"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



21/04/2022

Jurisprudência 2021 (180)


Prova pericial;
apreciação*


1. O sumário de RP 20/9/2021 (9226/05.0YYPRT-A.P1é o seguinte:

I - As declarações de parte não constituem um meio de prova a considerar quando a restante prova não permite confirmar os factos complementares ou instrumentais decorrentes das declarações e por isso, não pode constituir um meio de criar a dúvida sobre o valor da prova pericial.

II - No exame pericial em que estava em causa aferir da genuinidade da assinatura aposta no documento o tribunal não pode afastar-se do parecer dos peritos, quando os peritos tenham analisado os mesmos factos que cumpre ao juiz apreciar e porque os demais elementos úteis de prova existentes nos autos não invalidam o laudo dos peritos.

III - Não admitindo o embargante a sua intervenção na relação imediata e situando-se a sua obrigação no estrito domínio da relação cambiária entre avalista e portador do título apenas poderia defender-se invocando o pagamento ou um qualquer vício de natureza formal.


2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"Nos termos do art. 662º/1 CPC a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto:

“[…] se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”. [...]
 
A impugnação da decisão da matéria de facto versa sobre o seguinte facto julgando não provado:

A) A assinatura que consta no local de avalista e atribuída ao executado E… foi aposta pelo punho do embargante.

[...] O apelante insurge-se contra o segmento da decisão que desvalorizou o resultado do relatório pericial e na motivação do recurso insurge-se contra a relevância atribuída ao depoimento de parte transcrevendo excertos do depoimento que no seu entender demonstram a falta de sustentação de tais declarações. Considera que a prova pericial justifica a alteração da decisão, sugerindo que se julgue provado que a assinatura que consta no lugar indicado como avalista foi feita pelo punho do embargante.

Na matéria de facto a reapreciar está em causa apurar da genuinidade da assinatura aposta no rosto da livrança e junto da designação “avalista”, que a apelante atribui ao embargante e lavrada pelo seu punho, mas que o embargante considera que foi objeto de falsificação.

Os factos em análise reportam-se a 07 de julho de 1998, data em que supostamente o embargante apôs a assinatura no verso da livrança e foi celebrado o contrato de financiamento, com entrega da livrança em branco.

Na apreciação da prova o juiz do tribunal “a quo”, na dúvida e com fundamento no art. 414º CPC[---], julgou não provada a matéria alegada pelo apelante.

Estando em causa apurar da genuinidade da assinatura aposta no lugar indicado como “avalista” e recaindo sobre o apelante-exequente o ónus da prova de tal matéria, por ser quem apresentou o documento (art. 374º/2 CC), o único facto a apurar consiste em saber se o embargante pelo seu punho apôs a referida assinatura na livrança.

Dispõe o artigo 374.º, n.º 2, CC., que se a parte contra quem o documento é apresentado impugnar a veracidade da letra ou da assinatura, ou declarar que não sabe se são verdadeiras, não lhe sendo elas imputadas, incumbe à parte que apresentar o documento a prova da sua veracidade. [...]

Trata-se, pois, de saber quem suportará as consequências negativas da falta de prova de determinando facto.

Assim, se o executado impugnar a autoria da assinatura que lhe é imputada, constante do título executivo, cabe ao exequente provar que aquela é efetivamente da sua autoria.
Neste sentido, entre outros, podem consultar-se Ac. Rel. Porto 15 de novembro de 2011, Proc. 6322/08.5YYPRT-A.P1 (www.dgsi.pt.), Ac. STJ 09 de fevereiro de 2011, Proc. 2971/07.7TBAGD, Ac. STJ 16 de junho de 2005, Proc. 04B660, (ambos em www.dgsi.pt.) e Ac. Rel. Porto 28 de setembro de 2006, Proc. 0634730 e Ac. Rel. Lisboa, de 29 de junho de 2004, Proc. 2205/2003 (ambos em www.dgsi.pt).

Cumpre então considerar se a prova pericial requerida pelo apelante se mostra idónea, só por si, para julgar provada a matéria de facto impugnada.

Quanto à relevância da prova pericial referiu-se na sentença: “[a] Exequente possui “a seu favor” o relatório pericial cuja conclusão apresenta um parecer positivo quanto á subscrição da livrança pelo executado e com um grau significativo. E não se põe em causa a idoneidade do referido relatório.
Contudo, e apesar da conclusão obtida, os próprios peritos assumiram a dificuldade do exame comparativo quando referem que as doze assinaturas genuínas deste tipo apenas uma consta como original pelo que o exame comparativo apresenta à partida dificuldades (..)” – sublinhado nosso - cfr fls. 125.

