Importa notar, no entanto, que essas disposições legais não regulamentam, em termos substantivos, as situações e os termos em que tal sanção é devida. Nem era essa a pretensão do legislador.
Na verdade, essas disposições – de natureza processual – apenas pretenderam clarificar e tornar expresso que a sanção pecuniária compulsória pode ser requerida no processo de execução (e não obrigatória e necessariamente no âmbito de uma acção declarativa). Tais disposições não se destinam, no entanto, a regulamentar, em termos substantivos, as situações e os termos em que tal sanção é devida; esta é questão que está prevista e regulamentada na lei civil e, mais concretamente, no art. 829º-A do CC.
Significa isso, portanto, que a sanção pecuniária compulsória poderá ser requerida no processo executivo (ainda que não conste do título), mas ela apenas será concedida ou fixada nos casos em que ela seja devida, ou seja, nos casos previstos no citado art. 829º-A do CC (já que é esta a norma que regula as situações e os termos em que há lugar à fixação dessa sanção).
Ora, como resulta do disposto no n.º 1 do citado art. 829º-A apenas pode haver lugar à aplicação de uma sanção pecuniária compulsória relativamente às obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, o mesmo não acontecendo relativamente às obrigações de facto fungível.
E compreende-se que assim seja.
Com efeito, é no domínio das obrigações de facto infungível que a aludida sanção se assume como relevante, forçando o devedor a cumprir uma obrigação que, dado o seu carácter infungível, só por ele pode ser cumprida; nas obrigações fungíveis, o facto pode ser prestado por outrem e, nessa medida, o credor tem meios de obter a satisfação do seu crédito sem a efectiva colaboração do devedor e, portanto, sem a necessidade de recorrer à aludida sanção que, como se referiu, visa, sobretudo, forçar o devedor a cumprir a obrigação.
A limitação do campo de aplicação dessa sanção às obrigações de prestação de facto (positivo ou negativo) infungível resulta, aliás, com toda a clareza do preâmbulo do diploma que a instituiu no nosso sistema jurídico – o Dec. Lei n.º 262/83, de 16/06 – onde se diz o seguinte:
“Autêntica inovação, entre nós, constituem as sanções compulsórias reguladas no artigo 829.º-A. Inspira-se a do n.º 1 desse preceito no modelo francês das astreintes, sem todavia menosprezar alguns contributos de outras ordens jurídicas; ficando-se pela coerção patrimonial, evitou-se contudo atribuir-se-lhe um carácter de coerção pessoal (prisão) que poderia ser discutível face às garantias constitucionais.
A sanção pecuniária compulsória visa, em suma, uma dupla finalidade de moralidade e de eficácia, pois com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça, enquanto por outro lado se favorece a execução específica das obrigações de prestação de facto ou de abstenção infungíveis” [...].
É indiscutível, portanto, que, nos termos previstos na lei civil – o citado art. 829.º-A do CC –, a sanção pecuniária compulsória só é admissível quando estão em causa prestações de facto infungível (positivo ou negativo).
A Recorrente apoia-se ainda no disposto no art. 365.º, n.º 2, do CPC, argumentando que, nos termos desse preceito, a sanção pecuniária compulsória é sempre admissível – independentemente do tipo e natureza da prestação em causa – relativamente a obrigações inseridas no âmbito de providências cautelares que tenham sido decretadas (como é aqui o caso, já que o título executivo corresponde precisamente a decisão que, com inversão do contencioso, decretou uma providência cautelar).
Mais uma vez, não lhe assiste razão.
A norma citada dispõe nos seguintes termos: “É sempre admissível a fixação, nos termos da lei civil, da sanção pecuniária compulsória que se mostre adequada a assegurar a efetividade da providência decretada”.
Não obstante seja certo que o advérbio “sempre” – ali utilizado – pode suscitar algumas dúvidas, importa reter que ali se alude à admissibilidade da fixação daquela sanção nos termos da lei civil e tal não poderá deixar de significar que é de acordo com a lei civil que deverá ser determinada a admissibilidade e os termos da fixação dessa sanção. Ou seja, a disposição citada – de natureza processual – apenas pretendeu admitir, em termos processuais, a formulação desse pedido no âmbito de procedimentos cautelares (visando, portanto, evitar obstáculos de natureza processual que pudessem ser colocados a tal pretensão), mas remeteu para a lei civil a regulação dos termos em que tal sanção é devida e fixada. E, para esse efeito, a lei civil é, naturalmente, o citado art. 829.º-A do CC – pois é esse o preceito que regula a aplicação dessa sanção – do qual resulta, conforme dissemos, que tal sanção apenas tem lugar quando estejam em causa prestações de facto infungíveis.
Nesse sentido se pronunciam Abrantes Geraldes [Temas da Reforma do Processo Civil, III Volume, 4.ª edição revista e actualizada, pág. 182] e José Lebre de Freitas [Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, 2.ª edição, pág. 22].
