AECOP;
título executivo; oposição à execução
I - A decisão judicial que conferiu força executiva à petição inicial apresentada em sede de ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias ao abrigo do art. 2º do Anexo ao Dec. Lei n.º 269/98, de 01/09, constituiu uma sentença condenatória.
II - Há uma significativa diferença entre o requerimento de injunção com fórmula executória e uma decisão judicial a conferir força executiva à petição.
III - Na base desta distinção está o carácter não jurisdicional do procedimento de injunção, já no caso de decisão judicial que conferiu força executiva à petição, há um controlo jurisdicional que ocorre antes da formação do título executivo.
IV - Daí que, ao restringir os fundamentos da oposição quando a execução for fundada em decisão judicial que conferiu força executiva à petição, ao equipará-la a uma decisão condenatória, o legislador visou impedir a repetição da apreciação de questões que já foram ou deveriam ter sido invocadas em sede declarativa, salvaguardando-se ainda o respeito pela certeza e segurança jurídica em termos de evitar, até, a prolação de decisões judiciais contraditórias.
V - A admissibilidade da oposição à penhora pressupõe que tenham sido penhorados bens pertencentes ao executado e não a terceiro.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"No caso, não se questiona que o título executivo seja uma sentença condenatória.
O que a Recorrente questiona é que tendo invocado a nulidade do título executivo por ser inexistente e ineficaz, tal fundamento enquadra-se na al. a) do art. 729.º e como tal a oposição deveria ser recebida, e, por outro lado, tratando-se de uma sentença proferida no âmbito de uma ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias ao abrigo do DL 269/98 de 1 de Setembro, podem ser alegados quaisquer fundamentos que possam ser invocados como defesa no processo de declaração, por interpretação contrária ser inconstitucional por violação do princípio da confiança e proibição da indefesa.
Apreciemos, então, os dois segmentos do recurso.
Títulos executivos são tão só e apenas os indicados na lei, no art. 703.º do Código de Processo Civil, trata-se de enumeração taxativa, sujeita à regra da tipicidade(1), ficando assim subtraída à disponibilidade das partes a atribuição de força executiva a documento relativamente ao qual a lei não reconheça esse atributo, do mesmo modo que fica defeso negar tal força ao documento se ela for reconhecida pela lei.
Entre eles figuram as sentenças condenatórias.
Por sentença condenatória deve entender-se qualquer decisão judicial proferida no decurso da tramitação de um processo, mesmo que contendo apenas um segmento de condenação, podendo esta ocorrer em processos tramitados pelo tribunal cível, laboral, criminar e julgados de paz ou decorrer de decisão arbitral.
Nelas se inclui a decisão judicial que conferiu força executiva à petição inicial apresentada em sede de ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, ao abrigo do art. 2º do Anexo ao Dec. Lei n.º 269/98, de 01/09 (...).
Aqui chegados, importa apreciar se no caso se verifica a inexistência ou inexequibilidade do título (art. 729º, al. a), do Código de Processo Civil).
A ação executiva só pode ser intentada se tiver por base um título executivo, o qual, além de documentar os factos jurídicos que constituem a causa de pedir da pretensão deduzida pelo exequente, confere igualmente o grau de certeza necessário para que sejam aplicadas medidas coercivas contra o executado. Neste sentido, o título executivo consiste no meio probatório da relação jurídica que constitui a génese do vínculo obrigacional que liga o exequente ao executado (...), isto é, o documento enquanto materialização ou corporização de um direito ou pretensão exequível.
A inexequibilidade do título executivo reporta-se à falta de pressupostos processuais específicos (...) e não a vícios relativos à exequibilidade da pretensão formulada.
No âmbito da ação executiva importa distinguir entre exequibilidade do título e exequibilidade da pretensão exequenda, isto é, entre exequibilidade da pretensão incorporada ou materializada no título (exequibilidade extrínseca) e validade ou eficácia do ato ou negócio nele titulado (exequibilidade intrínseca).
