"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



01/11/2024

Jurisprudência 2024 (39)


Processo de execução;
recurso de revista; admissibilidade


1. O sumário de STJ 6/3/2024 (4556/18.3T8PBL-G.C1.S1) é o seguinte:

I - A revista de decisão interlocutória proferida em processo de execução mostra-se submetida ao regime especial previsto nos artigos 852.º e seguintes, do CPC, e encontra respaldo nas situações em que o recurso é sempre admissível, isto é, as denominadas impugnações gerais excepcionais contempladas no artigo 629.º, do CPC.

II - A oposição relevante de acórdãos terá de ser frontal em termos da divergência da questão (fundamental) de direito assumir necessariamente natureza essencial para a solução do caso, integrando, por isso, a ratio decidendi no âmbito dos acórdãos em confronto. Carece de relevância para tal efeito as contradições relativamente a questões conexas, bem como reportadas à argumentação enquanto obiter dictum.

III - A exequibilidade de uma sentença, ainda que proferida em acção de impugnação pauliana, não passa pela condenação expressa no cumprimento de uma obrigação, bastando que essa obrigação dela ressalte inequivocamente.

IV - A questão da (in)exequibilidade da sentença proferida em acção de impugnação pauliana em que se funda a execução contra a recorrente apreciada no acórdão recorrido não coloca em causa a autoridade do caso julgado por ela formado, situando-se no âmbito de uma problemática diversa reportada à função delimitadora da obrigação exequenda, que embora pressuponha uma actividade interpretativa da referida sentença não a ignora ou desrespeita enquanto comando de acção.


2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"Questão prévia: Da admissibilidade da revista

Se bem se percepciona a pretensão recursória da Recorrente, a mesma fundamenta a revista, designando-a, para o efeito, de recurso de revista e revista excepcional:

- ao abrigo dos artigos 671.º, n.º2 e 629.º, n.º 2 alínea a), do CPC, por ofensa de caso julgado;

- ao abrigo do artigo 672.º nº 1 alínea c), do CPC, por contradição de acórdãos, indicando como acórdão-fundamento, o proferido, em 13.05.2021, pelo Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do Processo n.º 2215/16-T80ER-A.L1.S3, tendo junto cópia da publicação do aresto nas Bases Documentais do ITIJ.

Vejamos.

1. Constitui objecto da pretendida revista o recurso do acórdão do tribunal da Relação de Coimbra confirmativo do despacho de indeferimento da arguição de nulidade processual insanável, de todo o processo executivo, relativamente à Recorrente, interveniente na execução.

Está, por isso, em causa a recorribilidade de decisão com natureza interlocutória [A decisão interlocutória encontra definição em contraposição à decisão final, que é aquela que, em termos gerais, põe termo à causa ainda que não conheça de mérito (que tem como consequência a extinção da instância com o arquivamento ou encerramento do objecto do processo, mesmo que não se tenha conhecido do mérito).], proferida em processo de execução.

O presente recurso, porque interposto no âmbito de um processo executivo, não pode deixar de se encontrar submetido ao regime especial previsto nos artigos 852.º e seguintes, do CPC.

Para o caso e no que aqui assume cabimento, determina o artigo 854.º, do CPC:

Sem prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, apenas cabe revista, nos termos gerais, dos acórdãos da Relação proferidos em recurso nos procedimentos de liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, de verificação e graduação de créditos e de oposição deduzida contra a execução”.

Assim sendo, a admissibilidade da revista em causa apenas encontra respaldo nas situações em que o recurso é sempre admissível, isto é, ao abrigo das denominadas impugnações gerais excepcionais contempladas no artigo 629.º, do CPC.

Todavia e porque a Recorrente invoca, também, como fundamento da revista, a existência de oposição de acórdãos, fazendo referência à revista excepcional (artigo 672.º, n.º2, alínea c), do CPC), importa fazer salientar que a mesma não assume cabimento em face da natureza da decisão em causa – decisão interlocutória [Tratando-se de decisão final, ocorrendo dupla conformidade, conforme defende Abrantes Geraldes, existe a possibilidade de apresentação da revista excepcional (Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2.ª edição, Almedina, p 443).]