O grau de semelhança entra as assinaturas não descura a possibilidade da mesma ser uma falsificação bem conseguida e que cria dificuldades acrescidas aos peritos que não possuíam quaisquer documentos originais coincidentes com a data da alegada subscrição do contrato e da livrança (1998).

E se na maioria dos casos como os presentes existe uma convicção séria assente no relatório pericial de que as suas conclusões são validas, já no caso em apreço – e como acima se deixou exposto – a julgadora manteve sérias dúvidas”. [...]

Atenta a matéria a apreciar que se prendia com a genuinidade de uma assinatura, a prova pericial merece no caso concreto uma particular relevância, dada a natureza técnica da questão a analisar em que estava em causa comparar duas assinaturas e se as mesmas seriam da autoria da mesma pessoa. A perceção desses factos assenta em conhecimentos especiais que os julgadores não possuem dada a natureza científica e técnica dos conhecimentos em causa.

O facto do juiz do tribunal “a quo” não atribuir particular relevo a este meio de prova não merece censura, porque o mesmo é apreciado livremente pelo tribunal. Contudo, os motivos que indica para não dar relevância a este meio de prova não têm apoio na prova produzida, porque a mesma não pode ser valorada com o sentido que foi atribuído.

O exame pericial foi elaborado por NCForenses-Ciências Forenses, no Porto e por dois peritos - “Mestres” - que declararam realizar o exame sob compromisso de honra.

No referido relatório e em sede de “exame comparativo entre as assinaturas genuínas de E… e a assinatura contestada” observa-se: ”[c]onforme exposto no ponto anterior, a assinatura contestada é principalmente comparável com as assinaturas genuínas do tipo completo e legível, que envolvem a escrita em estilo cursivo de “E…”. Como tal, o exame comparativo apresenta à partida dificuldades, uma vez que das doze assinaturas genuínas deste tipo apenas uma consta como original (DG13), sendo as restantes reproduções (DG2 a DG12).

Assim, o exame comparativo prosseguiu com as dificuldades inerentes e incidiu sobre elementos de ordem geral e de pormenor”.

Contudo, tal limitação não constituiu obstáculo à realização do exame.

Para esse efeito, os peritos tiveram acesso ao documento contestado e a documentos apresentados como genuínos para comparação: procuração que consta dos autos, recolha de autógrafos efetuada em 26 de junho de 2020 realizadas no laboratório pericial e fotocópias dos pedidos de cartão de cidadão e bilhete de identidade do embargante que se reportam a 1977, 1981, 1987, 1993, 1996 e 2001 e reproduções de duas assinaturas dos pedidos de cartão de cidadão dos quais consta a escrita de assinatura do embargante reproduzida em fotocópia. Contudo, mostrou-se relevante, por ser original, a assinatura constante da procuração junta aos autos, com data de 2018.

Para realizar o exame os peritos procederam à análise do documento contestado com equipamento vídeo comparador espectral VSC400, nomeadamente no local da assinatura contestada, o qual não revelou a presença de marcas relevantes de escrita nem quaisquer indícios de alterações, rasuras, obliterações ou indícios de decalque indireto através de sulcos, linhas guia ou papel químico.

No exame comparativo entre a escrita da assinatura contestada e das genuínas, partindo dos elementos gerais para os de pormenor anotaram-se as seguintes semelhanças nos elementos gerais: no grau de evolução, na fluência e velocidade de escrita, inclinação, graus de angulosidade e curvatura e dimensão relativa.

Na análise de pormenor anotaram-se as seguintes semelhanças:
- forma e génese da letra F em E1;
- forma e génese da conexão das letras em Fi, em E1…;
- forma e génese da conexão da letra n, em E1…;
- forma e génese da letra o, em E1…;
- dimensão relativa das letras FC em E2…;
- forma e génese do acento, em E3…;
- forma e génese da letra a, em E3…;
- forma e génese da letra r, em E3…;
- forma e génese da letra F, em E4…;
- forma e génese da letra r, em E4…;
- dimensão relativa das letras FC em E5…;
- forma e génese da letra C, em E6…;
- posição relativa do topo das letras CZ, em E6….

