Cumulação de inventários;
requisitos*
1. O sumário de RC 11/5/2021 (67/20.5T8LSA-A.C1) é o seguinte;
I - A cumulação de inventários não se reporta à partilha - caso em que poderia ser inadmissível nas situações de único interessado - mas antes ao iter processual do inventário; e assenta a sua ratio na conveniência da apreciação conjunta - por virtude de celeridade, economia de meios e decisão final mais justa - do objeto do processo, quando certos elementos, objetivos e subjetivos, de conexão entre os dois inventários – previstos no artº 1094.º do CPC - a aconselhem ou, até, imponham.
II - O cargo de cabeça de casal deve ser, prioritariamente, exercido – mesmo no caso de cumulação de inventários, e respeitada a hierarquia do artº 2080º do CC -, pelo interessado que, por razões objetivas ou subjetivas – familiares, de relacionamento pessoal, de conhecimento do acervo a partilhar, etc - maiores e melhores condições reúna para bem administrar e gerir tal acervo até à sua partilha.
2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"Estatui o artigo 1094.º do CPC, sob a epígrafe: Cumulação de inventários
1 - É admissível a cumulação de inventários para a partilha de heranças diversas quando:a) As pessoas por quem tenham de ser repartidos os bens sejam as mesmas;b) Se trate de heranças deixadas pelos dois cônjuges;c) Uma das partilhas esteja dependente da outra ou das outras.2 - No caso referido na alínea c) do número anterior:
a) Se a dependência for total, a cumulação é sempre admissível, por não haver, numa das partilhas, outros bens a adjudicar além dos que ao inventariado tenham de ser atribuídos na outra;b) Se a dependência for apenas parcial, o juiz pode indeferir a cumulação quando a mesma se afigure inconveniente para os interesses das partes ou para celeridade do processo, por haver outros bens a partilhar.
A cumulação de inventários justifica-se porquanto:
«Os interessados partilham num só processo duas ou mais heranças a que concorrem e reduzem com isso a sua intervenção, evitam a repetição de diligências, a possível fragmentação da propriedade e até o pagamento de custas mais avultadas.A actividade judiciária torna-se mais útil, porque de pronto esclarece as partilhas, são mais céleres o seu andamento e conclusão.O inventário toca mais cedo o seu termo e dai advêm vantagens para a administração de cada um, no pagamento das despesas, dos impostos e na cobrança das receitas.Resulta ainda uma partilha mais igualitária.Por outro lado, não se descortinam inconvenientes vultosos, que os direitos de todos em nada são preteridos com a cumulação, e aos intervenientes asseguram-se os mesmíssimos meios de defesa» - Lopes Cardoso, in Partilhas Judiciais, Vol. I, 4.ª edição. Almedina, 1990, pág. 192.
No caso da al. b) do nº 1 cabem aí as situações em que «se não procedeu a inventário por óbito do cônjuge predefunto» sendo que no caso desse preceito legal «não pode a cumulação deixar de ser ordenada quando requerida» - cfr. Autor e ob. Cits. pgs. 196 e 201.
No caso vertente.
A cumulação não pode deixar de ser deferida, e, ao menos essencialmente, pelas razões aduzidas pela recorrente.
Em segundo lugar porque se trata de heranças deixadas pelos dois cônjuges que feneceram sucessivamente sem que as partilhas a cada um deles atinentes se tenham verificado – al. b).
Sendo que, e como se viu, nestes casos só, quiçá, excecionalmente, e por razões mui ponderosas claramente explicitadas, tal cumulação deve ser arredada.
Em terceiro lugar porque, tanto quanto emerge do recurso e dos factos nele alegados pela recorrente - que devem, porque não contestados pela recorrida, ser dados como assentes -, existe uma relação de total dependência entre os dois inventários, já que numa das partilhas inexistem outros bens a adjudicar para além dos que ao inventariado tenham de ser atribuídos na outra.
