Prestação de contas;
preclusão*
1. O sumário de RP 28/1/2020 (9/17.5T8ALB.P1) é o seguinte:
Tendo havido inventário para partilha de bens de casal, no qual foi proferida sentença homologatória de partilha, já transitada em julgado, não há lugar, em momento posterior, à prestação de contas, relativamente à administração, de bens respeitantes ao período anterior à propositura daquele inventário.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"A acção de prestação de contas é um processo especial cuja regulamentação está prevista nos artigos 941.º a 947.º do CPC, para as contas em geral.
Prestar contas implica, por sua natureza, descriminar despesas e receitas efectivamente realizadas, mas não tem a ver com a responsabilização do administrador por eventual má administração, nem com a fixação de rendimentos que não foram obtidos por falta de diligência do obrigado.
Contrariamente ao que acontece com a generalidade dos administradores de bens alheios ou de interesses próprios e alheios, o cônjuge administrador não é obrigado a prestar contas, respondendo apenas pelos danos resultantes de actos intencionalmente praticados em prejuízo do casal ou do outro cônjuge, isto em vista, como explica Antunes Varela, in “Direito da Família”, 1.º; pág. 382, das “graves perturbações que as acções de indemnização de cada um dos cônjuges contra o outro, facilitadas pela obrigação periódica da prestação de contas, podem causar nas suas relações pessoais e em prejuízo da estabilidade familiar, havendo toda a conveniência em as evitar, na medida do possível, por virtude da relação bem mais ampla que une os cônjuges e por não se considerar razoável aplicar à gestão do cônjuge administrador os padrões normais de julgamento da administração isolada de bens alheios.”
Desde já se consigna que não se compreende o motivo pelo qual a recorrente vem agora pedir a prestação de contas relativamente a um período abrangido pela partilha de bens efectuada.
No caso, a acção de divórcio entre requerente e requerido deu entrada em Outubro de 2006 e a sentença que decretou o mesmo teve lugar em Julho de 2007. Não obstante requerente e requerida continuaram a viver em economia comum até, pelo menos, ao mês de Dezembro de 2009.
Existe efectivamente uma obrigação do cônjuge que conserva a posse dos bens do casal de prestar contas ao outro no período entre a dissolução da sociedade conjugal e a partilha.
O processo de inventário, na sequência do divórcio tem por objectivo a partilha dos bens do casal de acordo com o regime legal de bens estipulado para o casamento.
Como decorre da factualidade provada, houve lugar a processo de inventário de partilha de bens do casal, no qual foi proferida sentença homologatória de partilha em 26 de Abril de 2012, já transitada em julgado.
Efectivamente, a obrigação de prestação de contas pelo ex-cônjuge nasce a partir do decretamento do divórcio ou da separação judicial de pessoas e bens, retroagindo os seus efeitos à data da entrada em juízo do requerimento apresentado nesse mesmo processo, conforme resulta do disposto no artigo 1795º-A do Código Civil ex vi artigo 1789º, nº 1, do mesmo diploma legal.
Ora tendo havido o dito processo de inventário, nos termos do disposto no artigo 947.º, epigrafado “Prestação de contas por dependência de outra causa”: ”As contas a prestar por representantes legais de incapazes, pelo cabeça de casal e por administrador ou depositário judicialmente nomeados são prestadas por dependência do processo em que a nomeação haja sido feita.”
Logo a pretensão da requerente, ora recorrente, só teria cabimento por apenso ao dito processo de inventário de partilha de bens do casal.
Não tendo sido suscitada, nessa altura, a prestação de contas aqui propugnada, com o trânsito em julgado da sentença homologatória de partilha, ficou esgotada toda a sua oportunidade, sendo, portanto, agora totalmente inadmissível."
*3. [Comentário] Salvo o devido respeito, do estabelecido no art. 947.º CPC não resulta que a prestação de contas tem de ser pedida durante a pendência do processo (de inventário) em que tenha sido feita a nomeação do cabeça de casal. A única coisa que decorre do preceito é, na sua melhor interpretação, que a prestação de contas deve decorrer por apenso ao processo no qual se procedeu à nomeação do cabeça de casal.
Aliás, ainda que da prestação de contas resulte alguma dívida de um dos ex-cônjuges perante o outro, não se trata de uma dívida da meação de um deles perante a meação do outro outro (matéria regulada no art. 1697.º CC), pelo que a determinação posterior dessa dívida em nada contende com a partilha de bens realizada no anterior processo de inventário.
Sendo assim, não resultando necessariamente do art. 947.º CPC que a prestação de contas tem de ser solicitada durante a pendência do processo, deveria ter-se recorrido ao princípio in dubio pro actione e aceitado a sua prestação após aquela pendência.
MTS