1. Em 1925, James Goldschmidt publicou uma monografia intitulada "Der Prozess als Rechtslage / Eine Kritik des prozessualen Denkens." (há uma tradução espanhola de 2015 com o título "El Proceso como Situación Jurídica / Una crítica al pensamiento procesal"). A monografia é uma das mais significativas obras processuais de sempre e pode ser considerada a última grande representante da chamada "época construtiva do doutrina processual civil alemã".
A obra -- que tem claras influências kelseneanas -- ficou conhecida, essencialmente, por quatro razões:
-- Pela crítica à concepção de Oskar Bülow do processo como uma relação jurídica; se é verdade que a Ciência Processual Civil nasceu em 1858 com a obra de Bülow "Die Lehre von den Processeinreden und die Processvoraussetzungen" e com a construção da relação jurídica processual, também se pode dizer que essa Ciência foi refundada por Goldschmidt através da construção da situação processual;-- Pela construção da admissibilidade como valor essencial e característico do processo e, portanto, pela sedimentação da figura dos pressupostos processuais como um instituto processual;-- Pela construção do ónus como situação subjectiva típica do processo; aliás, a crítica à relação jurídica processual assenta precisamente, na perspectiva de Goldschmidt, na inexistência de direitos e deveres em processo;-- Finalmente, pela distinção, nos actos das partes, entre os "Bewirkungshandlungen" e os "Erwirkungshandlungen"; a correspondente tradução corrente é, respectivamente, actos constitutivos e actos postulativos (a partir de postular, como significando solicitar, requerer ou pretender).
2. A distinção, dentro dos actos das partes, entre actos constitutivos e actos postulativos baseia-se essencialmente, segundo o actual entendimento corrente, no seguinte:
-- Os actos constitutivos são aqueles que produzem, por eles mesmos, efeitos em juízo; é o caso, por exemplo, da desistência ou da confissão do pedido;-- Os actos postulativos são aqueles em que a parte formula um pedido e em que os efeitos produzidos no processo decorrem da decisão que o juiz venha a proferir.
Embora a distinção não deva ser entendida como significando que os actos postulativos não produzem efeitos em processo antes de qualquer decisão do juiz (a petição inicial é um acto postulativo que implica, entre outros efeitos, a citação do réu), a verdade é que ela é intuitiva pelo menos no sentido de que há actos que apenas são constitutivos e há outros actos que, além de constitutivos, são também postulativos, porque contêm um pedido formulado pela parte ao tribunal.
3. Tudo isto vem a propósito da circunstância de, num recente acórdão de uma das Relações, se falar de "acto postulativo recorrido".
Do que já se disse resulta que a expressão é duplamente infeliz:
-- A decisão de um tribunal não cabe na classificação dos actos em constitutivos e postulativos, dado que essa classificação respeita apenas aos actos das partes; os actos do tribunal não podem ser abrangidos por essa classificação;-- Um acto postulativo é um acto em que se formula um pedido; pela sua essência e natureza, nenhuma decisão do tribunal contém um pedido.
MTS