"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



01/04/2022

Jurisprudência 2021 (167)


Acompanhamento de maior;
beneficiário; autorização


I. O sumário de RL 9/9/2021 (856/21.3T8PDL.L1-8) é o seguinte:

1.–O objectivo perseguido pelo processo especial de acompanhamento de maiores é a satisfação do interesse do maior, com razão chamado de beneficiário das medidas no seu âmbito decretáveis e não quaisquer outros motivos descentrados da pessoa daquele beneficiário.

2.–O acompanhamento é requerido pelo próprio ou, mediante autorização deste, entre outros, por qualquer parente sucessível.

3.– Se o beneficiário não estiver em condições de dar autorização ao parente, este pode requerer a medida de acompanhamento e requerer ao mesmo tempo, o suprimento da autorização do beneficiário.

4.–O tribunal deve sempre controlar se estão preenchidos os pressupostos do suprimento da autorização do beneficiário.

5.–Sendo alegada uma dependência do álcool, durante mais de 30 anos, com repercussões graves na capacidade condução da vida, pessoal e patrimonial, da beneficiária, justifica-se que o tribunal controle de uma forma séria e suficientemente ponderada se se justifica ou não suprir a falta de autorização da eventual beneficiária do acompanhamento.


II. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"Do direito

1.- Comece-se por realçar o que dispõem os artigos Artigo 138.º e 140.º CC :

Artigo 138.º
Acompanhamento

O maior impossibilitado, por razões de saúde, deficiência, ou pelo seu comportamento, de exercer, plena, pessoal e conscientemente, os seus direitos ou de, nos mesmos termos, cumprir os seus deveres, beneficia das medidas de acompanhamento previstas neste Código.

Artigo 140.º
Objetivo e supletividade

1-O acompanhamento do maior visa assegurar o seu bem-estar, a sua recuperação, o pleno exercício de todos os seus direitos e o cumprimento dos seus deveres, salvo as exceções legais ou determinadas por sentença.
2-A medida não tem lugar sempre que o seu objetivo se mostre garantido através dos deveres gerais de cooperação e de assistência que no caso caibam.

Quer isto dizer que o objectivo perseguido pelo processo especial de acompanhamento de maiores, como ainda recentemente foi frisado no Ac. do STJ, de 11.02.2021, Processo n.º 76/15.6T8ALJ.G1.S1, www.dgsi.pt, é a satisfação do interesse do maior, com razão chamado de beneficiário das medidas no seu âmbito decretáveis (artigo 145.º CC) e não quaisquer outros motivos descentrados da pessoa daquele beneficiário. [...]

3.-A doença ligada ao consumo excessivo de álcool não é uma doença qualquer. Como refere o psicólogo clínico Mário Marques, o alcoolismo «é uma doença com forte impacto no funcionamento físico e psicológico, compromete o modo de agir da pessoa doente e com isso todas as valências de vida».

Os requerentes invocaram que a eventual beneficiária padece cronicamente desta doença com repercussões disruptíveis na condução da sua vida, designadamente na vertente da administração dos bens da maior.

Nada foi indagado a esse respeito, o que [...]podia e devia ter sido feito.

Justifica-se que o tribunal controle se se justifica ou não suprir a falta de autorização da eventual beneficiária do acompanhamento, designadamente através de uma perícia médico-psiquiátrica, a realizar numa unidade de alcoologia especializada na prevenção e tratamento de comportamentos aditivos, para apurar se a mãe dos requerentes se pode considerar doente por efeito do consumo excessivo de álcool, se sim, qual o estado de gravidade de tal doença e se esse estado se pode considerar, e em que medida, disruptivo de uma normal condução da vida e comprometedor da capacidade de autorizar livre e conscientemente o acompanhamento, sem prejuízo de outras diligências que o tribunal, ouvidas as partes, entenda necessárias, mas sem comprometer a natureza célere do processo.

Pois bem: como o primeiro grau tribunal deixou de realizar tais diligênciase não podendo esta Relação substituir-se ao tribunal recorrido, justifica-se a anulação da decisão recorrida e a baixa do processo ao primeiro grau para os referidos efeitos (artigos 665.º e 615.º, 1, d)).

Na decisão a proferir, após essas diligências, deverá o tribunal fixar os factos que fundamentam tal decisão com respectiva motivação."

[MTS]