Reg. 2201/2003; responsabilidades parentais;
domicílio da criança
1. O sumário de RE 13/2/2020 (8811/15.6T8STB-H.E1) é o seguinte:
I - Em caso de residência de cada um dos progenitores e de um deles com a criança, em diferentes Estados-Membros, a competência internacional do tribunal afere-se nos termos do artigo 8.º, n.º 1, do Regulamento (CE) n.º 2201/2003, que estabelece serem competentes em matéria de responsabilidade parental os Tribunais do Estado-Membro, em que a criança resida habitualmente à data em que o processo seja instaurado no tribunal.
II - Dada a residência habitual da criança e da progenitora a quem a sua guarda está deferida, na Alemanha, no momento da propositura da acção nova que o processo de alteração à regulação das responsabilidades parentais constitui, são os tribunais alemães os competentes para conhecer do pleito, já que não se verificando nenhuma das circunstâncias previstas nos artigos 9.º, 10.º e 12.º do Regulamento, não existe fundamento legal para o prolongamento da competência dos tribunais portugueses. (sumário da relatora)
2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"Em caso de residência de cada um dos progenitores e de um deles com a criança, em diferentes Estados-Membros, a competência internacional do tribunal afere-se nos termos do artigo 8.º, n.º 1, do Regulamento (CE) n.º 2201/2003, que estabelece serem competentes em matéria de responsabilidade parental os Tribunais do Estado-Membro, em que a criança resida habitualmente à data em que o processo seja instaurado no tribunal.
Como vimos, à data da instauração da alteração à regulação das responsabilidades parentais, o M… residia habitualmente com a mãe, na Alemanha.
Assim, dada a residência habitual da criança e da progenitora a quem a sua guarda está deferida, na Alemanha, no momento da propositura da acção nova que o processo de alteração à regulação das responsabilidades parentais constitui, são os tribunais alemães os competentes para conhecer do pleito.
Sufraga-se, pois, o entendimento vertido na decisão recorrida, no sentido de que «no presente caso, tendo em conta a factualidade descrita, é inegável que o M… tem fixada a sua residência habitual na Alemanha, pelo menos, desde agosto de 2016, altura em que foi integrado em equipamento de infância e em que a sua mãe já não tinha intenção de regressar a Portugal, passando a organizar a sua vida e a dos filhos naquele país.
Efetivamente, conforme se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 6 de dezembro de 2016: “I – A competência internacional afere-se pelo critério da residência habitual do menor. II – O conceito de “residência habitual” (a que alude o Regulamento CE nº 2201/2003, do Conselho, de 27 de novembro de 2003) deve ser interpretado no sentido de que essa residência corresponda ao lugar que traduz uma certa integração da criança num ambiente social e familiar.”
No mesmo sentido também se pronunciou o Tribunal da Relação de Guimarães, no Acórdão de 12 de julho de 2016: “I – No caso de residência plurilocalizada dos progenitores em Estados-Membros diferentes, o artigo 8º, nº 1 do Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho de 27 de novembro de 2003, estabelece em matéria de responsabilidade parental que o tribunal competente é aquele que se encontra situado no Estado-Membro onde a criança resida habitualmente à data em que o processo seja instaurado no tribunal. II – A ratio legis normativa, atendendo à justificação aduzida no 12º Considerando, radica no superior interesse da criança e, em particular, o critério da proximidade. III – Para efeito da competência internacional do tribunal, em matéria de regulação da responsabilidade parental, o conceito de residência habitual do menor deve ser interpretado em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, no sentido de que essa residência corresponde ao lugar que traduz uma certa integração da criança num ambiente social e familiar».
Acresce que, ao invés do que considera o Apelante, não se verificam na situação em presença os desvios à regra geral contida no referido artigo 8.º, n.º 1, mormente as circunstâncias vertidas nos artigos 9.º, 10.º e 12.º, que o n.º 2 do artigo 8.º ressalva, e de cuja verificação se retiraria ainda a competência internacional dos tribunais portugueses para o presente caso.
Na realidade, não só a deslocação inicial da criança para a Alemanha foi legal, como mesmo que se considerasse que o estabelecimento da sua residência nesse estado não o foi inicialmente, já que o seu regresso ao país estava previsto, o certo é que o estabelecimento da residência naquele país veio depois a ser aceite, por acordo, pelo progenitor. Portanto, à data em que a alteração foi instaurada, não havia dúvidas de que a residência do M… na Alemanha, estava coberta pela sentença que homologou esse acordo dos progenitores e a residência da criança junto da mãe, naquele país.
Assim, conforme se ponderou na decisão recorrida, e subscrevemos, «desde logo se conclui que não existe fundamento legal para o prolongamento da competência do Estado-Membro da anterior residência habitual da criança, previsto no artigo 9º, nº 1, porquanto o M… reside na Alemanha há bem mais do que três meses. E, do mesmo modo, ainda que se entendesse que ocorreu uma deslocação ilícita, seria de concluir que não se verifica o prolongamento da competência, tal como configurado pelo artigo 10º, já que tal pressupõe que ainda não se tenha fixado a residência habitual e, cumulativamente, as demais circunstâncias aí previstas. Finalmente, prevê o artigo 12º a extensão da competência para decidir questão relativa à responsabilidade parental relacionada com um pedido de divórcio pelos tribunais competentes para decidir este pedido.
No caso, o processo de divórcio do Requerente e da Requerida correu termos neste Juízo de Família e Menores de Setúbal. Porém, nesse processo não foi regulado o exercício das responsabilidades parentais quanto ao M…, já que aquele impugnou a paternidade, tendo tais questões sido tratadas em processo autónomo. Além disso, as circunstâncias previstas no nº 1 desse artigo são cumulativas e, no caso, não se verifica a prevista na al. b), já que a Requerente não aceitou a competência dos tribunais portugueses para a presente ação. E, ainda que assim não fosse, tendo as decisões, quer de divórcio, quer de regulação das responsabilidades parentais transitado em julgado, sempre cessaria a competência dos tribunais nacionais, conforme previsto no artigo 12º, nº 2».
Pelo exposto, nada há a censurar à decisão recorrida que nas circunstâncias de facto demonstradas concluiu que os tribunais nacionais e, em particular, o Juízo de Família e Menores de Setúbal não é competente para o conhecimento do pedido de alteração das responsabilidades parentais relativamente à criança M…, instaurado pelo seu progenitor quando a criança residia há mais de dois anos na Alemanha e, por outro lado, que não se verifica nenhuma das circunstâncias previstas nos artigos 9.º, 10.º e 12.º do Regulamento (CE) nº 2201/2003, não existindo fundamento legal para o prolongamento da competência dos tribunais portugueses, tanto mais quando o superior interesse da criança melhor se acautela com a apreciação do pleito pelo tribunal que com a sua situação de vida estável tenha maior proximidade, e que no caso, é o tribunal alemão.
Nestes termos, na improcedência da apelação, confirma-se a decisão que julgou o Juízo de Família e Menores de Setúbal internacionalmente incompetente para conhecer do pedido de alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais suscitado nos autos e, em consequência, absolveu a Requerida da instância.
Vencido, o Apelante suportaria as custas devidas, na vertente de custas de parte, atento o princípio da causalidade e o disposto nos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, 529.º, n.ºs 1 e 4, e 533.º, todos do CPC, as quais não lhe são tributadas por beneficiar de apoio judiciário."
[MTS]