"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



21/12/2018

Jurisprudência 2018 (141)


Título executivo; sentença homologatória;
obrigação; constituição


1. O sumário de STJ 12/7/2018 (309/16.1T8OVR-B.P1.S1) é o seguinte:
 
I - Consistindo o título dado à execução numa sentença homologatória de um acordo de transacção do qual consta a obrigação dos aqui embargantes (ali réus) eliminarem, dentro de certo prazo, certos defeitos em imóvel, discriminados no próprio acordo, e tendo as partes convencionado também que, caso tal obrigação de eliminação dos defeitos não fosse cumprida, seriam os mesmos embargantes obrigados a indemnizar a aqui embargada (ali autora) no valor de € 30 000,00, o que está em causa é o próprio facto constitutivo da obrigação exequenda, isto é, o incumprimento da obrigação de eliminação dos defeitos do imóvel.

II - A ocorrência de tal situação de incumprimento do acordo de transacção não se encontra abrangida pelo âmbito de exequibilidade do título apresentado, tornando-o manifestamente insuficiente para a execução.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
 
«6. Consideremos, em termos gerais, a questão da exequibilidade como pressuposto da acção executiva, seguindo de perto a síntese de Manuel Tomé Gomes (Da Ação Executiva, apontamentos policopiados, 2018, págs. 92 e segs.):

“O título executivo expressa a exequibilidade extrínseca da obrigação, assumindo a natureza de um pressuposto processual específico da ação executiva.”

Entre os títulos executivos judiciais contam-se as sentenças condenatórias (art. 703º, nº 1, alínea a), do CPC), entendendo-se por “sentença condenatória relevante como título executivo aquela que condena o réu no cumprimento de uma obrigação patrimonial, ou seja, na realização de uma prestação que pode ser de pagamento de quantia em dinheiro, de entrega de uma coisa móvel ou imóvel ou de uma prestação de facto positivo ou negativo.”

“No que concerne às sentenças homologatórias, quando versem sobre transacção, confissão do pedido, partilha de bens ou divisão de coisa comum, elas relevam como título executivo em harmonia com o seu teor dispositivo, tudo dependendo dos efeitos jurídicos homologados. Aliás, a sentença homologatória de transacção e confissão do pedido contém uma condenação explícita em relação ao que foi acordado.”

“Por conseguinte, se as obrigações decorrentes da sentença homologatória forem para pagamento de quantia, para entrega de coisa certa ou para prestação de facto positivo ou negativo, equivalem, nessa medida, às sentenças condenatórias, sem prejuízo da disposição um pouco mais ampla a que estão sujeitas, para efeitos de oponibilidade, nos termos dos art. 729.º, alínea i), e 291.º do CPC.”

“O artigo 713.º do CPC exige que a obrigação exequenda seja certa, exigível e líquida, o que constitui uma trilogia de condições relativas à exequibilidade intrínseca da pretensão executiva.

A este propósito, convém precisar que, embora o título executivo pressuponha um grau de definição da obrigação exequenda, suportado nos requisitos que a lei impõe como condição para atribuir a exequibilidade extrínseca, em termos de acesso directo à via executiva, daí não decorre que a prestação exequenda, tal como se apresenta configurada no título, reúna, desde logo, os necessários requisitos de certeza, exigibilidade e liquidez.

Por isso mesmo é que se prevêem procedimentos preliminares com vista a tornar a obrigação exequenda certa, exigível e líquida, se o não for em face do título, nos termos dos artigos 713.º a 716.º do CPC.”

No que à exigibilidade diz respeito, tais procedimentos têm em vista as seguintes categorias de obrigações (em termos idênticos, ver também Lebre de Freitas, A acção executiva – Depois da reforma da reforma, 5ª ed., Coimbra Editora, 2009, págs. 82 e segs., e págs. 86 e segs.):

- “As obrigações condicionais que dependam da verificação de uma condição suspensiva (facto futuro e incerto), nos termos dos artigos 270.º e segs. do CC”;

- “As obrigações que dependam da prestação de um facto pelo devedor ou por terceiro, (v.g. as obrigações sinalagmáticas – art. 428.º do CC)”;

- “As obrigações puras, quando o respetivo vencimento dependa apenas de interpelação ou de o pagamento ser exigido no domicílio do devedor (art. 777.º, n.º 1, do CC)”;

- “As obrigações a prazo, cujo vencimento depende da verificação do decurso de um lapso de tempo (art. 805.º, n.º 2, al. a, do CC)”;

- “As obrigações dependentes de prazo a fixar pelo tribunal, nos termos previstos no artigo 777.º, n.º 2 e 3, do CC.”

Tendo presente estas considerações gerais, passa-se a apreciar o caso dos autos.

7. Na resolução da questão objecto de recurso, acompanha-se de perto a orientação seguida no supra indicado acórdão deste Supremo Tribunal de 30/04/2015, no qual a 1ª instância fundou a sua decisão.

Tendo presente que o título dado à execução consiste numa sentença homologatória de um acordo de transacção do qual consta a obrigação dos aqui embargantes (ali réus) eliminarem, dentro de certo prazo, certos defeitos em imóvel, discriminados no próprio acordo, tendo as partes convencionado também que, caso tal obrigação de eliminação dos defeitos não fosse cumprida, seriam os mesmos embargantes obrigados a indemnizar a aqui embargada (ali autora) no valor de € 30.000,00, o que está em causa é o próprio facto constitutivo da obrigação exequenda, isto é, o incumprimento da obrigação de eliminação dos defeitos do imóvel. Ora, a ocorrência da situação de incumprimento do acordo de transacção não se encontra abrangida pelo âmbito de exequibilidade do título apresentado, tornando-o manifestamente insuficiente para a execução.

As diligências previstas no art. 715º do CPC, destinadas a tornar exigível a obrigação exequenda, reportam-se a determinadas categorias de obrigações, enunciadas no número anterior do presente acórdão, mas não se destinam à prova de factos constitutivos da própria obrigação exequenda, como está em causa no caso dos autos.

Diga-se também que a prova do incumprimento da obrigação de eliminação dos defeitos, assumida pelos aqui embargantes na transacção homologada, traduz-se em factos ocorridos na fase de execução do acordo homologado, os quais são, portanto, posteriores à própria formação do título pelo que recai sobre a credora, aqui embargada, o ónus de provar tal incumprimento (cfr. art. 342º, nº 1, do CC).

Assim sendo, a alegada situação de incumprimento, fundamento da obrigação de indemnização peticionada, não se encontra abrangida pelo caso julgado da sentença homologatória dada à execução, o que impede que se possa extrair dessa sentença uma condenação implícita dos ali devedores (aqui executados embargantes).

Não estando, pois, certificada a obrigação exequenda no título dado à execução, conclui-se pela sua inexequibilidade, sendo este vício insuprível e determinando a extinção da execução nos termos dos arts. 726º, nº 2, alínea a), e 734º, nº 1, do CPC.»
 
[MTS]