"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



19/12/2018

Jurisprudência 2018 (139)


Pluralidade de mandatários;
notificações


1. O sumário de RL 13/9/2018 (32033/17.2YIPRT.L1-1) é o seguinte:

No caso de pluralidade de mandatários e na ausência de expressa indicação em sentido diverso, a notificação dos actos processuais deve ser efectuada ao mandatário que praticou o acto que directamente determinou a prática do acto a comunicar.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"A falta de notificação ao mandatário judicial dos actos praticados no processo para que este possa assumir as suas competências e obrigações funcionais é geradora de nulidade porquanto é susceptível de influir (como os caso dos autos bem o demonstra) no exame e decisão da causa (art.º 195º do CPC) [...].

Enquanto nulidade deve ser arguida, não estando presente no acto (como é manifestamente o caso), nos 10 dias seguintes a ter intervindo no processo ou dela ter (ou dever ter) conhecimento.

Depois da notificação do despacho de aperfeiçoamento e até ao pedido de concessão de prazo para tal aperfeiçoamento por não ter sido ele o notificado [...], o mandatário J….. não praticou nem foi notificado de qualquer acto no processo. Nem se vislumbra a verificação de qualquer circunstancialismo de que se possa retirar que devia ter disso conhecimento (sendo a esse respeito irrelevante o facto, invocado pela Ré, da identidade de direcções dos diversos mandatários uma vez que actualmente as notificações são efectuadas por correio electrónico e os diversos advogados do mesmo escritório não terem acesso às contas de correio electrónico dos seus colegas). Pelo que a arguição da falta de notificação foi tempestiva.

E tendo sido arguida ficou o Mmº juiz a quo obrigado a pronunciar-se sobre a questão; pronúncia que, não tendo sido efectuada anteriormente, deveria ter sido levada a cabo na sentença recorrida (até para justificar a prolação da mesma sem a realização de audiência de julgamento).

A omissão de pronúncia sobre questões que deviam ser apreciadas constitui nulidade prevista no art.º 615, nº 1, al. d), do CPC, a ser invocada na alegação de recurso.

Entende-se, pois, que a Apelante, ao invocar que não foi apreciado o seu requerimento de 12SET2017 (conclusão 14ª) veio arguir a sentença de nula por omissão de pronúncia.

Omissão de pronúncia que, na sequência do que vem exposto, é evidente e como tal tem de ser reconhecida.

Não obstante a apontada nulidade, deverá este tribunal apreciar a questão, em função do disposto no art.º 665º do CPC, uma vez que estão acessíveis todos os elementos de facto relevantes, as partes já tiveram o ensejo de se pronunciar sobre a questão e, por se tratar de questão meramente processual, não se afigura a existência de relevante alteração ou restrição de direitos ou expectativas processuais (designadamente quanto ao duplo grau de jurisdição).

No caso dos autos tendo o substabelecimento sido com reserva (sendo que não se pode considerar tal menção como mero lapso uma vez que isso não resulta evidente do conteúdo ou do contexto do documento) significa que ambos os advogados – o que substabeleceu e o substabelecido – ficaram com poderes de representação da Autora.

Tendo a parte constituído diversos mandatários, a todos eles assistem poderes para representar essa parte pelo que não se levantam dúvidas de que qualquer deles pode agir em juízo em nome.

A questão que se levanta é a de saber se a mesma regra se deve aplicar quando se trata de comunicações do tribunal (e das outras partes) ao mandatário.

A esse propósito invoca a Apelada a jurisprudência do acórdão do STJ de 04DEZ2007 [processo 07B3967] segundo a qual “as notificações a fazer no processo poderão ser feitas a qualquer deles, nos respectivos escritórios”.

Haverá, no entanto, de considerar que tal afirmação é datada no tempo (foi proferida há mais de 10 anos), tendo entretanto ocorrido alterações muito significativas quer no modo como se exerce a advocacia (que passou de individualizada e em cooperação restrita a empresarial com protocolos estritos de divisão do trabalho e cooperação alargada) e como se desenvolve o processo (que deixou de ser em papel com comunicações por carta registada para passar a tramitação quer do processo quer das comunicações por via electrónica).

O mesmo acórdão do STJ reconhecia, aliás, que a regra acima enunciada não deveria ser seguida “se tiver sido escolhido domicílio específico para recebimento das notificações, situação em que as mesmas serão então dirigidas para esse domicílio”. Podendo, nessa perspectiva, entender-se que na actualidade em que as comunicações são efectuadas para o endereço de correio electrónico do mandatário esse endereço constitui a escolha de um domicílio específico.

Num processo que deve ser equitativo (art.º 20º, nº 4, da Constituição) em que todos, incluindo o tribunal, estão sujeitos aos princípios da cooperação e boa-fé (artigos 7º e 8º do CPC), que é tramitado de forma electrónica e em que as comunicações com os advogados, que exercem a sua actividade segundo padrões empresariais, são também efectuadas por transmissão electrónica de dados, afigura-se-nos não ser irrelevante a qual dos plúrimos advogados constituídos se notifica a prática de um acto processual. Pelo contrário tal pode redundar, como o caso dos autos é evidência, em sérias repercussões, e não pode ser deixado ao arbítrio do funcionário judicial ou, pior ainda, a um qualquer algoritmo do sistema informático.

Entendemos, por outro lado, que quando um advogado pratica actos processuais através do CITIUS, subscrevendo electronicamente essa peça processual, está de uma forma impressiva a especificar dever ser ele o destinatário das comunicações electrónicas consequenciais a esse acto. Especificação essa que, ademais, se nos afigura implícita em todo e qualquer acto praticado pelo mandatário judicial.

Pelo que temos como adequada, em face do contexto actual e do que vem dito, formular a regra de que, no caso de pluralidade de mandatários e na ausência de expressa indicação em sentido diverso, a notificação dos actos processuais deve ser efectuada ao mandatário que praticou o acto que directamente determinou a prática do acto a comunicar.

No caso concreto dos autos sempre foi o mandatário J….. que praticou os actos processuais da Autora (o mandatário M….. apenas interveio nos autos para renunciar ao mandato), designadamente o requerimento inicial, pelo que deveria ter sido ele o destinatário da comunicação do convite ao aperfeiçoamento. A ausência de tal comunicação constitui nulidade, determinante da anulação do subsequente processado. Sendo que não se evidencia nos autos qualquer circunstancialismo no relacionamento entre os dois advogados em causa donde se possa extrair, por apelo a critérios de diligência devida, um conhecimento ou cognoscibilidade do despacho judicial por parte do mandatário J….. com a virtualidade de sanar tal nulidade."

[MTS]