No mesmo sentido, afirma Calvão da Silva (citando no mesmo sentido Teixeira de Sousa, Capelo de Sousa e Lopes do Rego) o seguinte em relação ao disposto no artigo 384.º, n.º 2, do anterior CPC (que corresponde ao art. 365.º, n.º 2, do actual CPC) [Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 134.º, pág. 62]: “…a sanção pecuniária compulsória cautelar por cada violação sucessiva à providência inibitória ou por cada dia de atraso na observância da providência se aplica nos termos da lei civil, leia-se, nos termos do art. 829.º-A – logo, apenas a pedido do requerente e só para obrigações de facto infungível. Outra solução não pode decorrer da instrumentalidade do Processo Civil em relação ao Direito Civil: a prevalência do Direito substantivo sobre o Direito adjectivo, traduzida na remissão do n.º 2 do art. 384.º do Código de Processo para o art. 829.º-A do Código Civil”.
Os citados artigos 868.º, n.º 1 e 365.º, n.º 2, do CPC correspondem, portanto, a disposições de cariz processual de onde resulta que o pedido de fixação de sanção pecuniária compulsória não tem que ser formulado, exclusiva e obrigatoriamente, no âmbito de acção declarativa, podendo sê-lo no âmbito de acção executiva ou no âmbito de procedimento cautelar. Mas o regime substantivo dessa sanção – as situações em que é admissível e os termos em que pode ser concedida – está previsto na lei civil e, mais especificamente, no art. 829-A do CC e nos termos do n.º 1 desse preceito aquela sanção apenas será admissível em relação a obrigações de prestação de facto infungível (positivo ou negativo), não sendo aplicável a outras obrigações.
Assim, em termos processuais, nada obstava a que a Exequente formulasse tal pedido no âmbito da presente execução, tal como nada obstava a que o tivesse pedido no âmbito do procedimento cautelar onde foi proferida a decisão em que fundamenta esta execução. Tal sanção só poderia, no entanto, ser fixada se estivessem reunidos os pressupostos – fixados no n.º 1 do art. 829.º-A do CC – de que dependia a sua admissibilidade, ou seja, se a prestação em causa (resultante da providência decretada e reclamada na presente execução) correspondesse a uma prestação de facto infungível (positivo ou negativo).
Ora, a obrigação em causa nos presentes autos tem como conteúdo a demolição de determinado maciço rochoso, configurando-se, portanto, como uma obrigação de prestação de facto fungível e tanto é assim que a Exequente pediu a prestação do facto por outrem, o que, evidentemente, não poderia fazer caso estivesse em causa uma prestação de facto infungível.
Daí que não seja devida e não haja lugar à fixação de qualquer sanção pecuniária compulsória.
Tão pouco conseguimos entender a posição da Recorrente quando alude ao disposto no art. 70.º do CC para fundamentar a admissibilidade da sanção pecuniária compulsória e quando alude a uma unanimidade esclarecedora na doutrina e na jurisprudência no que respeita à total legalidade do recurso ao regime da sanção pecuniária compulsória, no âmbito da tutela de direitos de personalidade, com o fito de forçar os requeridos de providências cautelares ao cumprimento das mesmas.
Com efeito, o citado art. 70.º nada dispõe a propósito da admissibilidade (ou não) da sanção pecuniária compulsória; as condições de aplicabilidade dessa sanção são previstas – conforme se referiu – no art. 829.º-A do CC e, portanto, ainda que, como diz a Recorrente, a tutela cautelar dos direitos de personalidade corresponda a um campo de aplicação por excelência da figura da sanção pecuniária compulsória, tal só acontecerá quando essa tutela envolve uma obrigação de prestação de facto infungível (positivo ou negativo) nos termos previstos no n.º 1 do citado art. 829.º-A.
É evidente, por outro lado, a inexistência da “unanimidade esclarecedora na doutrina e na jurisprudência” – a que alude a Recorrente – no sentido da admissibilidade da sanção pecuniária compulsória relativamente a quaisquer prestações que não sejam prestações de facto infungível. A unanimidade existente vai precisamente no sentido contrário.
Além dos autores a que já fizemos referência, também Pedro de Albuquerque – na obra citada pela Recorrente [O direito ao cumprimento de prestação de facto, o dever de a cumprir e o princípio nemo ad factum cogi potest. Providência cautelar, sanção pecuniária compulsória e caução [aqui]] - diz que a aludida sanção só pode operar em obrigações de prestação de facto infungível. Não dizendo em momento algum (ao contrário do que pretende a Recorrente) que tal sanção seja aplicável a outro tipo de prestações, diz expressamente (cfr. pág. 9022) a propósito do art. 342.º/2 do CPC (correspondente ao art. 365.º/2 do actual CPC) que “Ao remeter para a lei civil, o Código de Processo Civil garante, desde logo, que a sanção pecuniária compulsória deve ser decretada nos termos do artigo 829.º- A do Código Civil”, o que significa, evidentemente, que ela só poderá operar relativamente a prestações de facto infungível.
O mesmo acontece com Tiago Soares da Fonseca (também citado pela Recorrente) [Da tutela judicial civil dos direitos de personalidade, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 66, I] que também não diz, em momento algum, que a sanção pecuniária compulsória possa ser aplicada fora das situações previstas no n.º 1 do art. 829.º-A do CC, ou seja, relativamente a obrigações que não envolvam uma prestação de facto infungível.
[MTS]