"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



23/02/2021

Jurisprudência 2020 (154)


Litigância de má fé;
indemnização


1. O sumário de RC 23/6/2020 (2374/19.0T8VIS-A.C1) é o seguinte:

I - No que respeita à fixação da indemnização por litigância de má fé, nos termos do disposto nos n.º 2 e 3 do artigo 543.º do C.P.C., o juiz «com prudente arbítrio», «opta pela indemnização que julgue mais adequada», segundo «o que parecer razoável», depois de «ouvidas as partes», o que implica que não se exija produção formal de provas como ocorre na audiência de julgamento.

II - O prudente arbítrio, a razoabilidade, arrancam de uma correspondência entre o que se tem por razoável e a realidade histórica e esta, na falta de produção de provas, obtém-se apelando aos dados que constam do processo, às alegações das partes, ao que é comum acontecer na vida quotidiana, às regras da experiência.

III – Se o mesmo interesse económico for suscetível de ser tutelado por mais que uma norma, o titular do interesse/direito pode optar por qualquer delas, ficando precludida a outra via.

IV - A indemnização originada pela litigância de má fé não está limitada ao valor fixado para a respetiva multa.

V – Os honorários de advogado são fixados tendo em consideração os critérios estabelecidos no Estatuto da Ordem dos Advogados (artigo 105.º) e não se acordo com os montantes estabelecidos na Portaria n.º 1386/2004 de 10 de novembro para o apoio judiciário.


2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"1 – A primeira questão colocada respeita à determinação do valor a arbitrar em sede de compensação de honorários ao mandatário.

O Código de Processo Civil determina nos seus n.º 2 e 3 do artigo 543.º o seguinte:

«2 - O juiz opta pela indemnização que julgue mais adequada à conduta do litigante de má-fé, fixando-a sempre em quantia certa.

3 - Se não houver elementos para se fixar logo na sentença a importância da indemnização, são ouvidas as partes e fixa-se depois, com prudente arbítrio, o que parecer razoável, podendo reduzir-se aos justos limites as verbas de despesas e de honorários apresentadas pela parte».

A indemnização é fixada, por conseguinte, segundo o prudente arbítrio do tribunal, segundo um juízo de razoabilidade.

Não se trata, pois, de indemnizar os danos segundo os critérios civilísticos consagrados no artigo 562.º do Código Civil, onde se dispõe que «Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação».

A recorrente argumenta que o valor base dos honorários a ter em linha de conta para este efeito, tem por base a tabela dos honorários praticados no âmbito do Acesso ao Direito, matéria esta que é regulada pela Portaria n.º 1386/2004 e segundo estes critérios os honorários seriam de €204,00 pela providência propriamente dita; € 229,50 pelo recurso de apelação e €229,50 pelo recurso de revista, tudo num total de € 663,00, que acrescido de IVA perfazia o valor de € 815,49.

Não se acompanha a recorrente, porquanto se esse fosse o critério querido pelo legislador, este tê-lo-ia dito no artigo 543.º do C.P.C. ou em outra disposição apropriada para o efeito, mas não o disse.

Tem-se entendido, sim, que os honorários aqui em questão são os honorários correntes, fixados nos termos do Estatuto da Ordem dos advogados (artigo 105.º do Estatuto, aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 09 de setembro).

No acórdão do S.T.J. de 10-07-2007, acima já citado, onde o valor dos honorários foi fixado em valor da €2 500,00, considerou-se, seguindo esta linha de pensamento que «Quanto ao montante dos honorários a fixar, ambos os recorridos referem nas suas alegações que o montante estabelecido deve fazer-se segundo o critério estabelecido no art.º 100.º do E.O.A. (…). Consideramos por isso, como se deixa dito, que o valor dos honorários deve ser fixado em função do trabalho desenvolvido no processo, independentemente do número de advogados que neles intervêm (…)».

(No mesmo sentido cfr. acórdão do TRP de 13-02-2017, no processo 3006/05.0TBGDM.P3 (Manuel Domingos Fernandes).

Na decisão recorrida entendeu-se que «… a má fé da requerente obrigou os requeridos a litigar na presente providência, assim realizando despesas com os honorários do ilustre mandatário que tiveram de constituir, aí se incluindo também as despesas inerentes ao mandato. Tais honorários e despesas suportadas pelo mandatário, liquidados no valor de €2.535,00, são naturalmente devidos, não se revelando, na nossa perspetiva, exagerados».

Concorda-se com esta ponderação.

Com efeito, os requeridos foram demandados e para obterem o levantamento do arresto que foi decretado tiveram de deduzir oposição e participar na audiência de julgamento que se seguiu.

Existiu aqui todo o trabalho que é próprio de uma contestação, que no caso ocupou 22 páginas, tendo-se tratado, dadas as particularidades do caso, de um trabalho de dificuldade mediana.

Posteriormente, a aposição foi sustentada com êxito em audiência contraditória perante o juiz, tendo ocorrido duas sessões de julgamento: a primeira no dia 15 de maio de 2017, altura em que foi realizada uma inspeção ao local e ordenada uma peritagem, e a segunda em 15 de setembro de 2017, no âmbito da qual foram inquiridas as testemunhas apresentadas com a oposição.

Tendo obtido ganho de causa, ou seja, o levantamento do arresto, os requeridos tiveram ainda que contra-alegar no âmbito do recurso interposto pela requerente para o Tribunal da Relação de Coimbra, tribunal que confirmou a decisão da 1.ª instância.

