"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



08/04/2022

Jurisprudência 2021 (172)


Procedimento de injunção;
causa de pedir; título executivo


1. O sumário de RP 6/9/2021 (25727/17.4T8PRT.P2) é o seguinte:

I - Os vícios intrínsecos da formação da sentença, taxativamente consagrados no nº1, do art. 615º, do CPC (regime aplicável aos despachos por força do nº3, do artigo 613º de tal diploma legal), são vícios formais do silogismo judiciário relativos à harmonia formal entre premissas e conclusão, não hipotéticos erros de mérito.

II - Das disposições conjugadas dos arts. 14º e 16º do regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância resulta que a formação de título executivo, pela aposição de fórmula executória ao requerimento de injunção, a apresentar nos termos fixados no art. 10º, depende da verificação simultânea de duas condições:
i) a realização da notificação do requerido;
ii) a falta de oposição do mesmo;

III - E exigindo a lei, para o requerimento de injunção, apenas uma sucinta exposição dos factos que fundamentam a pretensão, a alegação dos contratos celebrados e do incumprimento do acordado quanto ao pagamento mostra-se suficiente, bem permitindo a compreensão dos negócios que estão na origem do litígio que levou ao recurso ao meio “injunção” e à, subsequente, ação executiva, fundada em tal injunção a que foi conferida força executiva, por falta de pagamento voluntário.

IV - Não há falta de título executivo nem de causa de pedir quando no requerimento executivo se alega e dá por reproduzido o, junto, requerimento de injunção com aposição de fórmula executória em que alegado vem, como fonte do crédito invocado, um contrato de utilização de cartão de crédito, a data da celebração do mesmo, a identidade dos outorgantes, o crédito gerado com a utilização e o não pagamento.


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"O artigo 857.º, com a epígrafe “Fundamentos de oposição à execução baseada em requerimento de injunção” consagra:

“1 – Se a execução se fundar em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, para além dos fundamentos previstos no artigo 729.º, aplicados com as devidas adaptações, podem invocar-se nos embargos os meios de defesa que não devam considerar-se precludidos, nos termos do artigo 14.º-A do regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na sua redação atual.
2 — Verificando-se justo impedimento à dedução de oposição ao requerimento de injunção, tempestivamente declarado perante a secretaria de injunção, nos termos previstos no artigo 140.º, podem ainda ser alegados os fundamentos previstos no artigo 731.º; nesse caso, o juiz receberá os embargos, se julgar verificado o impedimento e tempestiva a sua declaração.
3 — Independentemente de justo impedimento, o executado é ainda admitido a deduzir oposição à execução com fundamento:
a) Em questão de conhecimento oficioso que determine a improcedência, total ou parcial, do requerimento de injunção;
b) Na ocorrência, de forma evidente, no procedimento de injunção de exceções dilatórias de conhecimento oficioso”.

A Lei nº 117/2019 de 13 de setembro, a vigorar a partir de 01 de Janeiro de 2020, alterou o nº 1 deste preceito, sendo a sua anterior redação:

“1 — Se a execução se fundar em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, apenas podem ser alegados os fundamentos de embargos previstos no artigo 729.º, com as devidas adaptações, sem prejuízo do disposto nos números seguintes”.

E é a seguinte a redação do referido artigo 14.º-A, com a epígrafe “Efeito cominatório da falta de dedução da oposição”, do regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância, introduzido pelo artigo 7º da Lei nº 117/2019, de 13 de setembro:

“1 - Se o requerido, pessoalmente notificado por alguma das formas previstas nos n.ºs 2 a 5 do artigo 225.º do Código de Processo Civil e devidamente advertido do efeito cominatório estabelecido no presente artigo, não deduzir oposição, ficam precludidos os meios de defesa que nela poderiam ter sido invocados, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
2 - A preclusão prevista no número anterior não abrange:
a) A alegação do uso indevido do procedimento de injunção ou da ocorrência de outras exceções dilatórias de conhecimento oficioso;
b) A alegação dos fundamentos de embargos de executado enumerados no artigo 729.º do Código de Processo Civil, que sejam compatíveis com o procedimento de injunção;
c) A invocação da existência de cláusulas contratuais gerais ilegais ou abusivas;
d) Qualquer exceção perentória que teria sido possível invocar na oposição e de que o tribunal possa conhecer oficiosamente.”

