"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



28/07/2020

Jurisprudência 2020 (40)


Falta da citação;
nulidade da citação


1. O sumário de RP 11/2/2020 (290/07.8GBPNF-E.P1) é o seguinte:

I - Tendo a chamada por intervenção principal provocada sido notificada, em vez de ser citada para os autos, para deduzir querendo, oposição à penhora, é manifesto que não se verifica falta de citação (art.° 188.° do C.PCivil), mas tão só uma nulidade de citação (artº 191.º do C.P.CiviI), porquanto o acto realizada não foi o processualmente adequado e prescrito por lei.

II - A nulidade da citação é considerada uma nulidade secundária, que só pode ser invocada pelo interessado, o que deve acontecer, em princípio, aquando da sua primeira intervenção no processo, caso contrário, considera-se sanada, como sucedeu “in casu”.

III - A declaração de ineficácia do partilha dos bens comuns do casal realizada entre o co-executado e a sua ex-mulher, permite ao exequente vir a executar, na exacta medida do necessário para a satisfação do seu crédito sobre o co-executado/devedor, os bens partilhados e transferidos para o património desta, pelo que a mesma tem legitimidade para ser demandada com executada nos autos apensos.

2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"Defende [...] a apelante insurgindo, manifestamente fora de tempo e local contra a decisão que admitiu o incidente de intervenção principal provocado, proferido a fls. 376 dos autos executivos e há muito transitado em julgado, que existe nulidade de todo o processo por falta da sua citação para a execução, já que na sequência da admissão do referido incidente de intervenção de terceiros, apenas recebeu uma notificação dos autos para “… no prazo de 10 dias, deduzir, querendo oposição à penhora …”.

Esta questão foi já colocada em sede dos presentes embargos em 1.ª instância e foi negada a existência da apontada nulidade.

Vejamos.

Como se sabe e dispõe o art.º 219.º n.º 1 do C. P.Civil, a citação é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender (in ius vocatio). Emprega-se o acto “citação” para chamar, pela primeira vez ao processo alguma pessoa interessada na causa.

Destarte, a citação é um acto processual essencial que visa assegurar o direito de qualquer pessoa se defender ou deduzir oposição, de molde a evitar que se seja surpreendido por uma decisão judicial não esperada, tudo como corolário lógico do princípio do contraditório, cfr. art.º 3.º n.º 3 do C.P.Civil, cfr. Antunes Varela, in “Manual de Processo Civil”, pág. 266.

Segundo o Prof. Alberto dos Reis, in “Cód.Proc.Civil, anotado, vol. I, pág. 312, o acto de citação pode ficar inquinado por duas espécies de vícios distintos e de consequências bem diversas: - falta de citação e nulidade da citação.

Dá-se a falta de citação quando o acto se omitiu (inexistência pura) ou, ainda que efectuado, ter sido feito, com atropelo à lei tão grave e erro tão grosseiro, que lhe deva ser equiparado. Aqui se abrangem os casos em que, apesar de formal e processualmente existir citação, se há-de entender que esta não se mostra efectuada.

Dá-se a nulidade da citação quando o acto se praticou, mas não se observaram, na sua realização, as formalidades prescritas na lei.

A falta de citação constitui uma nulidade absoluta, de conhecimento oficioso e determina a anulação de todo o processado, após a petição inicial, cfr. art.º 187.º do C.P.Civil e dela trata o art.º 188.º do C.P.Civil. A nulidade da citação é considerada uma nulidade secundária, só pode ser invocada pelo demandado, e é tratada no art.º 189.º do C.P.Civil.

Como se sabe, a via mais normal de efectuar a citação pessoal de pessoas singulares, como é o caso dos autos, é por via postal e é esta forma que aqui nos interessa.

Ora, este modo de citação faz-se por meio de carta registada com aviso de recepção, dirigida ao citando e endereçada para a sua residência ou local de trabalho, cfr. art.ºs 225.º n.º 2 al. b) e 228.º n.º 1, ambos do C.P.Civil. A carta pode ser entregue, após a assinatura do aviso de recepção, ao citando, ou a qualquer pessoa que se encontre na sua residência ou local de trabalho e que declare encontrar-se em condições de a entregar prontamente ao citando, cfr. art.º 228.º n.º 2 do C.P.Civil.

Em qualquer hipótese, o distribuidor do serviço postal, antes da assinatura, procede à identificação daquele a quem a carta seja entregue, seja o próprio citando ou o terceiro, cfr. art.º 228.º n.º 3 do C.P.Civil, e no último caso, quando a carta seja entregue a terceiro, ainda advertirá este expressamente do dever de pronta entrega ao citando, cfr. n.º4 do citado preceito.

*“In casu” sucedeu que na sequência da prolação do acórdão que julgou definitivamente a admissibilidade da intervenção principal provocada da ora apelante nos autos executivos, em vez de se ter dado cumprimento ao disposto no n.º1 do art.º 319.º do C.P.Civil, “Admitida a intervenção, o interessado é chamado por meio de citação”, deu-se tão só cumprimento ao preceituado nos art.ºs 784.º e 785.º, ambos do C.P.Civil, pela via da notificação e isto porque, à ocasião da dedução do sobredito incidente, nos autos executivos havia-se procedido à penhora de vários bens imóveis, que não obteve êxito ao nível do registo, tendo a Conservatória do Registo Predial informado a Sr.ª Agente de Execução de que existia inscrição, em vigor, a favor de pessoa diversa do executado, no caso os prédios encontravam-se inscritos a favor de B…, ex-cônjuge do executado, tendo sido este facto que originou o referido pedido de intervenção da ora apelante, como co-executada nos autos, atento o teor da sentença proferida na acção de impugnação pauliana, acima referida.

*Em suma, foi utilizado um meio processual diverso do indicado por lei para o chamamento da ora apelante ao processo executivo (em vez de citação ocorreu notificação). Pelo que, desde já podemos concluir que não ocorreu a pura e simples omissão do acto de chamamento da ora apelante aos autos executivos, e atento o conteúdo da notificação que lhe foi feita, a mesma ficou perfeitamente ciente da existência e objecto do processo e mais relevante ainda, da penhora de vários bens imóveis inscritos no Registo Predial na sua titularidade, donde forma-se facultados os elementos necessários para que conhecesse o que estava em causa e se pudesse defender.

Logo, não se verifica falta de citação, cfr. art.º 188.º do C.P.Civil, mas tão só uma nulidade de citação, cfr. art.º 191.º do C.P.Civil, o acto realizada não foi o processualmente adequado e prescrito por lei.

Como já se referiu a nulidade da citação é considerada uma nulidade secundária, só pode ser invocada pelo demandado, e em princípio, tal nulidade pode e deve ser arguida aquando da primeira intervenção do citado no processo, caso contrário, considera-se sanada.

Ora, “in casu” a ora apelante após ter recebido a supra referida notificação, junta a fls. 424 do autos executivos, ao mesmos foi, de seguida, apresentar cópia do requerimento de pedido de concessão do apoio judiciário junto da SS, com vista à interrupção do prazo em curso, ou seja, do prazo para deduzir oposição à execução.

Destarte e sem necessidade de outros considerandos, nenhuma censura nos merece a decisão recorrida, uma vez que a nulidade de citação da ora apelante verificada se tem por absolutamente sanada, pela sua não arguição tempestiva. Ademais, é para nós evidente que a falta cometida não prejudicou de forma alguma a defesa da ora apelante."

[MTS]