"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



14/01/2021

Jurisprudência 2020 (126)


Impugnação da matéria de facto;
ónus do recorrente


1. O sumário de STJ 6/5/2020 (103/16.0T8TMR.C1.S1é o seguinte:

O cumprimento dos ónus previstos no artigo 640.º do CPC tem que ser apreciado no caso concreto, tendo em conta, designadamente, o número de factos impugnados e o número de meios de prova, mormente depoimentos, evitando-se formalismos excessivos.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Na apreciação do cumprimento ou incumprimento dos ónus previstos no artigo 640.º CPC há, como este Tribunal reiteradamente afirmou, que evitar critérios excessivamente rígidos e formalistas que sacrificam ou comprometem a justiça material. Com efeito, não deve a questão do cumprimento dos ónus previsto no referido preceito “redundar na adoção de entendimentos formais do processo por parte dos Tribunais da Relação” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/06/2018, processo n.º 552/13.5TTVIS.C1.S1, Relator: Conselheiro Pinto Hespanhol). E como expressamente afirma o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/02/2018, proferido no processo 134116/13.2Y1PRT.E1.S1 (Relator: Conselheiro Tomé Gomes) “a decisão de rejeição do recurso (…) não se deve cingir a considerações teoréticas ou conceituais, de mera exegética do texto legal e dos seus princípios informadores, mas contemplar também uma ponderação do critério legal nas circunstâncias e modo como os depoimentos foram prestados e colhidos, bem como face ao grau de dificuldade que a indicação das passagens da gravação efetuada acarrete para o exercício do contraditório e para a própria análise crítica por parte do tribunal de recurso”.

No caso dos autos resulta com clareza da apelação quais os pontos da matéria de facto que foram dados como provados e que para o Recorrente não o deveriam ter sido, estando em causa o depoimento de um pequeno número de testemunhas, com excertos transcritos no recurso de apelação. Seria um formalismo excessivo, havendo que ouvir as mesmas quatro testemunhas para cada um de todos os factos impugnados que houvesse que escrever no recurso para o facto 1 ouçam-se as testemunhas 1, 2, 3 e 4, para o facto 2, as (mesmas) testemunhas 1, 2, 3 e 4 e assim sucessivamente… É também claro, não prejudicando o direito de resposta, qual o âmbito do recurso em matéria de facto e quais os pontos da matéria de facto que o Recorrente pretende que sejam dados como não provados.

O Recorrente invocou no seu recurso uma nulidade por omissão de pronúncia, com o argumento de que, para além da rejeição do seu recurso em matéria de facto, o Tribunal da Relação não se tinha pronunciado sobre a questão de direito da descaracterização do acidente de trabalho e dos pressupostos desta no caso de violação das regras de segurança pelo trabalhador. Com efeito, mesmo perante os factos dados como provados, o recurso de apelação afirmava que “os factos provados não demonstram que estamos perante uma violação consciente, por parte do sinistrado, das condições de segurança previstas na lei”, devendo o Tribunal da Relação pronunciar-se face aos factos sobre as condições e pressupostos de direito de que depende a descaracterização, sendo que o ónus da prova da descaracterização do acidente de trabalho cabe a quem – empregador e/ou segurador – a invoca. Veja-se, a este propósito, o Acórdão deste Tribunal de 06/07/2017, proferido no processo n.º 1637/14.6T8VFX.L1.S1 (Relator Conselheiro Ferreira Pinto), em cujo sumário se pode ler que “tendo-se provado apenas que o sinistrado estava em cima de um escadote, sem arnês de segurança, a reparar uma unidade de frio e que se desequilibrou, caindo ao chão de cabeça, sofrendo lesões que lhe causaram a morte, não pode o acidente ser descaracterizado, pois não se provou inexistir causa justificativa para aquele comportamento omissivo” e “prova essa que competia quer á empregadora quer à seguradora, como entidades responsáveis pela reparação do acidente por serem factos conducentes à sua descaracterização e, por isso, impeditivos do direito invocado pelos beneficiários legais do falecido sinistrado”. Verifica-se, assim, a referida nulidade.

[MTS]