Com efeito conforme constitui entendimento solidificado neste tribunal, a revista excepcional apenas pode incidir sobre decisões finais [---].

Ainda que no caso não assuma cabimento o recurso de revista com fundamento em oposição de acórdãos (designadamente ao abrigo do artigo 671.º, n.º 2, alínea b), do CPC), cumpre sublinhar que, ao invés do pugnado pela Recorrente, não se verifica a invocada contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão do STJ de 13.05.2021, proferido no Processo n.º 2215/16.0T8OER-A.L1.S3, indicado como acórdão-fundamento.

2. Como tem sido reiteradamente defendido por este Tribunal, a oposição de acórdãos relativamente à mesma questão fundamental de direito verifica-se quando a mesma disposição legal se mostre, num e noutro, interpretada e/ou aplicada em termos opostos, havendo identidade de situação de facto subjacente a essa aplicação.

Por conseguinte, a contradição de acórdãos impõe a identidade da questão essencial objecto de apreciação nos acórdãos em confronto, constituindo pressuposto do conceito de identidade da questão que a subsunção jurídica efectuada por cada uma dessas decisões decorra do mesmo núcleo central factual.

Por outro lado, tal oposição terá de ser frontal [---] em termos da divergência da questão (fundamental) de direito assumir necessariamente natureza essencial para a solução do caso, isto é, tem de integrar a ratio decidendi no âmbito dos acórdãos em confronto, carecendo de relevância para tal efeito as contradições relativamente a questões conexas, bem como reportadas à argumentação enquanto obiter dictum; nessa medida, inexistirá contradição relevante de julgados se confinada entre a decisão de uma e fundamentação de outra.

Reportando tais considerações para o caso sob apreciação, não podemos deixar de concluir que os juízos formulados no acórdão recorrido relativamente à questão da exequibilidade da sentença de impugnação pauliana de modo algum podem ser entendidos como confrontando com o entendimento em que o acórdão-fundamento sustentou a sua decisão. Acresce ainda a circunstância de tais considerações terem sido produzidas a latere do objecto do recurso [O tribunal a quo, só após julgar a apelação improcedente (por considerar sanado o vício da ineptidão do requerimento executivo por falta de causa de pedir), teceu tais considerações referindo para o efeito que “De todo o modo sempre se dirá o seguinte”.]; nessa medida, não constituírem a sua ratio decidendi pelo que, ainda que se verificassem contradições, não poderiam as mesmas assumir importância de essencialidade indispensável à caracterização de oposição relevante de acórdãos.

Todavia e contrariamente ao defendido pela Recorrente (de acordo com a argumentação tecida pela mesma, a contradição dos julgados mostra-se justificada por o acórdão recorrido, ao invés do acórdão fundamento, ter entendido não ser necessário que o (re)conhecimento de crédito do exequente resulte da sentença da impugnação pauliana), os entendimentos veiculados nos acórdãos quanto à exequibilidade da sentença de impugnação pauliana mostram-se em consonância, como resulta da interpretação do teor de cada um deles.

Na esteira do posicionamento do acórdão-fundamento, o acórdão recorrido considera que a procedência da acção de impugnação pauliana permite ao credor a possibilidade de promover a execução contra o terceiro adquirente com vista a executar o bem objecto dessa impugnação no próprio património deste. E tal como defendido no acórdão fundamento [---], o acórdão recorrido considerou que a exequibilidade da sentença de impugnação pauliana, para efeitos de viabilizar a execução cumulativa contra o devedor e contra o terceiro adquirente “terá de apresentar um título executivo integrado por aquele dotado de exequibilidade contra o devedor e pela sentença obtida na acção pauliana”.

MTS