"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



10/12/2021

Jurisprudência 2021 (94)


Processo de inventário;
crédito de tornas; execução


1. O sumário de RC 18/5/2021 (976/20.1T8ANS-A.C1) é o seguinte:

I – Do regime aplicável ao processo de inventário onde corre a execução de que a presente oposição emana, foram os interessados notificados para requererem a composição dos seus quinhões ou reclamarem o pagamento das tornas, concedendo-lhes a lei - art.º 1377º, n.º 1 do C. P. Civil - o direito de optar por uma das duas situações para o preencher o seu quinhão: receber tornas ou requerer a adjudicação das verbas licitadas em excesso pelo devedor de tornas.

II - No caso de não serem pagas as tornas devidas, o art.º 1378º, n.ºs 2 e 3, do C. P. Civil/61 preceitua:

2 - Não sendo efetuado o depósito, podem os requerentes pedir que das verbas destinadas ao devedor lhes sejam adjudicadas, pelo valor constante da informação prevista no artigo 1376.º, as que escolherem e sejam necessárias para preenchimento das suas quotas, contanto que depositem imediatamente a importância das tornas que, por virtude da adjudicação, tenham de pagar, sendo neste caso aplicável o disposto no n.º 4 do artigo anterior.

3 - Podem também os requerentes pedir que, tornando-se definitiva a decisão de partilha, se proceda no mesmo processo à venda dos bens adjudicados ao devedor até onde seja necessário para o pagamento das tornas.

III - Este procedimento para a obtenção da satisfação do crédito de tornas constitui uma forma de execução especial mais expedita e fácil, que apenas incide sobre os bens adjudicados em excesso ao devedor de tornas, evitando o recurso ao processo executivo comum, limitando, no entanto, o património que responde por essa dívida aos bens adjudicados ou ao seu valor.

IV - Esta forma de execução não é impositiva para o credor, podendo o mesmo optar entre esta forma executiva e a execução comum para pagamento de quantia certa.

V - Uma das formas de extinção das obrigações que a lei contempla é a compensação, estatuindo o artigo 847.º do Código Civil que quando duas pessoas estejam reciprocamente obrigadas a entregar coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade, é admissível que as respetivas obrigações sejam extintas, total ou parcialmente, pela dispensa de ambas de realizarem as suas prestações ou pela dedução a uma das prestações da prestação devida pela outra parte.

VI - A compensação traduz-se na extinção de duas obrigações, sendo o credor de uma delas devedor na outra e o credor desta última devedor na primeira.

VII - Diz-se judicialmente exigível a obrigação que, não sendo voluntariamente cumprida, dá direito à ação de cumprimento e à execução do património do devedor (artigo 817.º) – requisito que não se verifica nas obrigações naturais (artigo 402.º), por uma razão, nem nas obrigações sob condição ou a termo, quando a condição ainda se não tenha verificado ou o prazo ainda se não tenha vencido, por outra.

VIII - O requisito da exigibilidade judicial do crédito não se reporta a créditos já reconhecidos por via judicial, bastando, desde logo, que o contra-crédito esteja reconhecido pela contraparte, ou que seja suscetível de ser reconhecido em ação de cumprimento, podendo vir a ser declarado na própria oposição à execução.

IX - Ou seja, exigibilidade judicial e reconhecimento judicial são realidades distintas, sendo apenas a primeiro requisito para a declaração de compensação.


2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"2. Erro na forma do processo

A Exequente, servindo-se de uma sentença homologatória de partilha prolatada num inventário para separação de meações que correu termos na sequência do divórcio decretado entre si e o Executado, instaurou execução dessa decisão com vista à obtenção do pagamento da quantia de €34.290,00, correspondendo ao capital o montante de €30.290,00, a juros moratórios €1.842,30 e a juros compulsórios €2.174,24, valor correspondente às tornas que lhe são devidas.

O Executado na sua oposição invocou o erro na forma do processo, defendendo que a Exequente só se poderia socorrer do mecanismo processual previsto no processo de inventário e nunca da execução sob a forma comum.

