[MTS]
"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))
29/11/2024
Jurisprudência 2024 (59)
[MTS]
28/11/2024
CPC online (22)
-- Versão (22) do CPC online
-- MTS, CPC online, NP-Ab-IG; L 41/2013 (vs. 2024.12)
-- MTS, CPC online, Art. 1.º a 129.º (vs. 2024.12)
-- MTS, CPC online, Art. 130.º a 361.º (vs. 2024.12)
-- MTS, CPC online, Art. 362.º a 409.º (vs. 2024.12)
-- MTS, CPC online, Art. 410.º a 466.º (vs. 2024.12)
Paper (519)
Jurisprudência 2024 (58)
«I - A ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho decorrente do disposto no artigo 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro que regula o procedimento a adotar em caso de inadequação do vínculo que titula a prestação de uma atividade em condições correspondentes às do contrato de trabalho deve ser intentada pelo Ministério Público no juízo do trabalho da área territorial onde a pessoa em causa presta a respetiva atividade.II - Estando em causa uma lei especial e face ao nela preceituado, a presente exceção impõe-se à regra geral do art. 13º n.º 1 do Cód. de Processo de Trabalho que determina ser competente territorialmente o juízo do trabalho do domicílio do réu».
«Presentemente, na ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, a instância inicia-se com o recebimento da participação – artigo 26.º, n.º 6 do CPT – a remeter aos serviços do Ministério Público junto do juízo do trabalho da “área de residência do trabalhador”, conforme decorria do artigo 15.º-A, n.º 3, da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro. Já desde então foi criada uma norma especial, que afasta o regime da competência territorial a que alude a seção II, do capítulo II, título II, do CPT.Entretanto, a partir de 1 de agosto de 2017, data de entrada em vigor das alterações introduzidas pela Lei n.º 55/2017, de 17 de julho, a participação dos factos será remetida para os serviços do Ministério Público junto do Juízo do Trabalho do lugar da prestação da atividade.Nestes termos, de acordo com o n.º 3 do artigo 15.º-A da Lei n.º 107/2009, que prevê o procedimento a adotar em caso de inadequação do vínculo que titula a prestação de uma atividade em condições correspondentes às do contrato de trabalho e que veio a originar apresente ação para reconhecimento de existência de contrato de trabalho, a ACT deve remeter “(…) participação dos factos para os serviços do Ministério Público junto do tribunal do lugar da prestação da atividade, acompanhada de todos os elementos de prova recolhidos, para fins de instauração de ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho.”.
Depois, sequencialmente, esclarece o n.º 1 do artigo 186.º-K do Código do Processo do Trabalho que “após a receção da participação prevista no n.º 3 do artigo 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, o Ministério Público dispõe de 20 dias para propor ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho”.
Ou seja, os serviços do MP recebem a participação e dispõem de um prazo que é exigente para logo proporem a ação correspondente.Não faria legalmente sentido que a ação fosse proposta pelo MP noutra comarca que não a que recebeu a participação até pela dificuldade operacional que tal opção implicaria num procedimento que o legislador quis expedito.No nosso caso, o serviço do Ministério Público que recebeu a participação foi o serviço do Ministério Público do Juízo do Trabalho de Aveiro, que se encontra integrado na procuradoria do juízo especializado do trabalho de Aveiro, sedeado na Comarca de Aveiro – cfr. artigo 73.º, n.º 2 do Estatuto do Ministério Público. Nesta comarca, exerce as suas competências, obviamente, o Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro devendo a ação ser interposta na jurisdição especializada laboral da comarca de Aveiro.Neste sentido, “ex abundanti”, atente-se na sequência pormenorizada constante do citado artigo 15º:
Procedimento a adotar em caso de inadequação do vínculo que titula a prestação de uma atividade em condições correspondentes às do contrato de trabalho:
1 - Caso o inspetor do trabalho verifique, na relação entre a pessoa que presta uma atividade e outra ou outras que dela beneficiam, a existência de características de contrato de trabalho, nos termos previstos nos n.os 3 e 4 do artigo 2.º, lavra um auto e notifica o empregador para, no prazo de 10 dias, regularizar a situação, ou se pronunciar dizendo o que tiver por conveniente.2 - O procedimento é imediatamente arquivado caso o empregador faça prova da regularização da situação do trabalhador, designadamente, mediante a apresentação do contrato de trabalho ou de documento comprovativo da existência do mesmo, reportada à data do início da relação laboral, mas não dispensa a aplicação das contraordenações previstas no n.º 2 do artigo 12.º e no n.º 10 do artigo 12.º-A do Código do Trabalho.3 - Findo o prazo referido no n.º 1 sem que a situação do trabalhador em causa se mostre devidamente regularizada, a ACT remete, em cinco dias, participação dos factos para os serviços do Ministério Público junto do tribunal do lugar da prestação da atividade, acompanhada de todos os elementos de prova recolhidos, para fins de instauração de ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho.4 - A ação referida no número anterior suspende até ao trânsito em julgado da decisão o procedimento contraordenacional ou a execução com ela relacionada.