Juntaram-se vários quadros com a demonstração e anotação de todas as semelhanças apontadas.

Conclui o relatório pericial:

“Face aos princípios do Método Comparativo de Análise de Escrita, apesar das dificuldades inerentes ao presente exame, a interpretação dos resultados obtidos permite afirmar que os hábitos gráficos de E… estão presentes na escrita da assinatura contestada, aposta em DC1”.

Em sede de “Conclusão” refere:

“Assim, considera-se como muito provável a verificação da hipótese da escrita da assinatura contestada, aposta em DC1, ter sido produzida por E…”.

Na tabela de significância a expressão ”muito provável” corresponde ao segundo item da tabela a contar do topo da escala de probabilidade, logo a seguir a “probabilidade próxima da certeza científica ser”, seguindo-se por ordem decrescente “provável ser”, “pode ser”, “não é possível formular conclusão”, “pode não ser”, “provável não ser”, “muito provável não ser”, “probabilidade próxima da certeza científica não ser”.

No exame pericial analisou-se a livrança que consta dos autos e estão em causa os mesmos factos que ao juiz cumpre apreciar. A conclusão que considerou “muito provável a verificação da hipótese de a escrita da assinatura contestada ter sido produzida por E…” assenta em elementos objetivos de semelhança que estão devidamente comprovados, sendo certo que no equipamento vídeo comparador espetral não foram detetadas a presença de marcas relevantes de escrita nem quaisquer indícios de alterações, rasuras, obliterações ou indícios de decalque indireto através de sulcos, linhas guia ou papel químico.

Na tabela de significância a consideração de “muito provável” situa-se mais próximo da “probabilidade próxima da certeza científica ser” do que “Probabilidade próxima da certeza científica não ser” ou de qualquer outro item que se revelasse inconclusivo.

Fazendo uma análise comparativa com as assinaturas recolhidas anotam-se na análise de pormenor semelhanças em várias letras, a mesma dimensão relativa e posição relativa do topo das letras que compõem a assinatura do embargante, para além de se verificarem nos elementos gerais semelhanças no grau de evolução, na fluência e velocidade de escrita, inclinação, graus de angulosidade e curvatura e dimensão relativa.

Entendemos, assim, que o facto de os peritos apenas disporem de duas assinaturas de comparação totalmente comparáveis não retira valor probatório à perícia, face á análise realizada e conclusões que se extraíram.

Nenhum outro elemento de prova foi produzido que invalide o resultado da perícia.

As restantes provas produzidas, com declarações de parte do embargante e depoimento da testemunha indicada pelo embargante, não merecem qualquer relevo probatório.

Considerou-se na sentença recorrida a propósito das declarações de parte e depoimento da testemunha:

”Na verdade, em sede de julgamento começou por prestar declarações de parte o executado E…, o qual se mostrou totalmente sincero, claro, franco e honesto nas declarações prestadas.

Ora, como se sabe e perante o que dispõe o art.º 466.º do C.P.C. vigente, é inequívoco que as declarações de parte sobre factos que lhe sejam favoráveis devem ser apreciadas pelo tribunal, segundo a sua livre convicção.

E foi nessa análise crítica - que se impõe ao julgador efetuar - que se credibilizaram as declarações de parte do Executado.

É certo que o juiz não está munido de um detetor de mentiras que possa aferir se uma parte/testemunha fala a verdade ou mente. Contudo consegue-se – através do princípio da imediação que só a audiência consente, e das regras da experiência - atestar se existe nos depoimentos algum pormenor que possa pôr em causa a credibilidade da versão do autor/executado que no caso concreto não houve, antes pelo contrário. Os sentimentos manifestados pelo executado a depor, a emoção e espontaneidade com que respondeu as questões que lhes foram sendo colocadas - as quais foram corroboradas pelos demais pormenores pelo seu filho também inquirido – que também depôs de forma fidedigna - levaram-nos a crer que o executado prestou declarações genuínas quando afirmou de forma totalmente perentória que não assinou o título executivo.

De facto, E… afiançou de forma perentória que desconhecia os subscritores da livrança. Referiu que há cerca de 20 anos tinha sido vítima de um furto da sua carteira documentos e cheques o que lhe causou vários transtornos (designadamente por terem sido emitidos cheques seus sem que houvesse provisão) o que o levou a apresentar queixa na polícia e prestado declarações no Ministério Público em Gondomar.
 
