Divórcio sem consentimento; conversão;
alimentos; casa de morada da família
I - O processo de divórcio sem consentimento, se depois de proposta a acção os cônjuges acordarem em se divorciar, esse acordo determina que, para ser decretado divórcio não tenha de ter lugar qualquer audiência para apreciar das eventuais razões apresentadas pelo cônjuge autor, bastando a homologação por sentença desse acordo de dissolução do casamento.
II - Os cônjuges, quer no divórcio por mútuo consentimento, quer no divórcio sem consentimento, podem estabelecer os acordos a que alude o art. 1755.º, n.º 1, do CC, os quais, nos termos do n.º 2 deste preceito, serão entendidos como destinados a vigorar mesmo para além do trânsito em julgado da decisão que decretar o divórcio, se deles não resultar o contrário.
III - Na acção de divórcio por mútuo consentimento – em que não tenham sido estabelecidos os acordos a que refere o art. 1755.º, n.º 1, do CC, ou em que tais acordos tenham sido considerados inaptos por não acautelarem os interesses dos cônjuges ou dos filhos – e na acção de divórcio sem consentimento em que os cônjuges tenham acordado quanto ao propósito de se divorciar, o tribunal pode nos termos do art. 931.º, n.º 7, do CPC, por iniciativa sua ou a requerimento do cônjuge, fixar alimentos e atribuir a utilização da casa de família, decisões que vigorarão apenas na pendência da acção e até ao trânsito em julgado da sentença que decrete o divórcio.
IV - Para serem fixados alimentos ao cônjuge e a utilização da casa de família que se destinem a vigorar para lá do trânsito em julgado da sentença que decrete o divórcio, têm de ser instauradas, respectivamente, acção comum e acção de jurisdição voluntária nos termos do art. 990.º do CPC.
V - Se em processo de divórcio sem consentimento em que os cônjuges estabeleceram acordo sobre o propósito de se divorciarem, o tribunal julgou improcedentes os pedidos do cônjuge no sentido de lhe serem fixados alimentos e atribuída a casa de família, em virtude de para lá do pedido aquela nada ter alegado para fundamentar a sua pretensão, depois de julgar esses pedidos improcedentes o juiz pode decretar o divórcio homologando aquele acordo.
VI - O poder o juiz ordenar realizar de [sic] diligências nos termos do art. 931.º, n.º 7, do CPC e 1778.º-A, n.º 4, do CC, resulta de ser da sua iniciativa fixar um regime provisório quanto a alimentos, à regulação das responsabilidades parentais ou quanto à utilização da casa de família, pois, se não o fez oficiosamente, cabe em regra a quem requeira essa fixação o ónus de alegar os factos e a presentar prova.
VII - Não tem fundamento legal pretender-se que, sem a requerente ter alegado quaisquer factos e apresentado qualquer prova e sem o juiz ter entendido como necessário fazê-lo por sua iniciativa, mesmo assim fosse designada audiência, uma vez que esta só tem lugar quando haja que realizar produção de prova.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"O divórcio litigioso/sem consentimento do art. 1779 CC tem como pressuposto ser o requerimento apresentado em tribunal apenas por um dos cônjuges que se pretende divorciar, não necessitando neste caso de conter quaisquer pedidos sobre as matérias aludidas no art. 1775 nº 1 do CC, seja quanto à relação de bens, às responsabilidades parentais, aos alimentos devidos ao cônjuge ou quanto ao destino da casa de morada de família. Neste processo, destinado a decretar o divórcio mediante a apreciação das causas de dissolução do casamento que sejam apresentadas, a lei determina que o juiz, na tentativa de conciliação que se realiza após o recebimento da petição e caso a acção esteja em condições de prosseguir, diligencie por obter acordo dos cônjuges para o divórcio por mútuo consentimento, quanto aos alimentos e quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais, procurando ainda acordo quanto à utilização da casa de família durante o período de pendência do processo, se for caso disso - art. 931 nº 2 do CPC. Todavia, a não obtenção desses acordos não impede que, mesmo sem eles, o processo prossiga - art. 931 nº 5 - e venha ser decretado o divórcio.