A nosso ver, não existe, portanto, uma lacuna legal, pelo contrário erigiu-se uma cadeia procedimental que se pretende rigidamente fixada.Como se refere na reclamação em apreço, a lei tomou a opção, sensata em termos de eficácia, de conferir ao Tribunal do lugar da prática da infração, que será o lugar da prestação da atividade, a competência não somente para decidir sobre a impugnação judicial de contraordenação laboral como também para decidir sobre a existência de contrato de trabalho.Aliás, note-se que, em rigor e repetindo-nos, uma vez recebida em juízo a participação -registada e distribuída nos serviços judiciais – logo se inicia, se fixa, a instância (art. 26.º, n.º 6, do CPT) sendo depois apresentada ao Ministério Público aquela participação para efeito de elaboração, sendo o caso, da petição inicial.Esta é a conclusão que resulta a única consentânea com o explicitado na lei.Como refere José Joaquim Fernandes de Oliveira Martins, em “A Ação Especial de Reconhecimento da Existência de Contrato de Trabalho – Vinho Velho em Odres Novos”, JULGAR Online n.º 25, 2015, página 206, a propósito deste artigo 15º “retira-se deste normativo que a Secção do Trabalho territorialmente competente para apreciar esta ação é o da “área de residência do trabalhador” (hoje, por força da Lei n.º 55/2017, de 17 de julho, a área da prestação da atividade), para cujos serviços do MP deve ser remetida a respetiva participação, à qual devem ser juntos todos os elementos de prova obtidos pela ACT (verbi gratia, cópia de contratos celebrados, recibos de prestação de serviços, mapas de horários a cumprir pelo “prestador de serviços”, etc.).E, atento o teor deste artigo, considera-se que deve ser elaborada uma participação por trabalhador, para facilitar a elaboração da posterior petição inicial e até por poderem ser competentes em razão do território várias secções do trabalho, sem prejuízo de, depois de instauradas as subsequentes ações, se poderem apensar, antes da fase de julgamento, as diversas ações pendentes com vista a uma maior economia processual.”
[MTS]
27/11/2024
Jurisprudência 2024 (57)
II. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"B- Julgamento da matéria de direito
B1. A questão de saber se os requerimentos de 12/09/2023, 14/09/2023 e 15/09/2023, apresentados pelos reclamantes, eram admissíveis, devendo ficar nos autos, e nomeadamente, se devia ser considerada a prova testemunhal e documental aí indicada.
Na resposta, o recorrido vem dizer que vigora aqui o princípio da concentração da defesa e da preclusão, sendo que, posteriormente à resposta do cabeça-de-casal à reclamação da relação de bens apresentada, não está previsto na lei qualquer outro articulado. Mais, chama a atenção para que se o Novo Regime Jurídico do Processo de Inventário, previsto nos arts. 1082º e ss. do CPC, se encontra sujeito aos demais princípios do processo declarativo, nomeadamente ao do contraditório, previsto no art. 3º, nº 3 do CPC, não será menos verdade que o mesmo se encontra também submetido ao preceito legal do seu nº 4, segundo o qual, às excepções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final. O que, in casu, mutatis mutandis, corresponderia à audiência prévia prevista no art. 1109º ou, não havendo lugar à mesma, à conferência de interessados do art. 1111º do CPC. Cita jurisprudência.
Ora bem.