Como se viu, o tribunal a quo afastou a cumulação com o argumento de que:
«…. a cumulação de inventários pressupõe a partilha de heranças diversas.Sendo este (que) relativamente à herança de M..., em relação à qual existe uma única e universal herdeira, então, não há necessidade de se proceder a inventário para partilha da mesma.O que importa, sim, é que a representante dessa herança, onde se integrou a quota devida por M... na herança do falecido M..., participe no presente inventário também nessa qualidade, o que foi feito. »
SDR não é assim.
A cumulação não pressupõe, ao menos necessariamente, a «partilha de heranças diversas».
O que ela pressupõe, é, apenas, e existência de um elo/nexo, subjetivo ou objetivo, de conexão entre os dois inventários que aconselhe, ou até imponha, a apreciação conjunta e unitária de todo o conspeto processual tramitado com vista à consecução de uma partilha justa e equitativa.
Destarte, e como alega a recorrente, o facto de, v. g., existir num inventário apenas um interessado único, não impede a emergência de inventário e consequente possível cumulação com outro inventário.
Tal o impõe o artº 2103º do CC, a saber:
«Havendo um único interessado, o inventário a que haja de proceder-se nos termos do n.º 2 do artigo anterior tem apenas por fim relacionar os bens e, eventualmente, servir de base à liquidação da herança.»
Sendo de notar que no próprio inventário-arrolamento se podem levantar questões controvertidas na relacionação ou liquidação.
Ora a lei reporta-se à cumulação de inventários e não à cumulação de partilhas, sendo estas a consequência daquele e reportando-se os benefícios da cumulação ao iter do processo de inventário que não, diretamente – posto quer indiretamente também tal se pretenda – à partilha.
Por conseguinte, o argumento de que o que importa e basta é a participação da interessada única da herança da M... nessa qualidade, outrossim não colhe.
No inventário partilham-se bens, real e objetivamente considerados.
Logo, existindo a necessidade, ou a possível necessidade, de uma apreciação relativamente ao acervo sucessório que possa colocar-se atenta, ou por referência, ao respetivo de cujus, ou numa ótica que possa contender ou ser influenciada, pela perspetivação de situações jurídicas ou direitos sucessórios a eles, individual ou dualmente consideradas, é óbvio que a sua dilucidação pelo mesmo juiz, a um tempo, e numa perspetiva global e unitária, é preferível a todos os títulos: de celeridade, de economia de meios e, quiçá, não de somenos, e como supra aludido, de uma partilha justa e equitativa – cfr. Ac. RC de 20.05.2020, p. 3311/12.9YXLSB-C.C1 in dgsi.pt.
No caso sub judice assim é ou deve ser.
Até porque, como refere a recorrente, ela é interessada, posto que em percentagens diversas, nas duas heranças e nos respetivos bens que as compõem e, ademais, titular de uma quota hereditária superior à da outra interessada."
*3. [Comentário] Segundo se percebe, o caso sub iudice é o seguinte:
-- Encontra-se pendente um inventário entre M[1] e F quanto à herança do de cuius M[2];
-- F requereu a cumulação do inventário da mulher do de cuius M[2];
-- O pedido de cumulação deste inventário foi indeferido pelo tribunal de 1.ª instância.
Tal como a RP afirmou, não se pode alegar "que a cumulação de inventários é despicienda, na medida em que sendo F... a única e universal herdeira de M[2]..., não se justifica uma ação de inventário". Da circunstância de haver uma única herdeira do de cuius M[2] não se segue a inutilidade ou impossibilidade do inventário da herança da mulher desse de cuius na modalidade de inventário-arrolamento ou inventário liquidação, nomeadamente porque este inventário pode ter relevância para a determinação da herança do de cuius M[2].
Por isso, tal como a RP dá a entender, a cumulação requerida era admissível segundo o disposto no art. 1094.º, n.º 1, al. b) e c), CPC.
Por isso, tal como a RP dá a entender, a cumulação requerida era admissível segundo o disposto no art. 1094.º, n.º 1, al. b) e c), CPC.
MTS