Posteriormente, os requeridos contra-alegaram no recurso que a requerente interpôs para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual não conheceu do mérito da causa porquanto julgou o recurso inadmissível.

Posteriormente, a 1.ª instância fixou a indemnização relativa à indemnização dos danos gerados pela litigância de má fé.

Houve novo recurso, o presente, não tendo os requeridos apresentado alegações.

Verifica-se, pelo exposto, que os requeridos tiveram que desenvolver uma atividade processual relevante, com elaboração e três importantes peças processuais (oposição e contra-alegações para a Relação e Supremo Tribunal de Justiça), estiveram em duas sessões de julgamento.

[Esta Relação já fixou verba semelhante num caso em que houve recurso até ao STJ: «…4. - Os honorários, retribuição do contrato de mandato forense, que se presume oneroso, devem ser adequados à quantidade, complexidade e qualidade do concreto serviço prestado pelo mandatário judicial, um especialista em matérias jurídicas/processuais.

5. - Perante trabalho forense de algum relevo, seja em termos quantitativos, seja no âmbito qualitativo, em matérias com alguma complexidade (direitos reais), em que foram interpostos recursos, até ao STJ, o que não impediu a parte patrocinada de obter ganho de causa, com o respetivo advogado a acompanhar todas as fases do processo, é adequada, por prudente, razoável e proporcional, a fixação do montante indemnizatório por honorários forenses em €2.400,00, acrescidos de IVA» - Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22-11-2016, no processo 79/13.5TBTCS.C2, relatado pelo aqui 1.º adjunto].

Atendendo, pois, à dificuldade do assunto e trabalho desenvolvido, os honorários fixados não são excessivos, cumprindo manter nesta parte o decidido em 1.ª instância.

2 – Passando à determinação do valor a atribuir a título de compensação para pagamento de despesas de deslocação e alimentação das testemunhas.

Já acima se referiu que o mesmo interesse jurídico pode ser tutelado pelo direito através de normas ou institutos concorrentes, sucedendo apenas que satisfeita a pretensão através de uma via, não pode ser repetida, duplicada.

Assim, embora as testemunhas possam pedir o pagamento das despesas de deslocação e uma indemnização equitativa, como dispõe o artigo 525.º do C.P.C., isso não impede que a própria parte tome a iniciativa de resguardar as testemunhas que ela mesma indica da realização de despesas com a vinda a tribunal, como sejam as deslocações e refeições, se for caso disso.

Talvez não seja conveniente este modo de proceder, mas dada a frequência do pedido de reembolso deste tipo de despesas em situações como a dos autos, é de concluir que estaremos perante uma «tradição» ou hábito enraizado na sociedade e que é visto como adequado, ou seja, a parte que carece de indicar testemunhas para virem depor em tribunal contata-as e compromete-se tacita ou expressamente no sentido de estas não ficarem sujeitas a despesas com deslocações e alimentação.

Como se referiu, não será o procedimento mais saudável, mas será o habitual e considerado correto.

Dado que as testemunhas não pediram qualquer compensação, fica aberto o caminho para conceder essa compensação à parte que a pede por ter realizado tais despesas.

Claro que se colocam questões de prova no sentido de se mostrar que tais despesas foram feitas.

Neste aspeto, afigura-se que que o tribunal está autorizado a julgar segundo critérios de razoabilidade, de prudência, enfim de equidade, porquanto é isso que os n.º 2 e 3 do artigo 543.º do CPC pretendem, ao referirem que o juiz «opta pela indemnização que julgue mais adequada», «com prudente arbítrio», «o que parecer razoável», depois de serem «ouvidas as partes».

Ora, o prudente arbítrio e a razoabilidade para se tornarem efetivos carecem de arrancar de uma correspondência entre o que se tem por razoável e a realidade histórica e esta, na falta de produção de provas, obtém-se apelando ao que é comum acontecer na vida quotidiana, às regras da experiência [Friedrich Stein definiu as regras de experiência deste modo: «São definições ou juízos hipotéticos de conteúdo geral, desligados dos factos concretos que se julgam no processo, procedentes da experiência, mas independentes dos casos particulares de cuja observação foram inferidas e que, para além destes casos, pretendem ter validade para outros casos novos» - El Conocimiento Privado del Juez (1893). Madrid: Editorial Centro de Estúdios Ramón Areces, 1990, pág. 22].

Ora, neste caso, como já se referiu, faz parte da experiência comum que a parte que contacta testemunhas para deporem em tribunal, não pretende que as testemunhas além de se disponibilizarem para auxiliar à realização da justiça ainda tenham que fazer despesas, nem as testemunhas, em regra, dependendo da situação económica, esperam fazê-las, pelo que é adequado que a parte providencie pela respetiva deslocação e alimentação e se supõe ser prática corrente.

Ora, no caso dos autos resulta que as testemunhas se deslocaram nos dias 15 de maio de 2017 (ata de fls. 155), data em que compareceram cinco testemunhas dos requeridos, às 9.30 horas, e em 15 de setembro de 2017 (ata de fls. 209), data em que compareceram quatro testemunhas dos requeridos, tendo a diligência terminado às 13:00 horas.

Considerando as deslocações nestes dois dias e o facto da segunda sessão ter terminado à hora de almoço, em Viseu, é de considerar como certo, como histórico, que as testemunhas almoçaram em algum estabelecimento de restauração e tenham sido os requeridos a suportar as despesas.

Por conseguinte, o montante de €100,00 pedido afigura-se razoável para cobrir as despesas de deslocação e alimentação dessas pessoas."

[MTS]