo 17º-F (redação inicial), está prevista a possibilidade de aprovação do acordo de pagamento com a conclusão das negociações, sem a unanimidade mencionada no nº 1. 
 
Com efeito, assim dispõe a 1ª parte deste nº 2 “2 - Concluindo-se as negociações com a aprovação de acordo de pagamento, sem observância do disposto no número anterior, o devedor remete-o ao tribunal (…)”.
 
Temos assim e aliás como seguimento do nº 1, que a aprovação do acordo de pagamento há de ser sujeita a votação até ao fim do prazo das negociações, podendo em função de tal votação merecer aprovação por unanimidade (nº1) ou por maioria (nº 2, computada nos termos indicados no nº 3).
 
Não obstante, pode ler-se no segundo segmento deste nº 2 o seguinte:
 
“(…) sendo de imediato publicado anúncio no portal Citius advertindo da junção do plano e correndo desde a publicação o prazo de votação de 10 dias, no decurso do qual qualquer interessado pode solicitar a não homologação do plano, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 215.º e 216.º, com as devidas adaptações.”
 
Este segundo segmento é uma parcial transposição do regime previsto para o atual PER (nomeadamente do nº 3 do atual 17ºF já supra reproduzido), no qual e conforme já referido se cindiu a fase das negociações e remessa do plano a tribunal, da fase da votação e possibilidade inclusive de alteração ao plano inicialmente apresentado.
 
Ora, sendo pressuposto da remessa a tribunal do acordo de pagamento (e não plano, conforme consta na letra da lei deste segundo segmento em análise) a prévia sujeição do mesmo a votação, resulta a nosso ver incompreensível e contrário à lógica do regime definido, a menção (no caso de votação sem unanimidade) à publicação do acordo de pagamento (e não plano) para votação no prazo de 10 dias a contar de tal publicação, bem como a possibilidade de em tal prazo poder qualquer interessado solicitar a não homologação desse mesmo acordo de pagamento nos termos e para efeitos do artigo 215º e 216º. Pois que o acordo de pagamento já foi votado. 
 
Havendo apenas, após observância do nº 3 do artigo 222º-F que proceder à sua homologação ou recusar a mesma, nos termos previstos no nº 5 deste mesmo artigo.
 
Assim entende-se necessária uma interpretação ab-rogante [...] deste artigo 222º-F nº 2 ao abrigo do artigo 9º do CC, por forma a conferir coerência ao regime instituído no PEAP, nomeadamente no que respeita à votação do acordo do pagamento que sempre ocorrerá em momento prévio à sua remessa a tribunal. Implicando que após a remessa cabe apenas ao tribunal verificar os pressupostos de que depende a sua homologação ou recusar a mesma. 
 
Concorda-se, como tal, com Catarina Serra quando, in “Lições de Direito da Insolvência”, edição 2018 Almedina, p. 588, nota 906, afirma ser de interpretar este preceito à luz do anterior PER em que se não definia prazo para a votação, consequentemente à norma atribuindo apenas o sentido de com a conclusão das negociações e votação do acordo, restar ao tribunal proceder à sua homologação ou recusar a mesma [...]."
 
[MTS]