Ainda neste âmbito das matérias que envolvem o processo de divórcio, a lei substantiva prevê a possibilidade de os cônjuges pedirem que lhes seja atribuída a casa de morada de família em arrendamento, quer seja comum quer própria do outro - art. 1793 nº 1 CC -, o que impõe esclarecer o que [sic] pode, afinal, ser decidido no próprio processo de divórcio e o que tem lugar em processo autónomo.
Quando o art. 1778-A do CC determina que o tribunal decide “como se se tratasse de um divórcio sem consentimento” sobre as matérias do destino da casa de família, alimentos aos cônjuges e responsabilidades parentais é importante perceber como essas decisões se acomodam, ou não, no próprio processo de divórcio. E isto, como antes deixámos referido, tendo sempre presente que o art. 1775 nº 2 do CC deixa advertido que “Caso outra coisa não resulte dos documentos apresentados, entende-se que os acordos se destinam tanto ao período da pendência do processo como ao período posterior.”
[...] o art. 931 nº 7 do CPC prevê que o juiz por iniciativa sua ou a requerimento de qualquer das partes pode considerar conveniente fixar um regime provisório quanto a alimentos, quanto à regulação das responsabilidades parentais ou utilização da casa de morada de família, podendo ordenar a realização de diligências que julgue necessárias. [...]
No que importa à decisão a proferir, incidente sobre a atribuição da casa de morada de família e os alimentos, o cônjuge pode pedir que, no decurso da acção e para valer enquanto não é proferido o divórcio, lhe sejam fixados alimentos e atribuída a casa de morada de família e pode pedir também, como efeito do decretamento do divórcio, que lhe seja dado o arrendamento da mesma através do procedimento previsto no art. 990 do CPC, mas esses são procedimentos diferentes, quer na forma quer no conteúdo. O primeiro pretende uma regulação provisória e, nessa medida, com alcance meramente temporário, reporta tal provisoriedade à pendência do processo de divórcio - Cfr, neste sentido, Nuno de Salter Cid, in A protecção da casa de morada da família no direito português, Almedina, págs. 318 e 322, José António França Pitão e Gustavo França Pitão, in Código de Processo Civil Anotado, Quid Juris, tomo II, pág. 280, e António Santos Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, III Volume, Almedina, págs. 45 e 46.
Como reiteradamente o Supremo Tribunal de Justiça tem sublinhado e decidido, a fixação judicial da regulação provisória da utilização da casa de morada da família é caracterizável como um procedimento especialíssimo ou incidente do processo de divórcio, distinto do processo de jurisdição voluntária de atribuição da casa de morada da família, configurando o primeiro uma antecipação dos efeitos da composição definitiva do litígio que se alcançará no último. Além disso, apesar de não ser expressamente qualificado como tal, o primeiro tem vindo a ser considerado um procedimento cautelar específico do processo judicial de divórcio, encerrando, assim, as características basilares da tutela cautelar em que avulta a provisoriedade e a instrumentalidade da regulação judicialmente estabelecida - cfr., entre outros, os acórdãos de 26/04/2012 (proc. n.º 33/08.9TMBRG.G1.S1), e de 13/10/2016 (proc. n.º 135/12.7TBPBL-C.C1.S1), e o de 23-11-2017 no proc. 1448/15.1T8VNG.P2.S2 , in www.dgsi.pt.
A esta luz, julgamos que a regulação da utilização da casa de morada de família fixada no âmbito do processo de divórcio (como incidente), atenta a sua índole eminentemente cautelar de procedimento especialíssimo em que foi estabelecida, é desde logo insusceptível de constituir caso julgado e, uma vez que se venham a encontrar as partes definitivamente divorciadas, essa regulação provisória perde a sua eficácia. Os termos definitivos de uma atribuição/arrendamento da casa de morada de família só através do processo de jurisdição voluntária previsto no art.º 990 do CPC se pode obter.