Assim, o supra referido art. 857º, “nº1, na sua anterior redação, apenas permitia àquele que fosse executado com base em requerimento de injunção dotado de fórmula executória erigir como fundamento de embargos os previstos no art. 729º (fundamentos de oposição à execução baseada em sentença), com as devidas adaptações, sem prejuízo das ressalvas contidas nos nºs 2 e 3. Todavia, o Ac. do Trib. Const. Nº 264/2015 declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de tal preceito quando interpretado “no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória”, por violação do princípio da proibição da indefesa. Na sequência dessa decisão, deveria considerar-se que, além dos fundamentos de embargos previstos no art. 729º, com as devidas adaptações, poderiam ser alegados quaisquer outros invocáveis como defesa no processo de declaração, aplicando-se, pois, o art. 731º (cf. Rui Pinto, CPC anot., vol. II, p. 746). Em consequência da leitura do preceito imposta pelo Trib. Const., os nºs 2 e 3, que estavam estruturados como exceção ao nº1, perdiam utilidade, pois visam assegurar algo que, deste modo, seria já alcançável por via do sentido a dar àquele nº1” [Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, Almedina, pág. 287].

Mais aí se refere que “Ocorre, no entanto, que aquele aresto do Trib. Const. Não analisou, na sua plenitude, o regime vigente na ordem jurídica portuguesa, passando ao lado do Regulamento (CE) nº 1896/2006, que criou um procedimento europeu de injunção de pagamento. Nos termos do art. 22º, nº3, desse Regulamento, a injunção de pagamento europeia não pode, em caso algum, ser reapreciada quanto ao mérito no Estado-Membro de execução. Daqui deriva que, no Estado-Membro de execução, está precludida a arguição de exceções não alegadas no anterior procedimento europeu de injunção de pagamento. (…) Neste contexto era de questionar a compatibilidade do regime interno português com a exigência da preclusão das exceções não alegadas no procedimento europeu de injunção de pagamento” [Ibidem, pág. 287 e seg.].

Em nota ao referido art. 857.º, bem elucida o Ilustre Senhor Desembargador Dr. Carlos Gil, no Código de Processo Civil divulgado, questões que se suscitam, designadamente, equacionadas pelo Senhor Prof. Miguel Teixeira de Sousa, em torno da declarada inconstitucionalidade [...].

“Da nova redação do nº1, introduzida pela Lei nº 117/19, de 13-9, conjugada com o disposto no art. 14º-A do Anexo ao DL nº 269/98, de 1/9, também aditado pela mesma Lei, além do suprimento das questões de inconstitucionalidade, resultou a clarificação do regime de fundamentos de embargos de executado (remetendo para o disposto no art. 729º), no confronto com a cominação associada à falta de oposição no procedimento de injunção (estabelecendo ressalvas à preclusão decorrentes da revelia fixada no nº1 daquele art. 14º-A). (…) Considerando o disposto nos arts. 11º e 15º da Lei nº 117/19, de 13-9, o regime deste art. 857º, bem assim do art. 14º-A do Anexo ao DL nº 269/98, de 1-9, apenas tem aplicação relativamente a procedimentos de injunção iniciados após 1-1-2020 [Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, Almedina, pág. 288].

Revertendo para o caso, cumpre referir que nos autos, foi determinado, já, por Acórdão desta Relação de 26/10/2020, ao juiz do Tribunal a quo, que apreciasse o requerimento deduzido pela executada, pese embora de embargos de executado se não trate, por entender poder o juiz apreciar oficiosamente as questões suscitadas no requerimento em apreciação e, assim sendo, podendo-o, “a reclamante também podia, como efectivamente fez, suscitar a apreciação dessas questões ao Tribunal” – cfr. fls 50 a 53 e, ainda, fls 61 a 63.

Considerou-se naquele Acórdão que:

“A recorrente argumenta, em suma, que o tribunal a quo deveria ter-se pronunciado sobre as questões suscitadas uma vez que o poderia fazer oficiosamente ao abrigo do art. 734º nº1 do CPC (que consta nas regras do processo ordinário da execução para pagamento de quantia certa e que prevê que, até ao primeiro acto de transmissão dos bens penhorados, o juiz possa conhecer oficiosamente das questões que poderiam ter determinado o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo).

Emprega-se o processo sumário às execuções baseadas, como é o caso, em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória (art. 550º, nº2 al. b) do CPC).

À execução sumária aplicam-se subsidiariamente as disposições do processo ordinário (art. 551º, nº3 do CPC) o que implica que seja aplicável ao processo de execução sumário a supra citada norma do processo ordinário de execução.

No processo executivo ora em causa, só é atribuída força executiva ao requerimento inicial se o executado não deduzir ab initio oposição (art. 14º nº1 do DL nº 269/98 de 1/9) e o executado ainda pode deduzir oposição à execução por meio de embargos conforme arts 856º e 857º do CPC (inclusive, após 1/1/2020, de forma ampla nos termos da nova redacção dada ao art. 857º, nº1 pelo DL nº 117/2019 de 13/9)”,

e entendeu-se poder o juiz apreciar oficiosamente as questões suscitadas e podendo-o, ser direito da reclamante suscitar a sua apreciação.

No cumprimento do determinado, decidiu o Tribunal a quo, por despacho de 5/1/2021, julgar improcedente o requerido, por considerar existir título executivo – a injunção a que foi aposta formula executória – e inexistir qualquer ineptidão do requerimento executivo, face ao que deste e daquele consta.