Instado sobre se possuía documento comprovativo da queixa deduzida o mesmo afiançou que se dirigiu ao Tribunal, mas que o informaram que não dispunham de suporte de queixas formuladas há cerca de 20 anos.

Disse ainda o executado que nunca teve ou conheceu qualquer veículo que haja sido financiado com o contrato que fora junto pela Exequente e que á data dos factos era casado e não solteiro (como constava do dito contrato) bem como que a morada indicada não era a sua morada pessoal mas sim a de uma empresa da qual fora gerente.

Contou ainda que á data em que teria sido subscrito o contrato o executado já detinha vários problemas financeiros estando coartado o seu acesso à Banca, pelo que não compreendia como podia ter validado um contrato com um avalista sem acesso a crédito.

Todos estes factos foram corroborados pelo seu filho F… que depôs com isenção e credibilidade. […]

E se na maioria dos casos como os presentes existe uma convicção séria assente no relatório pericial de que as suas conclusões são validas, já no caso em apreço – e como acima se deixou exposto – a julgadora manteve sérias dúvidas.

Essas dúvidas terão inevitavelmente sido colocadas por todos os presentes em audiência na audição das declarações de parte e na firmeza com que o executado explicou que não conhecia os coexecutados e que adiantou ter sido alvo de furto à época da alegada subscrição do contrato.

Por outro lado, existem alguns elementos apostos no contrato que não são plausíveis de terem sido apostos caso o executado houvesse avalizado a nível pessoal a dita livrança como sendo o facto de constar como “solteiro” quando o mesmo é “casado” e quando a morada constante do contrato não coincide com a sua morada pessoal.

Ademais, o executado nunca beneficiou da viatura adquirida nem tomou qualquer conduta que pudesse levar a crer ter conhecimento do contrato, como seja algum pagamento de alguma prestação.
 
Acresce não fez a exequente qualquer prova de que haja comunicado ao Executado – ao longo destes quase vinte anos passados desde o incumprimento do contrato (em 2001) – o incumprimento do mesmo, a sua resolução ou a tentativa de qualquer cobrança da dívida em causa.

Assim as dúvidas suscitadas foram demasiadas sérias para que o Tribunal pudesse julgar provado um facto em causa, pelo que entendemos ser de aplicar o estatuído no artigo 516.º do CPC.

De facto, em caso de dúvida sobre a realidade de um facto observa-se a regra constante do art.º. 516º., do C.P.Civil – a dúvida razoável resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita.

E as razões supra expostas – firmeza e assertividade nas declarações do executado, cuja credibilidade foi essencialmente percetíveis com a imediação que o julgamento proporciona - deixa o julgador (objetivo e distanciado do objeto do processo) num estado em que permanece como razoavelmente possível mais do que uma versão do mesmo facto. Por todo o exposto, resultou não provado o facto da autoria da assinatura ter sido aposta pelo executado”.

Em relação ao valor probatório das declarações de parte cumpre ter presente nos termos do art. 466º/1 CPC que as partes podem prestar declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento direto e que sejam instrumentais ou complementares dos alegados.

As declarações prestadas são apreciadas livremente pelo tribunal, salvo se constituírem confissão, como se prevê no art. 466º/3 CPC. [...]

O valor probatório das declarações de parte, avaliado livremente pelo tribunal, estará sempre dependente do confronto com os demais elementos de prova.

No caso presente em declarações o embargante para além de reproduzir o alegado no respetivo articulado trouxe para o tribunal um conjunto de factos complementares e instrumentais, mas que não têm suporte na restante prova produzida.

Em súmula referiu que não exerce qualquer profissão; está declarado insolvente; a empresa está declarada insolvente. Anteriormente estava ligado às artes gráficas.

Disse conhecer a embargada/exequente, porque “foi cliente tempos antes, mas sempre foi cumpridor”. Em relação aos coexecutados disse não saber quem são, nem nunca os ter conhecido. “Mudaram sempre de morada nas pesquisas que fez”.

Referiu que não assinou a livrança. Foi assaltado em Coimbra e levaram a mala com documentos de identificação e cheques. Os cheques foram utilizados em Coimbra. Levantaram em Coimbra e Aveiro, na compra de eletrodomésticos. Os cheques extraviados eram do Banco H….

Referiu, ainda, que a exequente telefonou a solicitar o pagamento da livrança, mas nunca pagou nada. Esclareceu que a exequente telefonou para entrar em negociações.