A articulação entre os dois procedimentos referidos (o provisório do art. 931 nº 7 e o definitivo do art. 990) não só autoriza como impõe a conclusão de que, embora na actual legislação as consequências do divórcio devam ser apreciadas de forma global e integrada, o regime decorrente do art. 931.º do CPC, aplicável no âmbito do processo de divórcio por mútuo consentimento - cfr. art. 1778.º-A, n.º 3, do CPC - mesmo que este decorra por convolação do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges, não repele nem contende com o processo de jurisdição voluntária a que alude o art. 990.º do CPC, que está ao dispor dos interessados ou ex-cônjuges e cujos efeitos operam dissolvida que esteja a união conjugal ou de facto.
O procedimento posto em marcha por via do disposto no n.º 2 do art. 931.º do CPC, e o não exercício do direito de nele apresentar alegação ou oposição à alegação da contraparte, não impede o exercício do direito estabelecido no art. 990.º do CPC, nem ao processamento deste obsta a decisão final proferida no âmbito daquele. Como a este propósito se pronunciou Miguel Teixeira de Sousa “Não está em causa que o regime estabelecido no art. 931.º, n.º 2, CPC seja distinto daquele que se encontra no art. 990.º CPC. O que pode estar em causa é a possibilidade de num divórcio por mútuo consentimento se lançar mão do disposto no art. 990.º CPC. No entanto, esta dúvida é resolvida pelo disposto no art. 990.º, n.º 4, CPC: se estiver pendente ou tiver corrido acção de divórcio ou de separação, o pedido é deduzido por apenso". - cfr. blog IPPC https://blogippc.blogspot.com/2020/01/jurisprudencia-2019-155.html
Com estes esclarecimentos abordamos agora o objeto do recurso quanto a saber se, tendo o cônjuge autor apresentado petição para divórcio sem consentimento e declarando ambos na tentativa de conciliação a vontade de se divorciarem, tendo a cônjuge ré declarado pretender alimentos do outro e a atribuição da casa de morada de família, o divórcio pode ser decretado quando se tenham julgado improcedentes (sem audiência) estas pretensões com fundamento em a requerente não ter apresentando alegações nem prova.
No caso, o divórcio foi proposto nos termos do art. 931 do CPC, sem consentimento, e o autor não estava obrigado a diligenciar pela obtenção de qualquer acordo, fosse em que matérias fosse, para que os fundamentos do divórcio por si alegados viessem a poder ser julgados e a ser proferida decisão. E se o juiz entendesse (e não entendeu) que era conveniente fixar um regime provisório quanto a alimentos ou quanto à atribuição da casa de família (já que não existiam filhos) poderia diligenciar nesse sentido com a produção de prova e realização de outras diligências que considerasse necessárias. Porém, temos por assente que a diligência do juiz sobre essas matérias, a ter existido, apenas se poderia destinar a regulá-las para vigorar na pendência do divórcio e até ao trânsito em julgado da sentença que o decretasse, porque uma regulação definitiva só através da acção comum (para os alimentos) ou do processo de jurisdição voluntária do art. 990 do CPC (para a atribuição da casa de família) podia ser obtida. O único caso em que estas matérias poderiam ser decididas definitivamente no processo de divórcio era o de ter existido acordo das partes, o qual, caso outra coisa não resultasse do seu teor, entender-se-ia que se destinavam tanto ao período da pendência do processo como ao período posterior – art. 1775 nº 2 do CC.
Foi a cônjuge ré quem na tentativa de conciliação, acordando no propósito de se divorciar, declarou pretender a utilização da casa de morada de família e que lhe fossem fixados alimentos, ao que o autor se opôs. Mesmo sem a ré ter especificado na sua pretensão se esses alimentos e atribuição da casa eram para valer na pendência da acção e até ao trânsito em julgado da sentença que viesse a decretar o divórcio, ou se era para serem fixados definitivamente, valendo para lá do decretamento do divórcio, a verdade é que a única interpretação possível é a de que se tratava de regulação provisória, porque só esta na acção de divórcio podia ser requerida e só dela podia conhecer o juiz, como conheceu.