Aproveitando o que se escreve no Acórdão desta Relação de 30 de Março de 2023 (Anizabel Sousa Pereira),
“também Lopes do Rego, in Julgar on line, Dezembro de 2019, refere “Este novo modelo procedimental parte de uma definição de fases processuais relativamente estanques, envolvendo apelo decisivo a um princípio de concentração, propiciador de que determinado tipo de questões deva ser necessariamente suscitado em certa fase procedimental (e não nas posteriores), sob pena de funcionar uma regra de preclusão para a parte; e assim, o modelo procedimental instituído para o inventário na Lei n.º 117/19 comporta:I) Uma fase de articulados – abrangendo a fase inicial e a fase das oposições e verificação do passivo;II) Uma fase de saneamento, em que o juiz, após realização das diligências necessárias, e com a possibilidade de realizar uma audiência/conferência prévia, deve decidir, em princípio, todas as questões ou matérias litigiosas que condicionam a partilha e a definição do património a partilhar, proferindo também, nesse momento processual – e após contraditório das partes – despacho contendo a forma à partilha (antes de convocar a conferência de interessados);III) Um procedimento específico para a verificação e redução de eventuais inoficiosidades, através de um incidente com a estrutura de uma acção enxertada no inventário;IV) A fase da partilha, consubstanciada, desde logo, nas diligências e actos que integram a conferência de interessados…;Só depois de encerradas estas diligências se passa à elaboração do mapa da partilha, concretizando, na sequência do resultado dessas várias diligências anteriores, os bens que integram o quinhão hereditário de cada interessado – e encerrando-se naturalmente o processo com a prolação de sentença homologatória”.Concluiu aquele mesmo autor “ com este regime de antecipação/concentração na suscitação de questões prévias à partilha ou de meios de defesa, associado ao estabelecimento de cominações e preclusões, pretende evitar-se que a colocação tardia de questões – que podiam perfeitamente ter sido suscitadas em anterior momento ou fase processual – ponha em causa o regular e célere andamento do processo, acabando por inquinar irremediavelmente o resultado de actos e diligências já aparentemente sedimentados, tendentes nomeadamente à concretização da partilha, obrigando o processo a recuar várias casas, com os consequentes prejuízos ao nível da celeridade e eficácia na realização do seu fim último.”
Vejamos. Os interessados directos na partilha podem, no prazo de 30 dias a contar da sua citação, apresentar reclamação à relação de bens (art. 1104º,1,d CPC).
Se for deduzida reclamação, são notificados os interessados, podendo responder, em 30 dias, aqueles que tenham legitimidade para se pronunciar sobre a questão suscitada, sendo que as provas são indicadas com os requerimentos e respostas (art. 1105º,1,2 CPC). E a questão é decidida depois de efectuadas as diligências probatórias necessárias, requeridas pelos interessados ou determinadas pelo juiz (art. 1105º,3).
Existe ainda a possibilidade (art. 1109º) de o Juiz convocar uma audiência prévia se o considerar conveniente, nomeadamente por se lhe afigurar possível a obtenção de acordo sobre a partilha ou acerca de alguma ou algumas das questões controvertidas, ou quando entenda útil ouvir pessoalmente os interessados sobre alguma questão.
Finalmente, nos termos do art. 1110º,1,a CPC o juiz profere despacho de saneamento do processo em que, entre outras coisas, resolve todas as questões susceptíveis de influir na partilha e na determinação dos bens a partilhar, e convoca a conferência de interessados.
Para nos ajudar a determinar o regime concreto que daqui emerge, vejamos o que escreve Domingos Silva Carvalho de Sá (Do inventário, 8ª edição, fls. 141 e ss):
“a falta de relacionação de bens é arguida através de requerimento. Nesse requerimento devem ser especificados os bens em falta. (…) O cabeça de casal ou o seu mandatário têm, depois, o prazo de 30 dias para responder, podendo tomar as seguintes atitudes:a) confessa expressamente a existência de bens a relacionar e a obrigação de o fazer, alegando paralelamente que não os inclui na relação de bens por mero lapso ou por desconhecimento.b) não se pronuncia, nega expressamente a existência dos bens ou responde de molde a concluir-se que desconhece a sua existência.Neste último caso o juiz procederá à recolha da prova indicada pelos interessados nos seus requerimentos e mandará proceder às diligências que julgue necessárias.c) confirma a existência dos bens mas declara-se impossibilitado de os relacionar por estarem em poder de outra pessoa, de um terceiro. Neste caso seguir-se-ão os termos do incidente já analisado supra e previsto no art. 1101”.
E acrescentam:
“este ónus de concentração das reclamações contra a relação de bens no âmbito da oposição ao inventário é consequência de a fase inicial do processo se não encerrar sem que se mostre apresentada pelo cabeça de casal a relação de bens (cf. art. 1097º,3,c e 1102º,1,b)”.
