"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



13/12/2021

Jurisprudência 2021 (95)


Cumulação de inventários;
requisitos*


1. O sumário de RC 11/5/2021 (67/20.5T8LSA-A.C1) é o seguinte;

I - A cumulação de inventários não se reporta à partilha - caso em que poderia ser inadmissível nas situações de único interessado - mas antes ao iter processual do inventário; e assenta a sua ratio na conveniência da apreciação conjunta - por virtude de celeridade, economia de meios e decisão final mais justa - do objeto do processo, quando certos elementos, objetivos e subjetivos, de conexão entre os dois inventários – previstos no artº 1094.º do CPC - a aconselhem ou, até, imponham.

II - O cargo de cabeça de casal deve ser, prioritariamente, exercido – mesmo no caso de cumulação de inventários, e respeitada a hierarquia do artº 2080º do CC -, pelo interessado que, por razões objetivas ou subjetivas – familiares, de relacionamento pessoal, de conhecimento do acervo a partilhar, etc - maiores e melhores condições reúna para bem administrar e gerir tal acervo até à sua partilha.

2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"Estatui o artigo 1094.º do CPC, sob a epígrafe: Cumulação de inventários

1 - É admissível a cumulação de inventários para a partilha de heranças diversas quando:

a) As pessoas por quem tenham de ser repartidos os bens sejam as mesmas;

b) Se trate de heranças deixadas pelos dois cônjuges;

c) Uma das partilhas esteja dependente da outra ou das outras.

2 - No caso referido na alínea c) do número anterior:

a) Se a dependência for total, a cumulação é sempre admissível, por não haver, numa das partilhas, outros bens a adjudicar além dos que ao inventariado tenham de ser atribuídos na outra;

b) Se a dependência for apenas parcial, o juiz pode indeferir a cumulação quando a mesma se afigure inconveniente para os interesses das partes ou para celeridade do processo, por haver outros bens a partilhar.

A cumulação de inventários justifica-se porquanto:

«Os interessados partilham num só processo duas ou mais heranças a que concorrem e reduzem com isso a sua intervenção, evitam a repetição de diligências, a possível fragmentação da propriedade e até o pagamento de custas mais avultadas.

A actividade judiciária torna-se mais útil, porque de pronto esclarece as partilhas, são mais céleres o seu andamento e conclusão.

O inventário toca mais cedo o seu termo e dai advêm vantagens para a administração de cada um, no pagamento das despesas, dos impostos e na cobrança das receitas.

Resulta ainda uma partilha mais igualitária.

Por outro lado, não se descortinam inconvenientes vultosos, que os direitos de todos em nada são preteridos com a cumulação, e aos intervenientes asseguram-se os mesmíssimos meios de defesa» - Lopes Cardoso, in Partilhas Judiciais, Vol. I, 4.ª edição. Almedina, 1990, pág. 192.

No caso da al. b) do nº 1 cabem aí as situações em que «se não procedeu a inventário por óbito do cônjuge predefunto» sendo que no caso desse preceito legal «não pode a cumulação deixar de ser ordenada quando requerida» - cfr. Autor e ob. Cits. pgs. 196 e 201.

No caso vertente.

A cumulação não pode deixar de ser deferida, e, ao menos essencialmente, pelas razões aduzidas pela recorrente.

Em primeiro lugar porque as interessadas dos bens das duas heranças são as mesmas – al. a).

Em segundo lugar porque se trata de heranças deixadas pelos dois cônjuges que feneceram sucessivamente sem que as partilhas a cada um deles atinentes se tenham verificado – al. b).

Sendo que, e como se viu, nestes casos só, quiçá, excecionalmente, e por razões mui ponderosas claramente explicitadas, tal cumulação deve ser arredada.

Em terceiro lugar porque, tanto quanto emerge do recurso e dos factos nele alegados pela recorrente - que devem, porque não contestados pela recorrida, ser dados como assentes -, existe uma relação de total dependência entre os dois inventários, já que numa das partilhas inexistem outros bens a adjudicar para além dos que ao inventariado tenham de ser atribuídos na outra.