Perante este circunstancialismo, na tentativa de conciliação foi proferido o despacho que decidiu que “Uma vez que ambos os cônjuges desejam divorciar-se converto este processo, de Divórcio Sem Consentimento do Outro Cônjuge, em Divórcio por Mútuo Consentimento, ao abrigo do disposto no artigo 931º, n.º 3 do C.P.C.
Não existindo acordo no que respeita à utilização da casa de morada de família e quanto aos alimentos a cônjuge, importa determinar o prosseguimento dos autos, nos termos do disposto no artigo 1778º-A, n.º 3 do Código Civil.
Assim nos termos do disposto no artigo 1778º-A, n.º 4 do Código Civil notifique autor e réu para alegarem o que tiverem por conveniente e juntar provas, querendo, no prazo de 30 dias.”
Tem sentido questionar, perante o despacho proferido, se existe diferença na tramitação quando o processo se inicie na conservatória - com acordo quanto ao divórcio, mas sem apresentação de acordos ou sem a sua homologação - ou quando, como nos autos, essa declaração de ambos se pretenderem divorciar é obtida na tentativa de conciliação do litigioso, sem existirem aqueles outros acordos, mas pretendendo um dos cônjuges prestação de alimentos e atribuição da casa de família. E quanto a esta questão não vemos que a lei distinga nem que haja razão legal para distinguir. No entanto, mais importante é perguntar se, sabendo-se que a regulamentação que no próprio processo sem consentimento pode ser fixada pelo juiz ou a requerimento das partes quanto aos alimentos e à casa de família é sempre provisória e incidental, se [sic] os acordos sobre essas matérias, que se prevêem no art. 1775 nº1 al. c) e d) do CC, quando firmados pelas partes nos processos por mútuo consentimento ou sem consentimento, têm de ter carácter definitivo, no sentido de apontarem a uma regulamentação para lá do decretamento do divórcio, ou podem ser provisórios, com um alcance temporal restrito ao trânsito em julgado da sentença que decrete o divórcio.
Em resposta a esta questão e circunscritos à atribuição de alimentos e casa de família, julgamos que, como de acordo se trata, obtido com liberdade negocial das partes, nada impede que os mesmos possam ter vigência limitada à pendência do processo, não sendo disso impedimento que o art. 1755 nº2 do CC advirta que, se deles não resultar o contrário, se destinam tanto ao período da pendência do processo como ao período posterior. Trata-se apenas de uma regra de interpretação que particulariza aquilo que os arts. 236 a 239 do CC já disciplinam em termos gerais.
No caso em decisão, se os alimentos definitivos e a atribuição da casa de família, não alcançados através de acordo nos termos do art. 1775 do CC ou na tentativa de conciliação prevista no art. 931 do CPC, só se obtêm, respectivamente, com a propositura de acção comum ou com a de jurisdição voluntária prevista no art. 990 do CPC, então só se pode configurar a pretensão de alimentos e de atribuição da casa de família da cônjuge ré como provisória e para valer até ao trânsito em julgado da decisão que decretasse o divórcio. É que para serem definitivas teriam de ser instauradas em acção autónoma e se o foram na acção de divórcio, sem outra indicação, apenas como provisórias podiam ser conhecidas e só como tal se pode configurar a decisão do juiz. Por outro lado, sendo a regulação não oficiosa, porque não partiu da iniciativa do juiz, caberia então à parte requerente (mesmo num processo de jurisdição voluntária) apresentar a pretensão, os fundamentos e provas.
Referem as conclusões de recurso que “Não foi considerado que compete ao Tribunal ordenar ainda que oficiosamente a produção de prova, nomeadamente ordenando a elaboração de relatório social ou tomar declarações às partes, declarações que aliás qualquer das partes poderia vir a requerer até final da audiência, tudo como dispõem os arts 411.º e 466.º nº 1 do CPC, que se mostram violados, devendo sempre o Tribunal ter ordenado a realização de audiência de julgamento.”.