Referiu que tinha muitos problemas com o Banco e não tem conta bancária para mais de dez anos.

Depois referiu relacionado com o furto de documentos, que também teve problemas em Lousada, por causa de uma mota. Foi à Judiciária.

Repetiu o que constava do articulado, referindo que sempre viveu em Gondomar em morada diferente da indicada no requerimento executivo e encontra-se casado há 38 anos, apesar de o identificarem como solteiro no contrato. A morada indicada não está correta por ser a morada da empresa e nunca foi da habitação.

Referiu que nunca esteve na posse do veículo automóvel que está na base do contrato de financiamento; nunca assinou uma livrança e nunca teve boa saúde financeira. Disse, ainda, não conhecer a morada dos executados.

Confrontado com o resultado pericial, disse que a “assinatura difere um bocado”.

Voltou a repetir que “fez vários contratos com a B… e cumpriu sempre” e soube que era um veículo, porque lhe disseram que era um veículo. Não assinou o pacto.

Depois foi sucessivamente questionado pela senhora juiz sobre as circunstâncias em que ocorreu o furto e quando questionado sobre a data em que “foi assaltado”, disse “foi há algum tempo, mas não se lembra”. Depois referiu que foi ao Ministério Público depor. Apresentou queixa na Polícia, “quando tomou conhecimento através dos cheques devolvidos pelo Continente”.

Referiu que só tomou conhecimento do processo há um ano ou dois.

Questionado sobre os documentos que confirmam a queixa apresentada e natureza dos processos instaurados, disse, não conseguir os elementos junto do Ministério Público, porque já não tinham os elementos. Foram instaurados dois processos: um em Coimbra e outro em Felgueiras. Informaram-no que já não tinham os processos. Esclareceu que promoveu tais diligências por sugestão do seu advogado.

Questionado sobre a data em que ocorreram os furtos e confrontado com o facto do contrato ter sido celebrado em 1998, respondeu “talvez seja isso”.

Referiu, ainda, que foi ao Ministério Público em Gondomar com o número dos processos relativo às queixas e disseram-lhe que já não tinham em arquivo.

A testemunha F…, filho do declarante, identificou-se e declarou ter 36 anos.

A testemunha referiu que o pai não trabalha e anteriormente esteve ligado a artes gráficas. Está declarado insolvente e encontra-se casado há mais de 20 anos.

Referiu não conhecer os coexecutados e “pensa que o pai também não conhece”. Disse que trabalhava com o pai e por isso, estava ao corrente das relações comerciais e por isso, tem conhecimento que apenas mantinha relações comerciais com pessoas da área de Gondomar e não se deslocava para Aveiro.

Referiu que a morada indicada corresponde à morada de uma empresa do pai, “mas anterior a essa data” (não esclareceu se a data da livrança ou do contrato).

Esclareceu que o pai teve vários automóveis: Opel …, Alfa Romeu, VWagen …, carrinhas Ford …, Mercedes …. O pai gostava de automóveis grandes. Teve um Fiat numa empresa entre 2008-2009 que comprou usado e em Valongo.

Quanto ao veículo a que se faz alusão no contrato de financiamento – Vwagen … -, a testemunha disse que o pai nunca teve tal veículo.

Referiu, ainda, que os problemas financeiros do pai não lhe permitiam contrair a obrigação de avalista. Em 2000-2001 o pai não tinha capacidade de endividamento. Em 2001 quando foi para a Universidade pretendia comprar um automóvel, mas o pai não conseguiu arranjar financiamento e os problemas a partir daí pioraram sempre. A mãe funcionária pública suportou as despesas e já tinha uma penhora no vencimento nessa altura.

Referiu que nunca habitaram na rua ….

Sobre a concreta questão do furto, a testemunha disse que em …, Coimbra furtaram a carteira do interior do automóvel. Referiu que tentaram fazer compras em Coimbra e não aceitavam, porque era uma pessoa não grata, porque havia informação de cheques sem provisão. Tais factos ocorreram entre 1998-2001, quando ainda estava no secundário.

A respeito das diligências promovidas pelo pai, disse que “acho que apresentou queixa à polícia; sabe que existiu, mas não sabe exatamente o quê, o tipo de processo”.

Referiu, também, que o “pai tentou consultar, mas não teve acesso e não sabe porquê”. Disse não saber se foi o advogado do pai que lhe pediu para consultar os processos.