Ora, e tendo presente, como acima se referiu, que o recurso é balizado pelas conclusões das alegações da recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, não podendo este Tribunal conhecer de questões novas, não alegadas pelas partes e suscitadas perante o Tribunal de 1ª instância, constata-se bem ter o Tribunal a quo decidido, pois que, na verdade, e como resulta dos factos dados como provados, existe título executivo - o requerimento de injunção ao qual foi aposta a formula executória (cfr. fls 2) - e o requerimento executivo não padece de ineptidão, pois que dele (cfr fls 3 e, ainda, fls 2) bem resulta ser o título executivo a referida injunção a que foi aposta a formula executória, dela figurando a, afirmada, quantia exequenda e alegado sendo que a executada nada pagou, estando em dívida a importância reclamada relativa ao “Contrato de utilização de cartão de crédito” celebrado em 6/5/2011, “contrato nº ………………., celebrado entre a requerida e D…, que cedeu o crédito à exequente, por contrato de cessão de créditos celebrado entre ambas e comunicado à requerida.

Assim, bem sabe a executada a que respeita a quantia peticionada – utilização, que fez, do cartão de crédito em causa – estando, embora sucintamente, invocados, suficientemente, especificados e densificados os concretos factos que integram a causa de pedir da pretensão que formulou na injunção apresentada e que foram dados por reproduzidos no requerimento executivo a que aquela se encontra junta.

A explicação, fundamentação, especificação, densificação fáctica para a exigência do capital encontra-se nos alegados factos da vida real, na afirmação da celebração dos contratos em causa e na utilização do cartão a gerar o crédito - o Contrato de utilização de cartão de crédito (contrato nº ……………….), celebrado em 6/5/2011 entre a requerida e D… e o contrato de cessão do crédito à exequente, referente àquela utilização, celebrado entre aquele banco e esta, comunicado à requerida.

Resulta da injunção a alegação de a importância peticionada emergir da “discriminação e pela causa … indicada”.

Refira-se, ainda, que, no requerimento injuntivo, o requerente, utilizando modelo de requerimento aprovado por portaria do Ministro da Justiça, deve, entre outros, expor sucintamente os factos que fundamentam a pretensão, como se refere no art.º 10.º/1 e 2, alíneas d) do anexo ao Dec. Lei n.º 269/98, de 1 de setembro e, sendo a causa de pedir o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido e corresponde ao núcleo fáctico essencial tipicamente previsto por uma ou mais normas como causa do efeito de direito material pretendido, só a omissão total de causa de pedir corresponde à falta absoluta de indicação de factos que fundamentam o efeito jurídico pretendido e só esta pode conduzir à ineptidão da petição inicial – art.º 186.º/2, al. a), do C. P. Civil [Ac. da RE de 11/5/2017, proc. 18163/16.1YIPRT.E1, in dgsi].

Apesar de, “Na injunção, sob pena de ineptidão do requerimento injuntivo, por falta de indicação de causa de pedir, o requerente dever invocar os factos jurídicos concretos que integram a respectiva causa de pedir, pois que a lei ao dispensar a pormenorizada alegação de facto, bastando-se com a alegação sucinta e não articulada dos factos, em termos de brevidade e concisão, não postergou, com tal agilização, os princípios gerais da concretização fáctica, embora sucinta, em termos de integração dos pressupostos da respectiva norma jurídica substantiva” e de “No procedimento para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos [Injunção] e nas acções especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias [AECOPs] com origem naquele procedimento, em que a pretensão do requerente/autor só pode emergir de uma transacção comercial fundada num contrato ou numa pluralidade de contratos, a narrativa da causa de pedir não pode deixar de conter o conteúdo essencial das declarações negociais e os factos negativos ou positivos consubstanciadores do incumprimento por parte do requerido”[Ac. RL de 16/5/2019, proc. 89078/18.6YIPRT-A.L1-6in dgsi.pt] [Cfr., ainda, in dgsi, Ac. RG de 27/6/2019, proc. 30491/18.7YIPRT.G1 [...]], certo é que, no caso, a alegação mínima foi observada.

Com efeito, para além de especificados os contratos, designadamente o contrato nº ……………….), celebrado em 6/5/2011 entre a requerida e D…, e as partes outorgantes, foi indicada a importância de crédito utilizado com o cartão em causa cedido à exequente, com comunicação da cessão do crédito à executada/apelante.

Deste modo, exigindo a lei, para o requerimento de injunção, meramente, uma sucinta exposição dos factos que fundamentam a pretensão, a alegação dos contratos celebrados e do incumprimento do acordado quanto ao pagamento do capital mostra-se suficiente, bem permitindo a compreensão dos negócios que estão na origem do litígio que levou ao recurso ao meio “injunção” e à, subsequente, ação executiva, fundada em tal injunção a que foi conferida força executiva, por falta de pagamento voluntário."

[MTS]