E, mais adiante, acrescentam:
“no articulado de contestação, qualquer interessado não requerente do inventário pode alegar factos novos (cf. art. 1104º). Estes factos podem ser contestados no articulado de resposta (nº 1). O problema da alegação de factos novos no próprio articulado de resposta não se coloca exactamente nos mesmos termos, nomeadamente porque a tramitação do processo de inventário não comporta qualquer tréplica ao articulado de resposta. Isto justifica as seguintes soluções:a) Antes de mais, importa verificar se o interessado que invoca um facto novo no articulado de resposta se encontra de boa-fé, isto é, se a esse interessado não teria sido exigível que tivesse alegado o facto em momento anterior (que pode ser o do requerimento inicial ou o do articulado de contestação). Não há justificação para um requerente de inventário alegar um facto novo (não superveniente) no articulado de resposta, a não ser que a sua alegação resulte de algum facto que tenha sido invocado, pela primeira vez, no articulado de contestação. Por exemplo: no articulado de contestação, um interessado alega a existência de um sucessor testamentário; qualquer outro interessado pode alegar no articulado de resposta a invalidade do respectivo testamento.b) Se o interessado puder ser considerado como agindo de boa-fé, então o juiz deve admitir a alegação do facto novo no articulado de resposta. Nesta hipótese, há que garantir o contraditório dos demais interessados, cabendo ao Juiz, através dos poderes de gestão processual (art. 6º,1) e de adequação formal (art. 547º), admitir um articulado de resposta, ou, por analogia com o disposto no art. 3º, nº 4, deferir esse contraditório para a audiência prévia (art. 1109º) ou para a conferência de interessados (art. 1111º)”.
Voltando agora ao caso concreto, o Tribunal recorrido decidiu que apresentada a resposta à reclamação de bens, não se podia seguir uma resposta à resposta, por não ser processualmente admissível.
E com efeito, como acabámos de ver na citação anterior, não é processualmente admissível um terceiro ou quarto articulado. A lei só prevê o articulado de contestação ou oposição, depois prevê a resposta a esse articulado, e pára por aí.
É porém verdade que, em certos casos, nomeadamente os indicados pelos autores acabados de citar, pode haver necessidade de permitir uma resposta à resposta. Só em concreto é possível saber se é esse o caso.
E fazendo essa análise neste caso concreto, o que vemos ?
Na reclamação contra a relação de bens, os interessados colocam as seguintes questões: a) a questão prévia dos documentos comprovativos da situação no registo predial dos imóveis; b) discordância quanto à verba nº 1; c) discordância quanto ao passivo / benfeitorias; d) discrepância quanto à inscrição matricial da verba nº 3; e) valor dos imóveis relacionados.
Por requerimento de 31/8 o cabeça de casal respondeu às questões suscitadas: a) quanto ao registo predial dos imóveis; b) quanto à verba nº 1 faz a afirmação genérica de que “não pode deixar de referir que, em vida, a inventariada partilhou dinheiros entre os filhos”, e “não se aceita a reclamação deduzida, nem há quaisquer diligências a efectuar para o efeito”; c) quanto ao passivo, dizendo em síntese que o conceito de passivo não será o mais adequado para classificar a descrição das obras que foram feitas no imóvel doado, mas não vemos outra forma de dar cumprimento ao disposto no art. 2115º do CC. E afirma que o imóvel deverá ser avaliado com exclusão dessas benfeitorias, no interesse de todos; d) quanto à verba nº 3; e) quanto ao valor dos imóveis relacionados, dizendo que oportunamente e se for necessário, será requerida a avaliação de todos os imóveis.
Por requerimento de 12/9 vieram os reclamantes responder à resposta, dizendo que reiteravam todos e cada um dos factos alegados no seu anterior requerimento, e pronunciaram-se sobre a alegada partilha em vida de dinheiros entre os filhos, e pronunciando-se ainda sobre outras passagens da resposta inicial. Nomeadamente, e indo ao que aqui mais interessa, dizem: “e se o cabeça-de-casal alega que a inventariada partilhou em vida dinheiros entre os filhos, deverá o mesmo especificar as datas em que tal sucedeu e os valores alegadamente partilhados, bem como referir a proveniência desses dinheiros, acompanhada da respectiva documentação disso demonstrativa, para que tudo fique devidamente clarificado. Pois que a única vez em que o aqui interessado recebeu dinheiro da mão da sua mãe foi por ocasião da partilha por óbito de seu pai, ocorrida em 9 de Fevereiro de 1991, já lá vão longos 32 anos”. Requer pois a notificação do cabeça-de-casal para prestar essas informações.
A 14/9 veio o cabeça de casal dizer que este articulado não tem enquadramento legal, pelo que deve ser ordenado o seu desentranhamento.