Questionado diretamente sobre se tinha conhecimento se o pai em 1998 concedeu uma garantia, respondeu não e que o pai não conhece os coexecutados.

A respeito do resultado da perícia disse que se trata de uma falsificação.

Por fim, referiu desconhecer se o pai tentou procurar os coexecutados.

Resulta das declarações de parte que o embargante não conhece os coexecutados. De igual modo referiu que em ocasião que não ficou bem definida ocorreu um furto de documento que estavam no interior do seu veículo, o que aconteceu em Coimbra, o que motivou a participação junto da polícia e a promoção de vários processos com intervenção do Ministério Público.

O declarante não juntou qualquer documento que comprovasse tais ocorrências, nem forneceu elementos que permitissem ao tribunal promover qualquer diligência. Também não resulta das declarações prestadas que os coexecutados estivessem associados a tais processos. A explicação que apresentou para não conseguir obter os elementos revela-se incompreensível, para além de não estar comprovada.

Por outro lado, decorre das declarações prestadas, que o embargante foi cliente da exequente e de acordo com o que afirmou em data próxima ou coincidente com a da celebração do contrato em apreço. De igual forma resulta das suas declarações que foi contactado pela exequente, por telefone, para resolver amigavelmente a questão objeto dos presentes autos, o que significa que o embargante tinha conhecimento da existência da livrança. Acresce que apesar de referir não conhecer os coexecutados, afirmou que promoveu diligências no sentido de apurar o seu paradeiro e que estes mudavam sucessivamente de residência, o que também não se mostra de todo consentâneo com a ideia que pretendeu transmitir de desconhecimento do negócio em causa, ficando por esclarecer o motivo que o levou a contactar os coexecutados.

A testemunha F…, filho do embargante, pouco ou nada revelou saber, sendo certo que em relação a certos factos que afirmou suscita-se sérias dúvidas sobre o real conhecimento dos mesmos.

Cumpre ter presente que a testemunha afirmou ter 36 anos (no mês de novembro do ano de 2020). Na data em que foi celebrado o contrato de financiamento – julho de 1998 – a testemunha teria 14 anos – e na data aposta como data de vencimento da livrança – 2003 – a idade de 19 anos.

Não será de todo normal que aos 14 anos a testemunha acompanhasse o pai nos seus negócios. Aliás, é a própria testemunha a afirmar que entre 1998-2001 estava no secundário e que entre 2000-2001 foi para a Universidade.

A testemunha apesar de se reportar a um furto que terá ocorrido em … (Coimbra) também não estabeleceu qualquer ligação entre tal furto e os coexecutados nestes autos. Acresce que revelou desconhecer as diligências promovidas pelo embargante para comprovar os alegados processos que foram instaurados ou participação policial.

Refira-se, ainda, que a testemunha apresenta uma versão algo contraditória sobre a situação económica do embargante, pois se, por um lado, refere que não gozava de boa situação económica a partir de 2001, por outro, dá conhecimento da natureza dos veículos automóveis que o embargante adquiriu ao longo do tempo, fazendo questão de sublinhar que o seu progenitor só gostava de automóveis grandes e indica: Alfa Romeu, VWagen … e Mercedes …, entre outros.

Verifica-se que as declarações prestadas pelo embargante não têm sustentação no depoimento prestado pela testemunha F… e prova documental junta aos autos e por isso, não podem constituir um meio de criar a dúvida sobre o valor da prova pericial.

O depoimento da testemunha G…, funcionário da exequente, apenas permite apurar as circunstâncias em que a livrança foi preenchida e apresentada a pagamento, por ser esse o conhecimento pessoal que a testemunha revelou ter dos factos.

Neste contexto e ponderando os vários meios de prova é de concluir que resulta demonstrado perante o resultado da prova pericial que o embargante assinou pelo seu punho a sua assinatura na qualidade de avalista, o que importa a alteração da decisão de facto no sentido de julgar provado o facto julgado não provado.

Procedem, nesta parte, as conclusões de recurso."

*3. [ComentárioO caso apreciado pela RP bem pode ser tomado como exemplo para justificar um elogio à actividade dos juízes. In casu, o elogio deve ser endereçado tanto ao juiz de 1.ª instância, como aos da 2.ª instância, sendo certo que apenas aquele tomou ou somente estes tomaram uma decisão de acordo com a verdade dos factos.

MTS