"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



08/07/2020

Jurisprudência 2020 (26)


Processo de inventário;
separação de meações


1. O sumário de RG 30/1/2020 (777/07.2TBBCL-B.G1) é o seguinte:

I- Numa execução movida unicamente contra um dos cônjuges, penhorado um determinado bem comum do casal, citado o outro cônjuge ao abrigo do disposto no art. 825º do anterior C.P.C. (actual art. 740º), das duas uma: a) o cônjuge do executado não requer a separação de meações, nem junta certidão de acção pendente, e a execução prossegue contra o bem penhorado, para a sua venda ou adjudicação na acção executiva; b) requer a separação de meações ou junta certidão comprovativa de processo de separação de bens já instaurado, suspendendo-se a execução nos bens comuns até à partilha.

II- No processo de inventário para separação de meações o cônjuge do executado tem o direito de escolher os bens com que há-de ser formada a sua meação. Caso exerça este direito, havendo reclamação dos credores e avaliação dos bens que modifique o seu valor pode vir a desistir da escolha. Não tendo usado tal direito as meações são adjudicadas por meio de sorteio.

III- Se o bem penhorado é adjudicado ao executado a execução prossegue seus termos relativamente a tal, se é adjudicado ao seu cônjuge podem ser penhorados outros que lhe tenham cabido permanecendo a anterior penhora até à nova apreensão.

IV- Num inventário para separação de meações, ainda que um dos cônjuges tenha falecido, não tem o outro cônjuge direito a que lhe seja atribuída a habitação da casa de morada de família e o uso do respectivo recheio ao abrigo do disposto no art. 2103º-A do C.C..

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Andou bem o tribunal recorrido, pois o disposto neste artigo 2103º a) do C.C. não é aplicável ao caso em apreço.

Os art. 2103º-A a 2103º-C do C.C. foram introduzidos neste diploma, na secção da partilha da herança, com o Dec.-Lei nº 496/77 de 25/11 tendo como propósito garantir, no momento da partilha, em caso de necessidade, o encabeçamento do cônjuge sobrevivo – herdeiro a quem não tocou a propriedade da casa - em dois direitos de enorme importância para a continuidade do lar conjugal: o direito de habitação da casa de morada de família e o direito de uso do respectivo recheio.

Com efeito, sendo a casa bem próprio do de cujus ou bem comum a mesmo integra a herança. No caso de tal bem não ser adjudicado ao cônjuge herdeiro tem este a faculdade de ver constituído ex novo um direito real de gozo do sobre coisa alheia. Mas, exercida esta faculdade, o quinhão do cônjuge não é ampliado dado que o valor de tais direitos integra a eventual meação e quinhão hereditário e no caso de ultrapassar o valor destes terá o cônjuge que pagar tornas. Neste sentido vide, entre outros, Ac. da R.P. de 12/01/2006 (Fernando Baptista), in www.dgsi.pt.

Revertendo ao caso em apreço, verificamos que, não obstante o executado A. T. ter entretanto falecido, não nos encontramos, nem nos poderíamos encontrar, perante um inventário para partilha da herança deixada por aquele, mas tão só perante um inventário para separação das meações instaurado pelo cônjuge do executado com vista a evitar que os bens que viessem a integrar a sua meação respondam na execução em apenso.

Neste inventário, ao abrigo do disposto no art. 1406º c) do C.P.C., foi facultado à requerente o direito de escolher os bens a integrar a sua meação, o que ela fez num primeiro momento escolhendo a casa de morada de família e outro bem. Posteriormente, na sequência de avaliação dos bens, aquela desistiu da escolha efectuada e sujeitou-se ao risco do sorteio. Se neste aquele bem não coube na sua meação apenas a si deve tal decisão.

O disposto no art. 2103º-A do C.C. é inaplicável ao caso em apreço, desde logo, porque não nos encontramos perante inventário para partilha da herança deixada por A. T. e, além do mais, a requerente nem tem a qualidade de herdeira por ter repudiado a herança do marido.

Encontramo-nos [sic] perante uma questão de direito apreciada pelo tribunal recorrido sendo irrelevante a posição das partes de não oposição ao requerido.

Aos herdeiros do falecido – mas não à requerente por não ter esta qualidade - não está vedada a instauração de inventário para partilha entre si da herança daquele."


[MTS]