Manifestando a sua intenção de impugnar a decisão proferida relativamente à matéria de facto, o Réu começa por se insurgir contra a metodologia de que se socorreu o tribunal a quo, por não ser possível apurar que elementos probatórios e qual o seu peso na valoração do tribunal.
E, neste aspeto, temos de dar razão ao Apelante.
É certo que apesar de o juiz a quo não ter, digamos, completado o seu raciocínio, esclarecendo por motivo, relativamente a cada uma das matérias em causa – por ex. funções exercidas pelo Sócio/Gerente A... e funções exercidas pelos réus, mercadoria debitada à autora e que não deu entrada nos seus armazéns, imputações à autora de custos de serviços efetuados ao serviço de terceiros –, mesmo assim, o Réu/Apelante, impugnando os factos constantes dos pontos 3, 7, 22, 23, 27, 30, 31, 32, 34, 35, 36, 37, 38, 40, 41, 45, 46 e 48 a 58 da factualidade dada como “provada” e dos pontos 20, 67, 32 e 39 da matéria de facto dada como “não provada”, explicita por que motivo, no seu entender, a decisão deveria ter sido diversa em relação a cada um deles.
Contudo, se a exposição do Apelante nos permite atingir por que motivo, no seu entender, cada uma dessas matérias deveria ter sido decidida em determinado sentido que não o adotado na sentença recorrida, a leitura da exposição dos motivos respeitante à convicção do juiz não nos permite perceber quais os meios de prova que, em concreto, e relativamente a determinada matéria de facto (reconhecemos que a explicitação dos concretos meios de prova que determinam a convicção do juiz não tem, necessariamente, que ser individualizada relativamente a cada um dos factos dados como provados, mas pelo menos, terá de o ser relativamente a cada um dos temas controvertidos), terão sido determinantes – fosse pela credibilidade da sua fonte, pela natureza do meio de prova em causa, etc. –, para, e embora existindo outros meios que pudessem apontar para uma versão diferente, convencer o tribunal de que, relativamente a cada uma dessas matérias, os factos terão ocorrido no sentido em que os vem a dar como provados. De toda a factualidade impugnada, apenas relativamente à constante dos pontos 48, 49 e 50 se torna claro que a materialidade aí constante terá resultado da pura análise das certidões a que os mesmos se reportam.
Encontra-se aqui em causa a violação do dever de fundamentação da matéria de facto – quer relativamente aos factos dados como provados, quer quanto aos factos dados por não provados, o juiz deve justificar os motivos da sua decisão, declarando por que razão deu mais credibilidade a uns depoimentos e não a outros, julgou relevantes ou irrelevantes certas conclusões dos peritos ou achou satisfatória ou não a prova resultante de documentos – contido no nº 4 do artigo 607º do CPC.
Como salienta José Lebre de Freitas ["A Ação Declarativa Comum, à Luz do Código de Processo Civil de 2013”, 4ª ed., Geslegal, p.363], uma das funções da fundamentação da decisão de facto reside precisamente em facilitar o reexame da causa pelo tribunal superior.
Assim sendo, e por se mostrar inviabilizada reapreciação da matéria de facto aqui sob impugnação, e ao abrigo do disposto no artigo 662º, nº 2, al. d), do CPC, determina-se a anulação da decisão da matéria de facto proferida relativamente aos pontos aqui sob impugnação – pontos 3, 7, 22, 23, 27, 30, 31, 32, 34, 35, 36, 37, 38, 40, 41, 45, 46 e 51 a 58, da factualidade dada como “provada” e dos pontos 20, 67, 32 e 39 da matéria de facto dada como “não provada” – a fim de que o tribunal fundamente devidamente a decisão por si proferida relativamente a tais pontos da matéria de facto.
[MTS]