Como se viu, o tribunal a quo afastou a cumulação com o argumento de que:

«…. a cumulação de inventários pressupõe a partilha de heranças diversas.

Sendo este (que) relativamente à herança de M..., em relação à qual existe uma única e universal herdeira, então, não há necessidade de se proceder a inventário para partilha da mesma.

O que importa, sim, é que a representante dessa herança, onde se integrou a quota devida por M... na herança do falecido M..., participe no presente inventário também nessa qualidade, o que foi feito. »

SDR não é assim.

A cumulação não pressupõe, ao menos necessariamente, a «partilha de heranças diversas».

O que ela pressupõe, é, apenas, e existência de um elo/nexo, subjetivo ou objetivo, de conexão entre os dois inventários que aconselhe, ou até imponha, a apreciação conjunta e unitária de todo o conspeto processual tramitado com vista à consecução de uma partilha justa e equitativa.

Destarte, e como alega a recorrente, o facto de, v. g., existir num inventário apenas um interessado único, não impede a emergência de inventário e consequente possível cumulação com outro inventário.

Tal o impõe o artº 2103º do CC, a saber:

«Havendo um único interessado, o inventário a que haja de proceder-se nos termos do n.º 2 do artigo anterior tem apenas por fim relacionar os bens e, eventualmente, servir de base à liquidação da herança.»

Sendo de notar que no próprio inventário-arrolamento se podem levantar questões controvertidas na relacionação ou liquidação.

Ora a lei reporta-se à cumulação de inventários e não à cumulação de partilhas, sendo estas a consequência daquele e reportando-se os benefícios da cumulação ao iter do processo de inventário que não, diretamente – posto quer indiretamente também tal se pretenda – à partilha.

Por conseguinte, o argumento de que o que importa e basta é a participação da interessada única da herança da M... nessa qualidade, outrossim não colhe.

No inventário partilham-se bens, real e objetivamente considerados.

Logo, existindo a necessidade, ou a possível necessidade, de uma apreciação relativamente ao acervo sucessório que possa colocar-se atenta, ou por referência, ao respetivo de cujus, ou numa ótica que possa contender ou ser influenciada, pela perspetivação de situações jurídicas ou direitos sucessórios a eles, individual ou dualmente consideradas, é óbvio que a sua dilucidação pelo mesmo juiz, a um tempo, e numa perspetiva global e unitária, é preferível a todos os títulos: de celeridade, de economia de meios e, quiçá, não de somenos, e como supra aludido, de uma partilha justa e equitativa – cfr. Ac. RC de 20.05.2020, p. 3311/12.9YXLSB-C.C1 in dgsi.pt.

No caso sub judice assim é ou deve ser.

Até porque, como refere a recorrente, ela é interessada, posto que em percentagens diversas, nas duas heranças e nos respetivos bens que as compõem e, ademais, titular de uma quota hereditária superior à da outra interessada."


*3. [Comentário] Segundo se percebe, o caso sub iudice é o seguinte:

-- Encontra-se pendente um inventário entre M[1] e F quanto à herança do de cuius M[2];

-- F requereu a cumulação do inventário da mulher do de cuius M[2];

-- O pedido de cumulação deste inventário foi indeferido pelo tribunal de 1.ª instância. 

Tal como a RP afirmou, não se pode alegar "que a cumulação de inventários é despicienda, na medida em que sendo F... a única e universal herdeira de M[2]..., não se justifica uma ação de inventário". Da circunstância de haver uma única herdeira do de cuius M[2] não se segue a inutilidade ou impossibilidade do inventário da herança da mulher desse de cuius na modalidade de inventário-arrolamento ou inventário liquidação, nomeadamente porque este inventário pode ter relevância para a determinação da herança do de cuius M[2].

Por isso, tal como a RP dá a entender, a cumulação requerida era admissível segundo o disposto no art. 1094.º, n.º 1, al. b) e c), CPC.

MTS