A inexequibilidade do título executivo decorre do não preenchimento dos requisitos para que um documento possa desempenhar essa função específica, a inexequibilidade da pretensão baseia-se em qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo do dever de prestar (...).
Apresenta-se manifesto que a Recorrente confunde a exequibilidade do título executivo com o mérito da decisão judicial que serve de título executivo.
Como refere Marco Gonçalves (In “Lições de Processo civil executivo”, págs. 58 a 64), a inexequibilidade coincide com a não verificação dos pressupostos dos arts. 703.º a 708.º do Código de Processo Civil. Assim, será inexequível a sentença que: não contenha uma ordem de prestação ou condenação; não esteja assinada pelo Juiz; esteja pendente de recurso com efeito suspensivo; tenha sido revogada em recurso, ordinário ou extraordinário; sendo estrangeira não tenha sido revista e confirmada pela Relação.
Analisado o título dado à execução, conclui-se pela existência de título executivo, sentença condenatória, o qual contém todos os requisitos de exequibilidade.
Num outro prisma, considerando a alegação da Recorrente - nenhuma pessoa com responsabilidades na empresa assinou a declaração ou recebeu a fatura que foram juntos na ação declarativa, desconhecendo a relação subjacente aí alegada, e que, portanto, a executa/embargante não tem a posição de devedora - o fundamento da oposição radica na inexistência da obrigação exequenda.
A obrigação exequenda há-de ser a obrigação que a exequente faz valer através da ação executiva e que esteja representada no título. Os elementos constitutivos da obrigação são os sujeitos, o objeto e o vínculo, pois só o credor tem direito à prestação, e esta só do devedor pode ser exigida (...).
No caso, consiste a obrigação em a executada dever pagar à exequente a quantia de €10.146,91 (dez mil cento e quarenta e seis euros e noventa e um cêntimos), acrescida de juros de mora. Tanto a pessoa do credor como a pessoa do devedor estão devidamente determinadas no próprio título.
Nesta conformidade, improcede este segmento da oposição, sendo que a alusão ao fundamento constante da al. g) do art. 729º, qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, também falece, pois que haveria de ser posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e ser provado por documento.
A Recorrente invoca, por fim, que constituindo o título executivo uma decisão proferida no âmbito de uma ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias ao abrigo do DL 269/98 de 1 de Setembro, não se aplicam as restrições ínsitas no art. 729.º do Código de Processo Civil, por violação do princípio da confiança e proibição da indefesa.
O título dado à presente execução corresponde a uma decisão judicial que conferiu força executiva à petição inicial, nos termos do art. 2º Anexo ao DL 269/98 de 1 de Setembro.
A compreensão da natureza do título executivo e a força vinculativa que o mesmo reveste, passa por ter presente a finalidade que esteve base da criação deste tipo de ações.
O citado diploma legal foi criado no domínio do cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos que não excedam o valor da alçada dos tribunais de 1.ª instância, num espírito de desjudicialização e de consensualidade dum certo tipo de litígios, de simplificação, de remoção de obstáculos processuais, em consonância com a normal simplicidade desse tipo de acções (...).
A ação especial de condenação destinada a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior ao da alçada da Relação (por referência à data da instauração da ação) visa, como é característico das ações condenatórias, um duplo objetivo: o reconhecimento do direito a uma prestação pecuniária e a imposição ao réu devedor do cumprimento dessa prestação (art. 1.º do DL 269/98, de 1/09).
Mas essa prestação só pode ter um objeto: a entrega de dinheiro. Há-de, portanto, tratar-se de uma obrigação pecuniária e a única fonte admissível dessa obrigação é um contrato ou contratos.
Por estar em causa o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de um contrato e atento o seu valor, a Autora (ora Exequente e Apelada) instaurou contra a Ré (ora Executada e Apelante) uma ação especial no âmbito do Dec. Lei nº 269/98, de 1.09, pedindo a condenação da Ré no pagamento da quantia de €10.146,91 (dez mil cento e quarenta e seis euros e noventa e um cêntimos), acrescida de juros de mora.
