Acção inibitória; pedido inibitório;
admissibilidade*
I- A apreciação da competência material dos tribunais afere-se em função do pedido do autor, considerando a pretensão formulada e os fundamentos em que a mesma se baseia, atendendo à relação jurídica controvertida tal como configurada na petição inicial.
II- Nos termos das alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 128º da Lei n.º 62/2013 de 26 de agosto (Lei de Organização do Sistema Judiciário) compete aos juízos de comércio preparar e julgar as ações relativas ao exercício de direitos sociais e as ações de suspensão e de anulação de deliberações sociais.
III- Os direitos sociais “são os direitos cuja matriz, directa e imediatamente, se funda na lei societária (lei que estabelece o regime jurídico das sociedades comerciais) e/ou no contrato de sociedade”, podendo ser titulares de direitos sociais a sociedade, os sócios, os credores sociais e terceiros.
IV- Para efeitos de integração na alínea c) do n.º 1 do artigo 128º da Lei n.º 62/2013 de 26 de agosto (Lei de Organização do Sistema Judiciário), estando em causa direitos sociais dos sócios, deverá entender-se que são os que integram a esfera jurídica daqueles, por força do contrato de sociedade, sendo inerentes à sua qualidade e estatuto, dirigidos à proteção dos seus interesses sociais; o que pressupõe que o autor tenha a qualidade de sócio, que o direito que visa realizar através da ação se alicerce no contrato de sociedade e que com o pedido formulado vise a proteção de um qualquer dos seus interesses sociais.
V- Os pedidos devem ser formulados de forma clara, determinada, congruente e coerente, apresentando-se, sob pena de ineptidão, como uma consequência lógica dos fundamentos invocados, ainda que possam ser apresentados de forma alternativa (artigo 553º), subsidiária (artigo 554º), cumulativa (artigo 555º), genérica (artigo 556º) e em prestações vincendas (artigo 557º), nas circunstâncias legalmente previstas.
VI- A formulação de pedido genérico fora do condicionalismo legal reconduz-se a uma exceção dilatória inominada.
2. No relatório e na fundamentação afirma-se o seguinte:
"I. Relatório
M. N., e marido J. N., residentes na Rua …, n.º …, Porto, instauraram ação de processo comum contra F. M., E. P. e mulher M. G., R. J., P. M. & Filhos, Limitada, X – Comércio de Pronto a Vestir, Limitada, Y – Importação e Exportação de Artigos para o Lar, Ldª e A. P.
Pedem os Autores que:
[...] 3) serem os Réus R. J. e F. M. condenados a absterem-se de realizarem ou praticarem qualquer ato, incluindo quaisquer negócios entre a sociedade P. M. & Filhos, Lda e qualquer uma das outras sociedades em que os Réus E. P. e M. G. detêm participações sociais e qualquer uma das sociedades de que o Réu R. J. seja sócio ou gerente, que diminua ou prejudique a mais-valia de negócio para a sociedade P. M. & Filhos, Lda e qualquer outra sociedade onde os Réus E. P. e M. G. detêm ou detenham participações sociais; [...]
6) ser a Ré P. M. & Filhos, Ldª condenada a se abster de, através dos seus respetivos representantes legais, administradores ou gerentes, acionistas ou sócios, decidir, deliberar, realizar, executar ou registar quaisquer atos, incluindo aumentos de capital social, fusões ou cisões que tenham subjacentes os factos e o direito invocados pela Autora e que distorçam, desvalorizam ou por qualquer meio, forma ou processo tenham subjacente e revelem a forma intencional dos Réus R. J. e F. M. de provocar a redução do valor patrimonial dos bens e participações sociais detidas pelos Réus seus pais E. P. e M. G. para obterem proveito pessoal contrário à ordem pública e aos bons costumes, através de contratos e negócios e ou do reforço de participação social nesta sociedade de cada um dos Réus, assentes em atos e ou contratos simulados e ou dissimulados; [...].
III. Fundamentação
b) Da inadmissibilidade dos pedidos 3) a 6) da petição inicial em face da sua imprecisão/indeterminação
Os Recorrentes também não se conformam com a decisão proferida pelo tribunal a quo que absolveu os Réus da instância quanto aos pedidos formulados em 3) a 6) por serem imprecisos e indeterminados e parcialmente ininteligíveis.
