"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



06/07/2020

Jurisprudência 2020 (24)


Extinção da execução;
embargos de executado; subsistência*

1. O sumário de RP 27/1/2020 (2666/14.5YYPRT-A.P1) é o seguinte:

I - O AE apenas poderá proceder à extinção da execução nos termos do n.º 2 do artigo 750.º do CPC, desde que verificados os seguintes requisitos: i) a procura infrutífera de bens penhoráveis, durante três meses a contar da sua notificação para que inicie as diligências para penhora; ii) a notificação do exequente, decorrido o referido prazo, para especificar quais os bens que pretende ver penhorados, com a expressa cominação legal de imediata extinção da execução, caso não sejam indicados pelo exequente, nem pelo executado, bens penhoráveis, no prazo de dez dias; iii) a notificação simultânea do executado para que indique bens à penhora, com as cominações previstas no n.º 1 in fine do artigo 750.º do CPC.

II - Tendo o executado deduzido embargos, alegando que o pagamento que efetuou extingue a execução (face a um acordo que invoca), a extinção da execução nos termos do n.º 2 do artigo 750.º do CPC não determina a extinção dos embargos por inutilidade superveniente da lide.

III - Na situação referida, caso se venha a renovar a execução, com posterior penhora de bens do executado, voltará a tornar-se premente a averiguação sobre se houve ou não acordo de pagamento, sobre se a quantia paga pelo executado era ou não suscetível de extinguir a execução, pelo que, com a extinção da instância nos embargos por invocada inutilidade da lide, [depois de produzida prova e de realizadas duas sessões de julgamento], não se previne a eventual renovação da execução, abrindo-se a possibilidade de inutilização de toda a tramitação dos embargos, e da sua posterior (e desnecessária) repetição, o que poderá traduzir-se na realização de atos processuais inúteis, expressamente proibida pelo disposto no artigo 130.º do código de processo civil.

2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"Insurge-se a recorrente contra a extinção da instância dos embargos por inutilidade superveniente da lide, concluindo que «Inexistem razões ou fundamentos de direito susceptíveis de pôr em crise a prossecução dos presentes autos».

Entendemos, salvo todo o respeito devido, que lhe assiste razão.

Vejamos porquê.

Refere o Mº Juiz na sentença recorrida:

«A presente decisão não preclude, como é bom de ver, que de futuro, caso entretanto sejam conhecidos bens penhoráveis ao executado, este não possa deduzir o seu direito de defesa contra essa execução ou mesmo a presente execução renovada, na medida em que a extinção da presente execução se baseia precisamente na falta de bens penhoráveis no património daquele…».

No entanto, caso sejam encontrados bens e se renove a instância executiva, ao executado não restará alternativa, para além de voltar a deduzir embargos, com os mesmos fundamentos.

Recorde-se que o executado deduziu os presentes embargos, com fundamento num alegado acordo de pagamento que cumpriu.

Ora, apesar de já ter sido produzida prova, tendo-se realizado duas sessões de julgamento, a abrupta extinção da instância nos embargos sem conhecimento do mérito inutiliza toda a já longa tramitação dos autos, obrigando o executado a repetir os fundamentos que invocou em sua defesa, caso se renove a execução com posteriores penhoras.

Entramos assim num debate que não é pacífico na jurisprudência: saber se a extinção da execução por aplicação do n.º 2 do artigo 750.º do Código de Processo Civil determina a extinção da instância nos embargos.

No acórdão da relação de Évora, de 22.09.2016 [71/13.0TBETZ-A.E1], respondeu-se à questão enunciada, nos termos que se sintetizam no respetivo sumário:

«I - Pretendendo o embargante com a oposição à execução colocar em causa o próprio título executório, visando a improcedência total ou parcial da execução, a inutilidade superveniente da sua pretensão só ocorre se, por via de um comportamento concludente como é o pagamento voluntário da quantia exequenda, aceita o direito do credor talqualmente este se encontra representado no título executivo (artigo 849.º, n.º 1, alínea a) do CPC).

II - Se, porém, a execução for extinta por qualquer uma das demais razões que a lei actualmente consagra, designadamente por não ser possível encontrar bens ou porque os encontrados não são suficientes para a satisfação do interesse do credor, podendo a instância executiva ser posteriormente renovada, não se verifica a inutilidade superveniente da lide quanto aos embargos de executado tempestivamente deduzidos, devendo os autos prosseguir para apreciação do respectivo mérito, como for de direito».

No Blogue do IPPC [https://blogippc.blogspot.com/] em post de 4.01.2017, o Professor Teixeira de Sousa, após transcrição parcial da fundamentação jurídica do citado acórdão [...], conclui com o seguinte comentário:

«O acórdão da RE (de que foi relatora a Des. G…) é um daqueles casos em que se patenteia uma evidência que, afinal, ainda estava por descobrir.

Os embargos de executado cumprem uma função de oposição a uma execução pendente, mas, como o acórdão mostra, também podem cumprir a função de prevenir a renovação de uma execução entretanto extinta. Assim, se a oposição à execução deduzida pelo executado puder obstar à renovação de uma execução extinta (o que apenas é possível saber em função do concreto fundamento alegado pelo executado), essa oposição não se torna inútil com a extinção da execução. Pelo contrário: a oposição à execução deve subsistir, embora apenas com a finalidade de prevenir a eventual renovação da execução.

Sob o ponto e vista formal (que não é o mais relevante na situação em análise), importa referir que, como decorre do disposto nos art. 779.º, n.º 5, e 850.º, n.º 5, CPC (e, em especial, da remissão para o art. 850.º, n.º 4), a execução extinta e a execução renovada são uma e mesma execução.»

Não podemos estar mais de acordo.

Caso se renove a execução, com posterior penhora de bens do executado, voltará a tornar-se premente a averiguação sobre se houve ou não acordo de pagamento, sobre se a quantia paga pelo executado era ou não suscetível de extinguir a execução.

Cremos, reiterando o devido respeito, que com a extinção da instância nos embargos por invocada inutilidade da lide, depois de produzida prova e de realizadas duas sessões de julgamento, não se previne a eventual renovação da execução, abrindo-se a possibilidade de inutilização de todas a tramitação dos embargos, e da sua posterior (e desnecessária) repetição, o que poderá traduzir-se na realização de atos processuais inúteis, expressamente proibida elo disposto no artigo 130.º do Código de Processo Civil."

*3. [Comentário] Como resulta das transcrições realizadas no acórdão da RP, o mérito da orientação que soluciona de modo adequado a questão cabe todo aos subscritores do acórdão da RE que nele é transcrito.

MTS