Litigância de má fé; indemnização;
honororários do advogado; fixação; critérios
I - A responsabilidade por litigância de má fé, está sempre associada à verificação de um puro ilícito processual razão pela qual os danos referidos pelo artigo 543.º só podem ser os resultados desse ilícito processual, não os resultantes da ofensa de posições jurídicas substantivas a que o litigante possa igualmente dar lugar com o seu comportamento, daí que a finalidade visada pela indemnização existente em sede de litigância de má fé não é, destarte, ressarcitória, como sucede com a responsabilidade civil mas sim meramente sancionatória e compensatória.
II - O artigo 543.º do Código de Processo Civil prevê duas modalidades de indemnização relativamente à litigância de má fé: uma simples ou limitada, contemplando os danos directamente emergentes do procedimento doloso, outra plena ou agravada, abrangendo tanto os danos directos como os indirectos.
III - Por regra, a indemnização ao abrigo daquele preceito não pode exceder o âmbito processual em que a má fé operou.
IV - A quantia paga a título de honorários pela parte com direito a indemnização pode sempre ser reduzida, ao abrigo do prudente arbítrio do juiz (artigo 543.º, nº 3 do CPCivil).
V - Os honorários de advogado devem ser fixados com moderação, sendo o tempo gasto e a complexidade do assunto os factores mais relevantes.
2. Na fundamentação do acórdão pode ler-se o seguinte:
"A questão que [...] se coloca é se a indemnização tem de corresponder, de forma necessária, ao montante dos honorários que foram apresentados pelo Exº mandatário ao seu constituinte ora recorrente.
Respiguemos o que consta da lei: “se não houver elementos para se fixar logo na sentença a importância da indemnização, serão ouvidas as partes e fixar-se-á depois, com prudente arbítrio, o que parecer razoável, podendo reduzir-se aos justos limites as verbas de despesas e de honorários apresentadas pela parte” (n.º 3 do citado artigo 543.º) [....].
São, portanto, coisas distintas, o âmbito da indemnização e o seu montante; aquele tem de ser a sentença a definir-lhe os contornos; este será decidido ou não pela sentença, consoante os elementos disponíveis. Não os havendo ou sendo insuficientes, impõe-se a respectiva recolha, que até poderá decorrer oficiosamente, para ser tomada, então, posição.
Assim o esclarece Alberto dos Reis [Obra citada [“Código de Processo Civil, Anotado, Vol. II], pág. 281]: “a apreciação da má fé e a condenação em multa e indemnização não pode o juiz relegá-las para depois da sentença; (…) o que pode e deve deixar para depois da sentença é a fixação do quantitativo da indemnização”, que resolverá, ouvidas as partes e pedidas as informações ou esclarecimentos ou ordenadas as diligências indispensáveis, “usando de prudente arbítrio”.
Evidentemente que deixado o quantitativo da indemnização para depois da sentença, tem o juiz larga margem de manobra na sua fixação, não estando vinculado aos valores suportados pela parte, ainda que compreendidos no conteúdo da indemnização previamente determinado, até porque a lei lhe faculta o recurso ao prudente arbítrio e à razoabilidade.
Por conseguinte, apesar de a sentença ter correlacionado a indemnização com os honorários respeitantes a todo o processo, não é obrigatório que o seu montante seja igual ao efectivamente despendido àquele título como, aliás, resulta do nº 3 do artigo 543.º atrás transcrito.
E será que o quantitativo fixado pelo tribunal recorrido se mostra ajustado às circunstâncias do caso?