Decididamente, é entendimento da recorrente que a possibilidade atribuída ao juiz nº nº 7 do art. 931 do CPC, quando oficiosamente entenda como conveniente a regulação a regulação das responsabilidades parentais, de alimentos ao cônjuge e de atribuição da casa de família, de ordenar a realização de diligências, deve ser mais absoluta de forma a impor-lhe um dever de diligenciar em substituição da parte, que apenas tenha declarado querer alimentos do outro e a atribuição da casa de família sem apresentar factos ou prova. Não entendendo o julgador necessário regular essas matérias por sua iniciativa e se a parte nada alegou, julgamos excessivo e fora da previsão legal atribui[r]-lhe o ónus de ir procurar os factos e depois a prova. Quanto à prova, ainda se poderia admitir como diligência do juiz que procedesse nesse sentido, mas isto se a parte interessada indicasse as suas necessidades para alimentos e atribuição da casa. A não se entender assim, bastaria à recorrente declarar que pretendia alimentos e a utilização da casa de morada de família, para que tudo o mais fosse ónus do julgador, procurando ele mesmo as razões, os elementos de facto referentes às necessidades de alimentos e habitação tão urgentes que determinassem ser fixadas provisoriamente na pendência dos autos.
O argumento da recorrente, no sentido de que o juiz deveria ter designado data para julgamento porque a recorrente poderia apresentar em audiência prova no sentido de certificar as suas necessidades de atribuição de alimento e da casa de família, parece-nos improcedente porque era no seu requerimento que deveria ter apresentado os factos e a prova, ou no prazo que lhe foi concedido para o efeito, sendo que, notificada, nada alegou ou apresentou como prova. Assim, se é verdade na audiência poderia apresentar prova, essa possibilidade estava dependente de haver audiência o que só teria lugar se houvesse necessidade de produzir prova. Assim, se nenhuma matéria o juiz entendeu por sua iniciativa ter de apurar e se a requerente nenhuns factos ou prova apresentou relativamente às razões de ter pedido alimentos e a atribuição da casa, não tinha fundamento legal designar audiência que não serve como extensão de prazo para alegar que havia sido concedido e se havia esgotado sem qualquer iniciativa da recorrente.
Entendemos que se o juiz no âmbito do art. 931 nº7 do CPC não considera necessário por iniciativa sua regular provisoriamente, e para valer até ao trânsito em julgado da decisão que decreta o divórcio, os alimentos ao cônjuge nem a atribuição da casa de família, não está obrigado a ordenar qualquer diligência nesse sentido, mesmo que o cônjuge a tenha requerido sem apresentar qualquer alegação de fundamentos de facto. E não havendo apresentação de fundamentos, nem prova, o juiz deve julgar como julgou improcedentes essas pretensões da requerente."
O despacho proferido na tentativa de conciliação considerou que bastava os cônjuges terem declarado que estavam de acordo quanto ao propósito de se divorciarem para que o processo passasse de imediato a ser por mútuo consentimento, sem discussão das razões para o decretar e que, as matérias pretensão da ré, independentemente da sua procedência ou improcedência, não impediam que o divórcio viesse a ser decretado nessa modalidade. Por sua vez, a decisão recorrida, entendendo em igual sentido, acrescentou que estando pendente acção de divórcio, o pedido de atribuição da casa de morada de família é deduzido por apenso conforme determina o artigo 990.º do C.P.C.; que deveria nesse processo a requerente indicar os factos com base nos quais entendia dever ser-lhe atribuído o direito e, não havendo acordo dos interessados, o requerido deveria ser notificado para deduzir oposição, no prazo de 10 dias findos os quais o juiz depois de proceder às diligências necessárias decidiria. E concluiu que a sentença em primeira instância se havia pronunciado “sobre uma questão que a Recorrente, em bom rigor, não suscitou formalmente ao tribunal pois ainda não deduziu, por apenso, o necessário pedido, fundamentado, de atribuição da casa de morada de família, bem próprio, segundo o que foi alegado, do Autor. Nesta conformidade, conclui-se que, nessa parte, a decisão em causa é nula por violar o disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. d) do C.P.Civil.”