Sustentam para o efeito que estes pedidos estão diretamente ligados com os pedidos 1) e 2) e que nestes pedidos [(1) a 6)] a Autora/Recorrente não visa um qualquer efeito especifico suscetível de integrar um concreto direito social que pretenda exercer futuramente, mas apenas a paralisação da posição dos Réus, visando assegurar com referência à sociedade P. M. & Filhos Lda a não realização de atos e contratos simulados.
Cumpre referir, em primeiro lugar que, na própria perspetiva dos Recorrentes, os pedidos em causa, estando diretamente ligados com os pedidos 1) e 2), deveriam ser logicamente apreciados em conjunto com estes, pelo que não sendo o tribunal a quo competente para destes conhecer, não sendo os mesmos apreciados nos presentes autos, seria desde logo incoerente apreciar e decidir nos presentes autos os pedidos formulados em 3) a 6).
Mas a questão colocada pelo tribunal a quo é a da verificação da exceção dilatória inominada da imprecisão/indeterminação dos pedidos em causa.
Vejamos então.
Nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 552º do Código de Processo Civil na petição, com que propõe a ação, deve o autor formular o pedido.
É inquestionável que a formulação do pedido é um dos elementos essenciais da petição inicial, constituindo a sua verdadeira razão de ser pois através dele dirige o autor ao tribunal a sua pretensão.
Aliás, o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes (cfr. artigo 3º, n.º 1 do Código de Processo Civil), e o juiz, na sentença, também não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que foi pedido (cfr. artigo 609º n.º 1 do Código de Processo Civil).
A sua falta ou a sua ininteligibilidade tornam a petição inepta, o que acarreta a nulidade de todo o processo e a absolvição do réu da instância (artigos 186º n.º 1 e n.º 2, alínea a) e 278º n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil).
Impõe-se por isso, que, na petição inicial, o autor indique de forma clara e percetível o pedido que pretende ver decretado pelo tribunal; “só um pedido cujo alcance possa ser compreendido pelo juiz e pelo réu é passível de sustentar um processo em que se pretende uma decisão judicial definidora de um conflito de interesses, assegurar o efetivo exercício do contraditório, circunscrever com rigor os limites da sentença (art. 609º, n.º 1) e delimitar o caso julgado material (art. 621º) (António Santos Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2018, página 609).
O pedido deverá também ter um conteúdo determinado ou determinável em fase de liquidação ou execução de sentença, de forma a que possa ser facilmente apreendido por terceiros e permita a definição dos contornos do direito no caso concreto (António Santos Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipe Pires de Sousa, ob. e pág. cit., dão como exemplo negativo o caso apreciado pelo Tribunal da Relação de Évora em que foi pedida a “declaração de que o autor não tem para com o réu qualquer dívida ou qualquer obrigação de pagar ou indemnizar”).
Como é óbvio, os pedidos vagos e imprecisos não satisfazem esta exigência; o mesmo ocorrendo com os pedidos genéricos, pelo que estes apenas são excecionalmente admitidos nos casos previstos no n.º 1 do artigo 556º do Código de Processo Civil Anotado, isto é:
“a) Quando o objeto mediato da ação seja uma universalidade, de facto ou de direito;b) Quando não seja ainda possível determinar, de modo definitivo, as consequências do facto ilícito, ou o lesado pretenda usar da faculdade que lhe confere o artigo 569.º do Código civil;c) Quando a fixação do quantitativo esteja dependente de prestação de contas ou de outro ato que deva ser praticado pelo réu”.
Os pedidos formulados na petição inicial devem ser, por isso e em regra, determinados no seu quantitativo e conteúdo, apenas podendo formular-se pedidos genéricos nos casos previstos no referido artigo 556º.
Impõe-se então concluir que os pedidos não podem ser formulados de forma vaga, imprecisa e indeterminada, e nem de forma ininteligível; antes devem ser formulados de forma clara, determinada, congruente e coerente, apresentando-se, sob pena de ineptidão, como uma consequência lógica dos fundamentos invocados, e certa, ainda que possam ser apresentados de forma alternativa (artigo 553º), subsidiária (artigo 554º), cumulativa (artigo 555º), genérica (artigo 556º) e em prestações vincendas (artigo 557º), nas circunstâncias legalmente previstas.