Na 1ª instância foi julgado que a existência de um procedimento especial para a satisfação das tornas devidas não impede o credor de se socorrer da ação executiva em detrimento daquele, com a limitação que ocorre na forma especial, de nesta forma só responderem os bens adjudicados ao executado no inventário.

Estamos perante uma execução de sentença para pagamento de quantia certa, com processo comum, que corre por apenso aos autos onde foi proferida a decisão a executar e que segue a forma ordinária prevista nos art.º 550º do C. P. Civil.

Do regime aplicável ao processo de inventário onde corre a execução de que a presente oposição resulta, foram os interessados notificados para requererem a composição dos seus quinhões ou reclamar o pagamento das tornas, concedendo-lhes a lei - art.º 1377º, n.º 1 do C. P. Civil   - o direito de optar por uma das duas situações para o preencher o seu quinhão: receber tornas ou a adjudicação das verbas licitadas em excesso pelo devedor de tornas.

No caso de não serem pagas as tornas devidas, o art.º 1378º, n.ºs 2 e 3, do C. P. Civil preceitua:

2 - Não sendo efectuado o depósito, podem os requerentes pedir que das verbas destinadas ao devedor lhes sejam adjudicadas, pelo valor constante da informação prevista no artigo 1376.º, as que escolherem e sejam necessárias para preenchimento das suas quotas, contanto que depositem imediatamente a importância das tornas que, por virtude da adjudicação, tenham de pagar, sendo neste caso aplicável o disposto no n.º 4 do artigo anterior.

3 - Podem também os requerentes pedir que, tornando-se definitiva a decisão de partilha, se proceda no mesmo processo à venda dos bens adjudicados ao devedor até onde seja necessário para o pagamento das tornas.

Este procedimento para a obtenção da satisfação do crédito de tornas constitui uma forma de execução especial mais expedita e fácil, que apenas incide sobre os bens adjudicados em excesso ao devedor de tornas, evitando o recurso ao processo executivo comum, limitando, no entanto, o património que responde por essa dívida aos bens adjudicados ou ao seu valor.
Esta forma de execução não é impositiva para o credor [Neste sentido: Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres in O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, ed. 2020, pág. 133-134, Almedina. E os seguintes Acórdãos: -- do S. T. J de 23.1.2020 acessível no ECLI, relatado por Maria da Graça Trigo que revogou a decisão proferida pelo T. R. P. em 9.5.2019 no processo 798.18.0T8PNF.P1. e referida pelo recorrente na motivação do seu recurso; -- T. R. G. de 28.10.2010 relatado por Antero Veiga; --T. R. P. de: 10.10.2019 relatado por Carlos Portela; 11.5.2020 relatado por Manuel Domingos Fernandes [...]]podendo o mesmo optar entre esta e a execução comum para pagamento de quantia certa, merecendo a nossa concordância o quanto a este respeito consta da decisão recorrida.

A este respeito consta do já mencionado acórdão do S. T. J. que aqui se transcreve:

A função desse procedimento circunscreve-se ao processo de inventário, sem afectar nem o conteúdo nem o objecto do direito de crédito dos aqui AA., pelo que, na parte em que o mesmo não foi satisfeito (e sem embargo dos casos em que a dívida de tornas seja da responsabilidade de ambos os cônjuges), respondem todos os bens do devedor, no caso a aqui R. NN, incluindo os bens que integram a sua meação nos bens comuns do casal constituído pelos aqui RR.

Esta orientação é aquela que se entende ser compatível com o facto de o crédito de tornas resultar do reconhecimento pela sentença homologatória da partilha, sendo o procedimento executivo do referido nº 3 do art. 1376º do antigo CPC um procedimento incidental e simplificado que não preclude a possibilidade de lançar mão da execução comum nem dos meios de conservação da garantia patrimonial…

Sendo a execução especial prevista no processo de inventário facultativa para o credor, podendo optar pela execução comum, impõe-se a conclusão do acerto da decisão proferida a este respeito."

[MTS]