Na apreciação desta fundamentação, aceitando-se que “a remissão para o regime do divórcio sem consentimento do outro cônjuge conduz a que cada uma das consequências do divórcio enunciadas continua a ser tratada com autonomia relativamente à questão do divórcio.” - Rita Lobo Xavier, in Recentes Alterações ao Regime Jurídico do Divórcio e das Responsabilidades Parentais, Almedina, Coimbra, 2009, págs. 21 e 22 -, a declaração de os cônjuges se pretenderem divorciar, realizada na tentativa de conciliação em divórcio litigioso/sem consentimento, determina, automaticamente, que a questão do divórcio se tenha por resolvida e que as decisões (provisórias) sobre a casa de morada de família e alimentos, sendo autónomas e podendo vir a ser julgadas improcedentes, nenhuma incidência tenham sobre a própria decisão de decretar o divórcio que será de homologação das vontades expressas. O valor e importância que a lei atribui ao acordo dos cônjuges quanto a terminarem o casamento, e o tratamento processual que prevê para o processado posterior a essa declaração, só pode ser entendido como aceitação de o divórcio poder ser decretado, nesse segmento, como mútuo consentimento reservando-se o contencioso quanto aos requerimentos de regulação que não tenham obtido acordo e tenham de ser julgados. Tudo o que reporte às matérias previstas no art. 1775 nº 1 do CC (e no que agora nos interessa as referentes aos alimentos a atribuição da casa de família), apenas condiciona que antes de o juiz decretar o divórcio tenha de haver decidir sobre elas e não que, sem esses acordos, o divórcio não possa ser decretado com base na declaração dos cônjuges se quererem divorciar. E a decisão a proferir não tem de ser de procedência, fixando alimentos ou a atribuição da casa, podendo ser, obviamente, a de improcedência por não se terem provados os pressupostos dessa atribuição de alimentos e da utilização da casa.
Quando a decisão recorrida se pronuncia no sentido de que a sentença é nula porque decidiu no processo de divórcio da (improcedência) atribuição da casa de família porque lhe era vedado conhecer de uma matéria que só em processo autónomo poderia decidir-se, julgamos que não lhe assiste inteira razão. A atribuição da casa de família e alimentos, em termos definitivos, só poderia ser apreciada, como antes referimos, em processo autónomo de jurisdição voluntária nos termos do art. 990 do CPC ou em acção comum no caso dos alimentos. No entanto, em termos provisórios e para valer durante a pendência do processo de divórcio, a atribuição da casa de família e alimentos podia ser decidida nos próprios autos de divórcio incidentalmente, deixando-se nota de que esta decisão (fosse de procedência, fosse de improcedência) não constituiria caso julgado quanto a qualquer acção de alimentos ou de atribuição da casa de família que a recorrente viesse ou venha a instaurar para ter efeitos depois de decretado o divórcio.
O conhecimento e decisão do tribunal em primeira instância reportava, porque só poderia reportar como se deixou explicado, a essa regulação provisória sendo assim admissível. Todavia, porque essa regulação provisória foi julgada improcedente e porque esta improcedência não impede que em termos definitivos a recorrente possa interpor acção de alimentos comum ou de atribuição da casa de morada de família nos termos do art. 990 do CPC, a declaração de nulidade de pronúncia decidida pelo tribunal da Relação na decisão recorrida não tem qualquer consequência prática sobre o decidido em primeira instância quando decretou o divórcio, não determinado alteração alguma ao que foi decidido, isto é, apenas o divórcio.
Em resumo, a sentença podia ter decretado o divórcio como o fez, homologando a vontade declarada nesse sentido pelas partes, depois de ter julgado improcedentes a petição de alimentos e atribuição da casa de família, por não verificados os pressupostos necessários, improcedendo assim na totalidade as conclusões de recurso."
[MTS]