Dupla conforme;
requisitos
1. O sumário de STJ 5/5/2020 (1514/16.6T8VFR.P1.S1) é o seguinte:
I- Tem sido entendimento doutrinário e também deste Supremo Tribunal de Justiça que se o apelante que é beneficiado com o acórdão da Relação relativamente à decisão da 1ª instância – isto é, o réu que é condenado em “menos” do que na decisão da 1ª instância ou o autor que obtém “mais” do que conseguiu na 1ª instância – nunca pode interpor recurso de Revista para o Supremo, porque ele também o não poderia fazer de um acórdão da Relação que tivesse mantido a – para ele menos favorável – decisão da 1ª instância, aí se definindo os parâmetros da dupla conformidade decisória obstativa da impugnação recursória em sede de revista.
II- Não descaracteriza o conceito de dupla conformidade decisória, o reforço de novos argumentos por parte do Tribunal da Relação.
III- A aferição de tal requisito delimitador da conformidade das decisões deve focar-se no eixo da fundamentação jurídica que, em concreto, se revelou crucial para sustentar o resultado declarado por cada uma das instâncias, verificando se existe ou não uma real diversidade nos aspectos essenciais.
IV- No caso dos autos, o autor veio a obter na Relação um vencimento parcial com um ganho de 6.000€, sendo manifesto que este desfecho integra a noção de dupla conformidade decisória, sem embargo de as decisões serem diversas.
2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"Alega o recorrente que a fundamentação usada pelo Tribunal da Relação é diferente da usada pela 1ª instância, e, por tal motivo, não se verifica o obstáculo recursivo da dupla conforme. Todavia, não podemos concordar com o recorrente.
Com efeito, a Relação, servindo-se do mesmo quadro factual e jurídico, usou a mesma fundamentação, reforçando a decisão recorrida com outros argumentos, designadamente no sentido de aumentar o montante a atribuir a título dos danos não patrimoniais, como a seguir se expõe:
“No caso em apreço atentos os factos que acima se deixaram consignados dúvidas não temos que não obstante à data do sinistro ao autor/apelante se encontrar paraplégico e sem qualquer funcionalidade dos membros inferiores, já que não conseguia realizar qualquer movimento com eles, não tinha força muscular para erguer-se nem para manter-se em pé e não possuía sensibilidade, certo é que a amputação de perna direita, mesmo nas circunstâncias particulares verificadas no caso, é sempre a perda de uma parte do corpo, susceptível de causar grande sofrimento interior, além de tristeza, diminuição da auto-estima e dificuldade de exposição e relacionamento social. O que no caso do autor/apelante, atento o que se provou, antes do sinistro dos autos, tudo evidenciava que o mesmo já havia ultrapassado o trauma que lhe havia sido causado pelo acidente de trabalho e consequente paraplegia, ou pelo mesmo aceitado essa sua situação física, quer do ponto de vista pessoal quer do ponto de vista social, pelo que é nossa segura convicção que a amputação da perna direita veio alterou de forma acentuada essa situação pessoal do autor/apelante, sendo que a sua recusa à colocação de uma prótese poderá ser entendida, não como uma decisão ponderada de não querer fazer uso dessa utilidade, mas como um gesto de alguém que se vê sem qualquer valor físico, que nem é merecedor de utilizar uma prótese, e que nem ela alterará em nada como se vê.
Ora, considerando ainda os internamentos, cirurgias, tratamentos, as dores, sofrimentos, incómodos e todos os demais padecimentos que o autor/apelante sofreu e que resultaram provados nos autos, o grau de culpabilidade da ré na eclosão do sinistro atento o que acima a este respeito se deixou consignado, e atentos os princípios atrás enunciados, considera-se, também, um pouco escassa a indemnização fixada em 1ª instância, para ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos, reputando-se justa e adequada a quantia de €10.000,00”.
O uso da argumentação supra referida, em nada descaracterizou o conceito de dupla conforme, pois, como refere Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª ed., p. 363, “A alusão à natureza essencial da diversidade da fundamentação claramente nos induz a desconsiderar, para o mesmo efeito, discrepâncias marginais, secundárias, periféricas, que não representam efectivamente um percurso jurídico diverso. O mesmo se diga quando a diversidade de fundamentação se traduza apenas na recusa, pela Relação, de uma das vias trilhadas para atingir o mesmo resultado ou, do lado inverso, no aditamento de outro fundamento jurídico que não tenha sido considerado ou que não tenha sido admitido, ou no reforço da decisão recorrida através do recurso a outros argumentos, sem pôr em causa a fundamentação usada pelo tribunal de 1ª instância”. Acrescentando a p. 365, “ Por conseguinte, a aferição de tal requisito delimitador da conformidade das decisões deve focar-se no eixo da fundamentação jurídica que, em concreto, se revelou crucial para sustentar o resultado declarado por cada uma das instâncias, verificando se existe ou não uma real diversidade nos aspectos essenciais”.
Também, como se afirma no acórdão do STJ, de 27.4.2017, no proc. n° 273/14.1TBSCR.L1.S1 (Relator Conselheiro Tomé Gomes), disponível em www.dgsi.pt: ‘’Para efeitos de descaracterização da dupla conforme nos termos do nº 3 do artigo 671º do CPC, verifica-se fundamentação essencialmente diferente quando o acórdão da Relação, embora confirmativo da decisão da 1ª instância, sem vencimento, o faça com base em fundamento de tal modo diferente que possa implicar um alcance do caso julgado material diferenciado do que viesse a ser obtido por via da decisão recorrida”.
Ora, no caso sub judice, a Relação, utilizando o mesmo quadro factual e jurídico da 1ª instância, complementado com outros argumentos, apenas aumentou o montante da indemnização por danos não patrimoniais a atribuir ao autor.
Com efeito, decorre dos autos que o autor veio a obter na Relação um vencimento parcial com um ganho de 6.000€, sendo manifesto que este desfecho integra a noção de dupla conformidade decisória, sem embargo de as decisões serem diversas quanto ao montante atribuído a título de danos não patrimoniais. Ora, como já referimos, se o autor não poderia interpor recurso da decisão da Relação que mantivesse a sentença da 1ª instância, obviamente também não pode interpor revista da decisão da Relação que para ele é mais favorável."
[MTS]