Finalmente, a 15/9 vieram os reclamantes dizer que o seu anterior requerimento foi apresentado ao abrigo do disposto no art. 3º, nº 3 do CPC, exercendo o direito de pronúncia sobre questões factuais antes inexistentes nos autos, ou seja, questões novas, bem como sobre os documentos aí juntos.
Quid iuris, quanto a este crescimento quase “tumoral” de articulados?
Para responder, e recordando o que diz Carvalho de Sá, podemos afirmar que na reclamação inicial foi expressa discordância quanto à verba nº 1, mas não foram indicadas quais as verbas que no entender dos reclamantes deveriam ser acrescentadas. Porém, sucedeu que o cabeça de casal acrescentou na sua resposta um facto que é relevante, e que não tinha alegado na relação de bens: a referência a que em vida, a inventariada partilhou dinheiros entre os filhos. E esta alegação de um facto novo e relevante, quer-nos parecer, nesta parte, justifica o exercício do contraditório por parte dos reclamantes. Trata-se, repetimos, de facto que devia ter sido alegado na relação de bens, por poder ser relevante para efeitos de igualização da partilha através do instituto da colação.
Sem concretizar valores e datas, não obstante a afirmação é clara e incontroversa. E estando em causa a igualação da partilha, não podia tal afirmação ter passado em claro. Daí que entendamos legítimo que os recorrentes tenham vindo responder a essa afirmação, sobretudo porque afirmam desconhecer essa partilha.
Claro que nesta fase nada mais se sabe, a não ser a declaração em si mesma. Como os herdeiros são apenas o cabeça de casal e o reclamante, e este declara desconhecer essa partilha, a mesma só pode ser facto pessoal do cabeça de casal, e, logo, terá de ser ele a esclarecer que valores foram partilhados.
Pode dar-se o caso de ele se querer referir à entrega de pequenas quantias, que entretanto caíram no esquecimento.
Ou não.
Na dúvida, tendo tal afirmação sido proferida, deve a questão ser esclarecida pela única pessoa que, aparentemente, o poderá fazer.
Assim, tal resposta, nessa parte, é admissível, devendo o Tribunal recorrido pronunciar-se sobre a questão suscitada pelos reclamantes, através da prévia notificação do cabeça-de-casal para especificar as datas em que a inventariada partilhou em vida dinheiros entre os filhos, indicando os respectivos valores, bem como a proveniência desses dinheiros, acompanhada da respectiva documentação demonstrativa disso mesmo.
No mais, a decisão mantém-se."
[MTS]
26/11/2024
Jurisprudência 2024 (56)
Depoimento testemunhal;
contradita; documento anterior*
I. O sumário de RC 5/3/2024 (488/21.6T8CTB-A.C1) é o seguinte:
1. No incidente da contradita, não se trata de atacar o conteúdo do depoimento, fazendo valer a sua falsidade, mas de invocar novos factos (acessórios) que, sendo exteriores ao depoimento, ponham em causa a razão de ciência invocada pela testemunha ou a fé que ela possa merecer, destruindo ou enfraquecendo o depoimento prestado.
2. Não estão reunidos os requisitos da contradita, se apenas se invoca que o texto subscrito perante “perito-averiguador” - incumbido pela Seguradora Ré de realizar a averiguação do sinistro -, e por ele elaborado, é contrário ao que a testemunha (arrolada pelo A.) veio dizer em audiência de julgamento.
3. Aquele texto, ou similar, não é equiparável, por exemplo, a anteriores depoimentos testemunhais em processo (judicial) de inquérito ou prestados em audiência de julgamento.
4. Perspetiva contrária potenciaria a multiplicação de situações geradoras do incidente da contradita e sua descaraterização.
"2. Cumpre apreciar e decidir.
A parte contra a qual for produzida a testemunha pode contraditá-la, alegando qualquer circunstância capaz de abalar a credibilidade do depoimento, quer por afetar a razão da ciência invocada pela testemunha, quer por diminuir a fé que ela possa merecer (art.º 521º, sob a epígrafe contradita, do CPC [---]).
A contradita é deduzida quando o depoimento termina (art.º 522º, n.º 1). Se a contradita dever ser recebida, é ouvida a testemunha sobre a matéria alegada; quando esta não seja confessada, a parte pode comprová-la por documentos ou testemunhas, não podendo produzir mais de três testemunhas (n.º 2).
