"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



25/09/2020

Jurisprudência 2020 (60)


Sentença estrangeira;
reconhecimento automático

1. O sumário de RE 2/4/2020 (12/20.8YREVR) é o seguinte:

Estando em causa decisão de autorização para disposição de bens dos menores situados em Portugal, decretada na Bélgica, por força do princípio do reconhecimento automático consagrado no artigo 21.º/1 do Regulamento (CE) n.º 2201/2003, consubstancia decisão que é reconhecida em Portugal, Estado-membro da União Europeia, sem qualquer formalidade.

2. Na fundamentação e na parte dispositiva da sentença escreveu-se o seguinte:

II  FUNDAMENTOS

[...] No caso em apreço, está em causa uma sentença proferida no Estado da Bélgica que tem por objeto a autorização de venda de bem imóvel da titularidade de sujeitos menores de idade.


Por via disso, tem aqui aplicação o regime inserto no Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003 (relativo à competência, para o reconhecimento e execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental. Efetivamente, prescreve o art. 1.º/1 al. b) do citado Regulamento que o mesmo é aplicável, independentemente da natureza do tribunal, às matérias civis relativas à atribuição, ao exercício, à delegação, à limitação ou à cessação da responsabilidade parental, sendo que, tais matérias dizem, nomeadamente, respeito às medidas de proteção da criança relacionadas com a administração, conservação ou disposição dos seus bens – cfr. art. 1.º/2 al. e). Tratando-se, como se trata, de decisão de autorização para disposição dos bens dos menores, por força do princípio do reconhecimento automático consagrado no art. 21.º/1 do Reg. (CE) n.º 2201/2003 [...], consubstancia decisão que é reconhecida em Portugal, Estado-membro da União Europeia, sem qualquer formalidade.


O que vale por dizer que é dispensável o recurso a qualquer procedimento para que a decisão de autorização para disposição dos bens dos menores seja reconhecida em Portugal. Donde, não tem cabimento o processo de revisão e confirmação de sentença estrangeira previsto nos arts. 978.º e ss do CPC.


É certo que, nos termos do disposto no art. 21.º/3 do citado Regulamento, a parte interessada pode pedir uma declaração judicial de reconhecimento ou de não reconhecimento, aplicando-se nesse caso o procedimento estabelecido para a declaração de executoriedade mediante a instauração de um processo prévio da competência do tribunal de comarca ou, existindo, do Tribunal de Família e Menores – cfr. arts. 29.º/1 e 68.º do Regulamento. No entanto, uma vez que o objeto do presente processo, conformado pelo concreto pedido deduzido e pela causa de pedir que o suporta, não contende com a declaração de executoriedade, não se verifica a incompetência deste Tribunal para a apreciação e decisão da causa.

Antes ocorre a exceção dilatória da falta de interesse em agir por parte da Requerente, implicando na absolvição do Requerido da instância – arts. 576.º/ 1 e 2 e 577.º do CPC.[Cfr., entre outros, Ac. TRC de 20/11/2008 (Jacinto Meca)]


III – DECISÃO FINAL

Pelo exposto, julgando-se procedente a exceção dilatória da falta de interesse em agir, decide-se absolver o Requerido da instância."

[MTS]