A Ré pessoalmente citada, não contestou, pelo que, nos termos do disposto no art. 2.º do Anexo ao Dec. Lei nº 269/98, por não ocorrerem, de forma evidente, exceções dilatórias e o pedido não ser manifestamente improcedente, o tribunal da 1ª instância limitou-se a conferir força executiva à petição inicial.
Prevê a citada norma que "se o réu, citado pessoalmente, não contestar, o juiz, com valor de decisão condenatória, limitar-se-á a conferir força executiva à petição, a não ser que ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias ou que o pedido seja manifestamente improcedente". Como pode ler-se no acórdão desta Relação de Guimarães de 12/10/2017, "com o segmento final do citado preceito pretendeu o legislador permitir ao juiz o conhecimento de mérito em caso de revelia operante, por abstenção definitiva de contestação. Nessa conformidade, cabe ao juiz, verificada a regularidade da citação, analisar a petição inicial para aferir se se verificam excepções dilatórias e se o direito invocado deve ser reconhecido. E se da análise da petição inicial resultar a convicção de que o autor não tem o direito que se arroga, deve julgar o pedido improcedente, ainda que a construção jurídica defendida pelo autor seja defensável. Na verdade, pela circunstância de inexistir contestação às pretensões deduzidas em juízo não se impõe necessária e automaticamente que o julgador confira a mencionada força executiva à petição (...).
Não decorre da norma em análise um regime cominatório pleno e automático pela falta de defesa do réu, já que pode ocorrer recusa da fórmula executória, caso se verifiquem, de forma evidente, exceções dilatórias ou se o pedido for manifestamente improcedente (...).
A decisão assim formada é uma decisão judicial, com valor de sentença.
Há com efeito uma significativa diferença entre o requerimento de injunção com fórmula executória e uma decisão judicial a conferir força executiva à petição.
Na base desta distinção, para efeitos da extensão da sua força executiva, está o carácter não jurisdicional do procedimento de injunção, bem como a inexistência de uma ação declarativa em que o executado tivesse oportunidade de se defender devidamente da pretensão do requerente (...).
Por essa razão, o Tribunal Constitucional concluiu que a restrição dos fundamentos de oposição à execução baseada em requerimento de injunção com fórmula executória não pondera devidamente o direito de defesa do executado e afeta desproporcionalmente a garantia de acesso ao direito e aos tribunais. Por outro lado, também alerta para a diferente natureza da atuação do secretário judicial e do juiz, pois que, enquanto a sentença implica o exercício de uma função jurisdicional, o mesmo já não se pode dizer da aposição de fórmula executória.
Com base nestes argumentos declara inconstitucional, com força obrigatória geral, o art. 814.°, n.° 2, do Código de Processo Civil, na parte em que limita os fundamentos de oposição à execução assente em requerimento de injunção com fórmula executória (Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 388/2013, de 9 de julho, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Na verdade, o carácter taxativo dos fundamentos de oposição à execução de sentenças judiciais contrastava com a amplitude da oposição à execução assente em outros títulos executivos, que se traduz sobretudo na possibilidade de alegar quaisquer meios de defesa admissíveis no âmbito da ação declarativa.
Já no caso de decisão judicial que conferiu força executiva à petição apresentada na ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, há uma intervenção judicial que ocorre antes da formação do título executivo. Nesta situação, há um controlo jurisdicional, cabendo ao juiz verificar a regularidade da citação, a ocorrência de exceções dilatórias e se o direito invocado deve ser reconhecido.
Daí que, ao restringir os fundamentos da oposição quando a execução for fundada em decisão judicial que conferiu força executiva à petição, ao equipará-la a uma decisão condenatória, o legislador visou impedir a repetição da apreciação de questões que já foram ou deveriam ter sido invocadas em sede declarativa, salvaguardando-se ainda o respeito pela certeza e segurança jurídica em termos de evitar, até, a prolação de decisões judiciais contraditórias.
Não há aqui qualquer violação ou restrição a princípios constitucionais, mormente, o invocado princípio da confiança e da proibição da indefesa."
[MTS]