"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



10/02/2021

Jurisprudência 2020 (145)


Processos de jurisdição voluntária: recursos:
admissibilidade; impugnação da matéria de facto


1. O sumário de STJ 2/6/2020 (1678/12.8TBMCN.P2.S2) é o seguinte:

- Os ónus primários descritos nas três alíneas do n.º 1 do artigo 640º são indispensáveis à concretização do objecto da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

- O incumprimento de qualquer um deles implica a imediata rejeição do recurso de apelação, nos termos da referida norma.


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"a.1.

Começaremos por abordar a questão da admissibilidade da revista, na dupla vertente invocada pelo recorrente: artigos 674º, n.º 1, alínea c) e artigo 629º, n.º 2, alínea d), ambos do CPC[3].

Segundo a alínea c) do n.º 1 do artigo 674º, a revista pode ter por fundamento as nulidades previstas nos artigos 615º e 666º.

É nesse contexto que o recorrente imputa ao acórdão recorrido a nulidade de omissão de pronúncia, “por ausência de emissão de um juízo apreciativo” sobre as questões de facto referidas nos pontos E., F. e G. – cfr. conclusões 1. a 13.

Salvo o devido respeito, o problema não pode apresentar-se nesses termos.

O que aconteceu foi que a Relação do Porto, considerando não ter o recorrente cumprido o ónus de impugnação previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 640º, rejeitou, nessa parte, o recurso de apelação.

Ora, o processo especial de destituição de titulares de órgãos sociais (artigos 1053º e seguintes), sendo de jurisdição voluntária, não admite, em regra, recurso para o STJ por estarem em causa decisões proferidas segundo a equidade e não segundo critérios de legalidade estrita – artigo 988º, n.º 2. Todavia, quando os fundamentos do recurso não se confinem ou esgotem na formulação do juízo prudencial ou casuístico e se estendam à apreciação dos critérios normativos de estrita legalidade, conformadora da decisão impugnada, aí é possível a intervenção do STJ, cabendo-lhe o papel de avaliar se foram cumpridos os preceitos legais subjacentes à decisão.

É precisamente disso que se trata quando o recorrente coloca em causa a forma como o tribunal recorrido interpretou a norma da alínea c) do n.º 1 do artigo 640º, que levou à rejeição do recurso quanto à impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

Esta questão, de natureza processual, foi apreciada ex novo pela Relação e constitui fundamento para a interposição de recurso de revista, nos termos do artigo 674º, n.º 1, alínea b), disposição na qual se prevê a possibilidade de recurso de revista com base na violação ou errada aplicação da lei do processo.

Por isso, mostrando-se verificados os pressupostos gerais de recorribilidade, o acórdão recorrido é susceptível de ser impugnado em revista normal, no segmento em causa (rejeição da impugnação da matéria de facto), com fundamento na alegada violação ou errada aplicação da lei de processo.

Mais à frente veremos se procedem as razões do recurso assim admitido.

a.2.

Mas, se a revista é admissível nos termos acabados de expor, já não o será com base na disposição da alínea d) do n.º 2 do artigo 629º.

À parte que interponha recurso com fundamento em conflito jurisprudencial, obriga o artigo 637º, n.º 2, que junte, sob pena de imediata rejeição, cópia, ainda que não certificada, do acórdão fundamento.

Ora, a verdade é que o recorrente nada juntou, limitando-se a indicar como fundamento do conflito jurisprudencial o acórdão da Relação de Lisboa de 06.12.2012, proferido no processo n.º 1394/11.8TYSB.L1-8 (cfr. conclusão 15.).

E reiterou o incumprimento dessa obrigação quando, depois de convidado por despacho do Ex.º Desembargador Relator de fls. 1876 para juntar cópia do acórdão fundamento, se limitou a dizer que o dito acórdão era consultável em www.dgsi.pt., desconhecendo-se, até, se a respectiva decisão transitou em julgado ou se foi contrariada por decisão do STJ – cfr. fls. 1877 a 1879.

É tão evidente a falha cometida pelo recorrente como a consequência que lhe está associada.

A exigência de apresentação de cópia, ainda que não certificada, do acórdão fundamento transitado em julgado, representa um esforço mínimo para o recorrente, constituindo um ónus processual de fácil cumprimento em situações em que, por regra, o recurso de revista não é admissível. Quando nem isto se cumpre a consequência é a imediata rejeição do recurso, conforme expressamente previsto na norma do artigo 637º. Consequentemente, rejeita-se a revista com o referido fundamento."

[MTS]