Refere a este propósito o recorrente que apesar da douta sentença recorrida não constar, no ponto F) dos factos provados, qualquer alusão ao laudo de honorários, elaborado pela Ordem dos Advogados, o mesmo é essencial para a prova de tais factos e, assim, para a boa decisão da causa, mais referindo que resultou de tal laudo de honorários, solicitado à Ordem dos Advogados, pelo Tribunal a quo, a seguinte conclusão: “(...) atenta a importância do patrocínio, a dificuldade e urgência do assunto, o tempo despendido, o grau de criatividade intelectual da sua prestação e o resultado obtido, somos de parecer que deve ser concedido laudo favorável aos honorários apresentados pelo Requerido, no montante de € 18.750,00 (dezoito mil setecentos e cinquenta euros), ao qual acresce o valor do IVA à taxa legal em vigor” concluindo, assim, que fez prova que o valor dos honorários apresentados pelo seu mandatário judicial, correspondem aos serviços prestados pelo mesmo, no âmbito do presente processo.
Importa que se diga que, não obstante ao referido laudo não poder negar-se o valor particular resultante da especial qualificação de quem o emite, o mesmo está sujeito ao princípio da livre apreciação da prova.
Atentemos, porém, antes de prosseguirmos, sobre os honorários dos advogados em geral.
O mandato-no caso dos advogados, é do mandato que se trata, definido pelo artigo 1157.º do Código Civil como o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra-presume-se oneroso, quando tiver por objecto actos que o mandatário pratique por profissão, sendo que a medida da retribuição, não havendo ajuste entre as partes, é determinada pelas tarifas profissionais, na falta destas, pelos usos, e, na falta de umas e outros, por juízos de equidade (artigo 1158.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo diploma).
No caso específico do mandato forense, prevê o n.º 3 do artigo 105.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 09 de Setembro, que na fixação dos honorários deve o advogado atender à importância dos serviços prestados, à dificuldade e urgência do assunto, ao grau de criatividade intelectual da sua prestação, ao resultado obtido, ao tempo despendido, às responsabilidades por ele assumidas e aos demais usos profissionais.
O critério, elucida o Senhor Doutor António Arnaut [In “Iniciação à Advocacia”, 10.ª edição, página 151.], corresponde, no geral, ao do artigo 65.º do anterior Estatuto (DL n.º 84/84, de 16 de Março), que apontava como princípio geral, a moderação, que se alcançava atendendo ao tempo gasto, à dificuldade do assunto, à importância do serviço prestado, às posses dos interessados, aos resultados obtidos e à praxe do foro e estilo da comarca.
Eliminou-se a referência às posses dos interessados (circunstância que, no entanto, se deve considerar integrada nos demais usos forenses), mas acrescentaram-se mais dois critérios complementares: o grau de criatividade intelectual e as responsabilidades assumidas.
A moderação, apesar de não plasmada, agora, na lei, continua a funcionar como factor de ponderação, por conduzir à justeza e adequação ao caso concreto, a um correcto ponto de equilíbrio, de modo que os honorários não sejam tão baixos que pareçam ridículos, nem tão altos que possam classificar-se de especulativos. [Autor e obra citados na nota anterior.] [...]
A jurisprudência do nosso mais alto Tribunal tende a considerar preponderantes, tal como o Doutor António Arnaut, o tempo gasto e a dificuldade do assunto.
Assim decidiu o acórdão de 07.07.2009, que chamou em seu apoio outros arestos do mesmo Tribunal. [ CJ/STJ, Ano VII, tomo II, página 19.]
E, também, o acórdão de 27.04.2006, que não deixou, todavia de assinalar, citando o acórdão de 13.01.2000 (proferido na Revista 1095/97, 7.ª secção) que, na fixação dos honorários, intervém um momento de discricionariedade, que se não confunde com discricionariedade administrativa, mas se insere num certo sentido civilístico em que deve imperar a boa fé que impregna toda a relação contratual, para além de que haverão de ser levados em conta os custos fixos, elevados, de um escritório de advogado, e, bem assim, os riscos da profissão liberal.
Considerando este núcleo fundamental, mas sem excluir os demais factores enunciados no artigo 105.º do EOA (importância do serviço prestado, dificuldade e urgência do assunto, grau de criatividade, resultado obtido, responsabilidades assumidas e usos profissionais), o que é que os autos demonstram relativamente ao ilustre mandatário do recorrente?