Nos casos em que tal não ocorre, e à semelhança das situações de ineptidão da petição inicial, expressamente prevista como exceção dilatória, estaremos também perante uma exceção dilatória, ainda que inominada, sendo inquestionável, em face do artigo 577º do Código de Processo Civil (onde consta expressamente a referência a “entre outras”) a existência de exceções dilatórias inominadas.
Anselmo de Castro (Direito Processual Civil Declaratório, 1982, II, página 250) considera que quando se “formula indevidamente um pedido genérico, ainda aí a consequência deverá ser a absolvição da instância, pois não poderá o tribunal legalmente conceder o que o autor pede (a isso obsta, por definição, o art 471º) nem conceder coisa diversa (art 668º/1 al e)”; no sentido de a formulação ilegal de pedido genérico constituir exceção dilatória pronuncia-se também Abrantes Geraldes (Temas da Reforma do Processo Civil, II Volume, 1997, página 75 e ob. cit. Página 618) considerando que a “dedução de pedido genérico fora do condicionalismo legal reconduz-se a uma exceção dilatória inominada”.
In casu, analisando os pedidos formulados pelos Autores em 3), 4), 5) e 6) da petição inicial, temos de concordar com o entendimento perfilhado pelo tribunal a quo, concluindo que se apresentam efetivamente formulados com um caráter impreciso, indeterminado e genérico.
Tal como se refere na decisão recorrida “Se acaso o tribunal julgasse os pedidos em causa procedentes, eles sofreriam de uma indeterminação e imprecisão tal que, perante cada ato que os R.R. viessem a praticar, ter-se-ia de andar a discutir se tal ato diminuía ou prejudicava “a mais-valia de negócio” (seja lá o que isso for), se tal ato “direta ou indiretamente contribuía ou podia contribuir para a diminuição do valor das participações sociais”, se tal ato “distorcia, desvalorizava ou por qualquer meio, forma ou processo tinha subjacente e revelava a forma intencional de provocar a redução do valor patrimonial dos bens e participações sociais, para obtenção de proveito pessoal contrário à ordem pública e aos bons costumes…, assentes em atos e ou contratos simulados e ou dissimulados”.
Conforme já referimos o pedido deve ser indicado de forma clara e percetível para a ser perfeitamente compreendido pelo juiz e pelo réu tendo em vista possibilitar verdadeiramente o exercício do contraditório, permitir a definição dos contornos do direito no caso concreto e a prolação de uma decisão que seja definidora do conflito de interesses subjacente ao mesmo; a decisão judicial que venha a ser proferida não pode ser imprecisa e/ou indeterminada, antes sendo necessário saber com exatidão o que o tribunal decidiu, para que os autores e os réus, e qualquer pessoa, possam saber sem dúvidas o que foi decidido e o que deve ser cumprido pelos réus no futuro.
Os pedidos em causa apresentam-se formulados com um carater manifestamente indeterminado e patentemente genérico (mas insuscetível de integrar a previsão do artigo 556º do Código de Processo Civil) pelo que, consequentemente, a decisão proferida pelo tribunal a quo, que absolveu os Réus da instância relativamente aos pedidos 3) a 6), não merece censura, devendo manter-se, improcedendo também nesta parte o presente recurso."
*3. [Comentário] Salvo o devido respeito, não se acompanha a orientação da RG (que também foi a da 1.ª instância).
Os pedidos 1 e 3 são pedidos de carácter inibitório e têm a concretização suficiente para serem considerados admissíveis. Se os pedidos poderiam vir a ser considerados procedentes e em que medida o poderiam vir a ser, isso é naturalmente outra questão. A RG (bem como a 1.ª instância) parece ter esquecido que qualquer pedido pode ser sempre julgado num minus quanto ao que é pedido.
Acresce que não é adequado submeter os pedidos inibitórios ao regime dos pedidos genéricos que consta do art. 556.º CPC. Aliás, se a admissibilidade dos pedidos inibitórios fosse aferida em função do disposto no art. 556.º CPC, haveria que concluir que, atendendo a que este preceito nada refere quanto aos pedidos inibitórios, no processo civil português não seriam admissíveis acções inibitórias e pedidos de conteúdo inibitório.
MTS
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