3. O incidente da contradita visa a enfraquecer a força probatória do depoimento já prestado; faz-se um ataque, não ao depoimento propriamente dito, mas à pessoa do depoente; não se alega que o depoimento é falso, que a testemunha mentiu; alega-se que, por tais e tais circunstâncias, ´exteriores` ao depoimento, a testemunha não merece crédito. Só quando a contradita se dirige contra a razão de ciência invocada pela testemunha, é que as declarações desta são postas em causa; mas ainda aqui não se atacam diretamente os factos narrados pelo depoente, só se ataca a fonte de conhecimento que ele aponta. [Vide Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. IV (Reimpressão), Coimbra Editora, 1987, págs. 426/454 e 459 (comentando/anotando os art.ºs 640º e 643º do CPC de 1939, sendo a redação da 1ª parte do corpo do art.º 643º idêntica à do art.º 521º do CPC de 2013). [...]]
Não se trata de atacar o conteúdo do depoimento, fazendo valer a sua falsidade, mas de invocar novos factos (acessórios) que, sendo exteriores ao depoimento, ponham em causa a razão de ciência invocada pela testemunha ou a fé que ela possa merecer, destruindo ou enfraquecendo o depoimento prestado, de modo a que o juiz não venha a tê-lo em conta, ou o tenha só reduzidamente em conta, no juízo que fará sobre a prova dos factos que dele foram objeto. [Vide J. Lebre de Freitas, e Outros, CPC Anotado, Vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, pág. 589 (a respeito de idêntica disposição do CPC de 1961).]
4. Preceituava o art.º 2514º do Código Civil de 1867 (aprovado por Carta de Lei de 01.7.1867) que a força probatória dos depoimentos será avaliada, tanto pelo conhecimento, que as testemunhas mostrarem ter dos factos, como pela fé que merecem por seu estado, vida e costumes, ou pelo interesse que possam ter ou não ter no pleito, ou, finalmente, pelo seu parentesco ou relação com as partes. [Em sentido idêntico, sobre os fatores capazes de afetarem a fé ou a credibilidade da testemunha, vide Luís Filipe Pires de Sousa, A Prova Testemunhal, pág. 269. [...]]
5. Com o dito incidente pretende-se questionar a credibilidade da própria testemunha, pondo em causa a sua isenção e não diretamente a veracidade do seu depoimento (embora, tal possa acontecer indiretamente, pois que procedendo o incidente, esta veracidade possa ficar afetada pela falta de credibilidade ou isenção da testemunha em causa); dirigindo-se, pois, à pessoa da testemunha - sua idoneidade/probidade -, considera-se que não poderá ser deferido de ânimo leve, antes sendo exigível a prova de factos gravosos que permitam e justifiquem a perniciosa afetação dos seus direitos de personalidade. [Cf. o citado acórdão da RC de 14.12.2020-processo 4911/18.9T8VIS.C1 [consta, ainda, do sumário: «(...) II - Porque o deferimento da contradita constitui um acentuado desmerecimento para os direitos de personalidade da testemunha, com grave afetação da sua presumida idoneidade/probidade, ele apenas pode ser decretado se factos com dignidade/gravidade e força bastante assim o impuserem.»].]
6. No caso em análise, salvo o devido respeito por entendimento contrário, antolha-se evidente que não estão reunidos os requisitos da contradita, porquanto apenas se invoca que o texto subscrito perante o “perito-averiguador” - incumbido (pela Ré) de realizar a averiguação do sinistro - é contrário ao que duas testemunhas (arroladas pelo A.) vieram depois dizer em audiência de julgamento.
Na verdade, nada mais se alegou!
O que se invoca não é suscetível de afetar a razão de ciência e/ou a fé, o crédito ou o merecimento das testemunhas em causa.
O aduzido pela recorrente não assume dignidade e força bastantes para implicar tal gravoso ditame para a pessoa da testemunha e colocar em causa a sua credibilidade. [Ibidem. ]
Ademais, visto o que corporiza os intitulados “depoimento(s) em acidente de viação” - cuja cópia foi reproduzida nos autos [---] -, com todo o respeito, não se compreende como se ousa estabelecer algum paralelismo com os depoimentos testemunhais em processo (judicial) de inquérito ou em audiência de julgamento. [O caso dos autos é diverso das situações objeto dos acórdãos do STJ de 13.10.1998-processo 98A716 [com o sumário: «I - É admissível, face ao disposto no artigo 640, do Código de Processo Civil (disposição reproduzida no atual art.º 521º do CPC), a contradita de uma testemunha com fundamento em o depoimento que prestou em julgamento ser diferente do que havia prestado no processo de inquérito, uma vez que ela visa o enfraquecimento do depoimento, mas não é essencial que o inutilize. (...)»] e da RP de 17.4.1997-processo 9721361[tendo-se concluído: «Face à lei portuguesa não se mostra necessário que o elemento, documento ou circunstância apontada para alicerçar o pedido de contradita relativamente a depoimento prestado em audiência de julgamento tenha a mesma solenidade ou ofereça iguais garantias, já que não se exige propriamente a destruição do depoimento prestado, contentando-se a lei com a prova de um facto suscetível de afetar a credibilidade da pessoa contraditada». [...]], invocados na alegação de recurso e publicados no “site” da dgsi.