“Reuniões várias com o cliente; Estudo do processo; Elaboração da p.i.; Análise das várias contestações; Estudo, preparação e elaboração das respostas às contestações; Estudo e elaboração dos pedidos de litigância de má fé; Análise do despacho saneador; Elaboração da reclamação contra o despacho saneador; Elaboração do requerimento probatório; Análise de requerimentos vários apresentados pelas RR; Elaboração de respostas várias aos requerimentos apresentados; Preparação da audiência de julgamento; Deslocação e presença nas (10) sessões de audiência de julgamento; Estudo com vista a obtenção de acordo; Contactos vários com os Colegas com vista a obtenção de acordo; Elaboração de requerimentos vários/suspensão instância; Preparação das alegações finais; Análise da resposta à matéria de facto; Análise depoimentos prestados na audiência; Análise da sentença; Elaboração do requerimento de interposição de recurso; Estudo, preparação e elaboração das alegações de recurso; Análise das alegações de recurso das RR; Análise do acórdão do Tribunal da Relação do Porto; Análise conta custas; Estudo e elaboração requerimento de 08-03-2013 (omissão decisão litigância de má fé); Análise do requerimento de resposta de 18-03-2013; Análise do despacho de 11-04-2013; Elaboração do requerimento de interposição de recurso; Estudo, preparação e elaboração das alegações de recurso; Análise do acórdão do Tribunal da Relação do Porto-Tudo contabilizou 250 horas, à razão de € 75,00/hora” [facto descrito em F) da fundamentação factual].
Perante este quadro factual, não parece constituírem exagero as cerca de 250 horas de trabalho que o Autor recorrente diz ter sido necessário ao seu mandatário para tratamento do litígio, tendo em conta como se refere no Laudo da ODA a dificuldade e urgência do assunto.
Dito de outro modo, os critérios de maior relevo na fixação dos honorários (tempo gasto e complexidade do assunto) têm, no caso, alcance muito significativo.
E outro tanto se diga do resultado obtido, que foi favorável, em parte, à pretensão do Autor.
Mas será que reflectem a justeza do caso concreto?
Só uma indagação mais ampla, com a qual o incidente previsto no n.º 3 do artigo 543.º do Código de Processo Civil se não compadece, poderia revelá-lo.
Importa, porém, sopesar que como bem se refere na decisão recorrida, no referido valor global apresentado pelo Autor recorrente, não poderá deixar de se atender a que a acção foi também proposta contra a 1.ª Ré.
Ora, nesta, o montante a fixar, deve restringir-se às despesas efectuadas, total ou parcialmente, em consequência da má-fé, não podendo abranger as despesas efectuadas pelo Autor que não sejam consequência da má-fé das rés.
Efectivamente, a acção judicial foi proposta também contra a 1.ª Ré, e nesse âmbito o autor foi até condenado como litigante de má-fé e tendo interposto o competente recurso foi mantida a decisão da 1.ª instância, à excepção do montante da multa aplicada e, nela, também o Autor pediu a condenação da 1.ª Ré como litigante de má-fé, o que foi considerado improcedente.
Como assim, outras despesas não podem ser imputadas-na sua totalidade-à actuação das 2.ª e 3.ª Rés, como sejam as respeitantes aos itens atrás transcritos.
Aqui chegados os € 23.062,50 de honorários, para uma acção de valor de € 8.870,00, apresentam, parece-nos, algum excesso.
Destarte, por apelo ao prudente arbítrio e à razoabilidade de que fala o n.º 3 do artigo 543.º e à nuance atrás referida quanto à 1ª Ré, entende-se ter sido correcta e justa a redução que o tribunal recorrido fez da verba de honorários apresentada pelo Autor recorrente, aproximando-a do valor da acção (valor dos equipamentos à data de 2005)."
[MTS]