Diga-se, ainda, que, a ser acolhida a perspetiva que a Ré diz defender, teríamos, por certo, uma multiplicação (enxamear) de situações geradoras do incidente da contradita e sua (consequente) descaraterização.]
7. Não verificados os pressupostos da contradita, queda prejudicada a pretensão de “junção de documentos” (apenas com fim de realizar o incidente da contradita), pois dúvidas não restam sobre as circunstâncias da sua dedução em juízo [cf., nomeadamente, II. 1. a) e d), supra].
E porque a Ré não apresentou pedido para essa junção desligado daquele concreto circunstancialismo ou enquadramento normativo [---]. Diga-se, ainda, que, a ser acolhida a perspetiva que a Ré diz defender, teríamos, por certo, uma multiplicação (enxamear) de situações geradoras do incidente da contradita e sua (consequente) descaraterização., nada justifica o atendimento da pretensão deduzida, em sede de alegação de recurso, com a invocação do disposto no art.º 423º, n.º 3 [cf. “conclusões 13ª, 14ª e 16ª a 18ª”, ponto I., supra], desde logo, em face da sua manifesta intempestividade.
Acresce que sempre se trataria de questão nova, ou seja, problemática subtraída ao conhecimento do Tribunal a quo, sabendo-se que a apelação tem como limite objetivo a reapreciação das questões julgadas em 1ª instância, e não a introdução de questões novas.
8. Acrescenta-se.
Como também é evidente, coisa completamente diferente é a questão de saber se a contradita deve ser considerada procedente.
MTS
Bibliografia (1160)
25/11/2024
Jurisprudência 2024 (55)
Estatui o artº 819º do Código Civil (adiante CC):
«Sem prejuízo das regras do registo, são inoponíveis em relação à execução os actos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados.»
Esta redação resulta da reforma de 2003, acrescentando-se aos anteriores atos de «disposição» e «oneração» já no artigo consagrados, o contrato de «arrendamento».
Efetivamente, o arrendamento, se celebrado até ao prazo de seis anos, não constitui um ato de disposição, mas antes ato de mera administração ordinária – artº 1024º nº 1 do CC .
Pelo que, e numa interpretação a contrario sensu do artº 819º, era comummente entendido que este arrendamento podia ser contratado pelo executado, mesmo após o decretamento da penhora.
A consagração expressa do contrato de arrendamento no preceito significou assim que o legislador o quis integrar no lote dos atos jurídicos e contratos realizados/outorgados pelo executado, após a penhora, os quais fulmina de inoponiveis na execução.
O que bem se compreende, pois que este negócio tem virtualidade para frustrar ou, ao menos, prejudicar os efeitos que se pretendem para o ato da penhora.
Na verdade, nos termos do artigo 822.º do CC:
«1. Salvo nos casos especialmente previstos na lei, o exequente adquire pela penhora o direito de ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior.»
Por conseguinte, a penhora assume-se como «o meio de obter o cumprimento coercivo da obrigação, consistindo na apreensão do bem – conservação da garantia geral relativamente a um ou mais bens, na medida do necessário à satisfação daquele crédito – para, através dele (venda ou adjudicação), os Tribunais se substituírem ao executado no cumprimento da respectiva obrigação pecuniária.» - AC. da RG de 10.07.2028, p. 3128/17.4T8VNF-G.G1 in dgsi.pt. (sublinhado nosso)
Alcança-se assim que o artº 822º do CC atribui à penhora uma função de garantia: beneficiar o credor que promoveu a execução perante outros credores, aqueles que não tenham garantia real anterior.
Esta função garantística apenas pode ser conseguida através da presença prévia da outra função da penhora, a saber: a função conservatória.
Esta visa assegurar a viabilidade da venda executiva dos bens ou direitos sujeitos a penhora.
E desdobra-se numa dupla perspetiva:
• Conservação material (Indisponibilidade material absoluta) – pretendendo-se que o bem, objeto do direito penhorado, não seja desencaminhado ou diminuído no seu valor.
Nesta perspetiva há que ter presente que com a penhora cessa a posse do executado e inicia-se uma nova posse pelo tribunal: o depositário passa, em nome deste, a ter a posse do bem penhorado; ou, no mínimo, a penhora impõe ao executado um desdobramento da posse sobre os seus bens – ele permanece possuidor em nome próprio nos termos do seu direito, de que ainda é titular, mas vê constituir-se sobre eles uma posse que é exercida pelo depositário e que tem o conteúdo que resulta dos poderes que são concedidos a este último.
• Conservação jurídica (Indisponibilidade jurídica relativa) – pretende-se que a faculdade de disposição do direito penhorado que incide sobre o bem apreendido, e que o executado mantém na sua esfera jurídica, não possa ser exercida de modo a privar a venda do seu objeto.
Por conseguinte, se, após a penhora, o executado dispuser, onerar, ou der de arrendamento, o bem penhorado, o negócio jurídico é meramente inoponível no âmbito da execução.
E diz-se «meramente» porque o negócio mantém a sua validade e eficácia extra execução.
Mas não pode ser oposto na execução, ao menos se e na medida em que contenda com direitos e interesses de partes ou intervenientes no processo.
Esta mera inoponibilidade, resulta do facto de, mesmo dentro da execução, se a penhora vier a ser levantada, os efeitos “suspensos” terão lugar retroativamente à data do ato.
E se a penhora se extinguir por venda, adjudicação ou remição, o ato de oneração ou alienação ou arrendamento caducará por impossibilidade superveniente - Cfr. PENHORA-Mafalda-Maló, AAFDLhttps://aafdl.pt ›
O caso sub judice.
Resulta que já após a penhora o imóvel em causa foi dado de arrendamento.
É assim evidente que tal contrato está abrangido na previsão do artº 819º do CC, sendo, pois, inoponível na execução, vg. contra o interessado que efetuou a melhor oferta na venda eletrónica.
A argumentação vertida no despacho não colhe.
O direito de preferência concedido pelo artº1091.º do Código Civil é um direito genérico/geral, que releva apenas em tese e por princípio; mas podendo e devendo estar sujeito às condições/condicionantes previstas e impostas por legislação especifica/especial.
É o caso que nos ocupa.
A lei é clara em retirar da esfera jurídica do executado o direito de, após a penhora, dar de arrendamento o bem penhorado, de tal sorte que mesmo que o seja, o contrato não é oponível na execução.
Logo, ex vi desta indisponibilidade e inoponibilidade, o contrato de arrendamento em causa não releva na execução e tem, pura e simplesmente, de nela ser ignorado/irrelevado.
O que clama a conclusão óbvia que, assim, vedado está o chamamento do, e alcandoramento no, artº 1091º do CC.
Procede o recurso."
*3. [Comentário] Salvo o devido respeito, talvez se estranhe que a RC não tenha sentido a necessidade de se confrontar com a aplicação ao caso concreto da doutrina que foi fixada no (aliás infeliz) Ac. STJ 2/2021, de 5/8 (DecRet 34/2021, de 25/10) sobre a subsistência do arrendamento que foi constituído após a constituição da hipoteca.
MTS
23/11/2024
Bibliografia (1159)
22/11/2024
Legislação (240)
-- DL 91/2024, de 22/11:
Regulamenta as citações e notificações eletrónicas a cidadãos e empresas, no âmbito de processos judiciais.
Jurisprudência europeia (TJ) (315)
Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Competência judiciária e execução de decisões em matéria civil e comercial — Regulamento (UE) n.° 1215/2012 — Âmbito de aplicação — Artigo 1.°, n.° 2, alínea b) — Exceção — Conceito de “falências, concordatas e processos análogos” — Ação que decorre diretamente de um processo de insolvência e que com este se encontra estreitamente relacionada — Ação para pagamento de um crédito intentada após a declaração de insolvência da sociedade devedora e a reclamação desse crédito na massa insolvente — Regulamento (CE) n.° 1346/2000
O artigo 1.°, n.° 2, alínea b), do Regulamento (UE) n.° 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial,
deve ser interpretado no sentido de que:
não se aplica a uma ação intentada num Estado‑Membro contra uma sociedade, para pagamento de mercadorias fornecidas, que não faz referência ao processo de insolvência anteriormente instaurado contra esta sociedade noutro Estado‑Membro nem ao facto de o crédito já ter sido declarado na massa insolvente.