Pactos de jurisdição; conexão entre acções;
contratos de swap
1. O sumário de STJ 9/2/20157 (1387/15.6T8PRT-B.L1.P1-A) é o seguinte:
I - A competência internacional dos tribunais portugueses pode resultar, designada e prioritariamente de regulamentos europeus, sendo um deles o Regulamento (UE) n.º 1215/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12-12-2012 – relativo à competência judiciária e ao reconhecimento e execução de decisões em matéria civil e comercial – aplicável desde 10-01-2015 (arts. 59.º do CPC, e 8.º, n.º 4, da CRP).
III - Resultando da matéria provada que as partes acordaram na atribuição de competência exclusiva aos tribunais espanhóis, mais concretamente ao tribunal de Vigo, para a resolução dos litígios que pudessem decorrer do contrato de “empréstimo” entre ambas celebrado e não padecendo esse pacto de jurisdição de ineficácia ou de vício que o torne inválido, é de concluir que os tribunais portugueses são internacionalmente incompetentes para dirimir o litígio, na parte referente ao mencionado contrato de mútuo bancário.
IV - O art. 30.º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012 – que rege para os casos de acções conexas que estejam pendentes em tribunais de diferentes Estados-membros – não sendo aplicável ao caso, não afasta a mencionada conclusão: quer porque a invocada conexão entre as duas “acções” (“empréstimo” e “swap”), não tendo relevância processual, não é susceptível de conduzir a decisões inconciliáveis (dado que a causa de pedir não é a mesma e única e os pedidos não estão, entre si, numa relação de dependência); quer porque no caso não ocorre pendência de acções “em tribunais de diferentes Estados-membros”.
2. Na fundamentação do acórdão pode ler-se o seguinte:
[...] é uma só a questão a apreciar: saber se os Tribunais Portugueses têm ou não competência internacional para conhecer da acção no que respeita ao contrato de mútuo.
As instâncias entenderam que, em face da atribuição da competência, para dirimir os litígios surgidos com o contrato de mútuo, ao Tribunal de Vigo, nos termos do pacto de jurisdição celebrado, os tribunais portugueses eram internacionalmente incompetentes para o efeito.
Ao invés, a recorrente argumenta e insiste que, atenta a inegável conexão entre «as acções» (a que visa conhecer da resolução do contrato de “swap”, por um lado, e a que visa conhecer da invalidade dos aditamentos ao contrato de empréstimo, por outro) elas devem ser julgadas conjuntamente, e mostrando-se «a competência para julgar o contrato de “swap” já definitivamente fixada em Lisboa», então será também este tribunal de Lisboa «onde pende a apreciação do contrato de “swap”, que deve ser declarado competente para julgar os pedidos relativos ao contrato de empréstimo», por força do estatuído nos artºs 30º e 31º do Regulamento nº 1215/2012, uma vez que foi nele que a acção foi instaurada em 1º lugar.
Mas não tem razão, adiante-se já. [...]
No que respeita à competência internacional dos tribunais portugueses, estabelece o art.° 59.° do C. P. Civil que :
«Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.° e 63,° ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94.º».
A competência internacional dos tribunais portugueses pode, assim, resultar, designada e prioritariamente de regulamentos europeus. É o que decorre do primado do direito comunitário e da sua aplicação directa na ordem interna, conforme previsto no art.° 8.° n.° 4 da Constituição da República Portuguesa, onde se estatui que «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das suas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».
Um desses regulamentos é, efectivamente, o Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012, citado pela recorrente, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, aplicável desde 10 de Janeiro de 2015 (salvo quanto aos artºs 75º e 76º, aos quais se aplica desde 10 de Janeiro de 2014), e portanto, de aplicação aos autos já que acção foi instaurada no dia 16 desse mês.
Ora, estatui o artº 25º do referido Regulamento que:
«1. Se as partes, independentemente do seu domicílio, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado-Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência, a menos que o pacto seja, nos termos da lei desse Estado-Membro, substantivamente nulo. Essa competência é exclusiva, salvo acordo das partes em contrário. O pacto atributivo de jurisdição deve ser celebrado:
a) Por escrito ou verbalmente com confirmação escrita;
b) De acordo com os usos que as partes tenham estabelecido entre si; ou
c) No comércio internacional, de acordo com os usos que as partes conheçam ou devam conhecer e que, em tal comércio, sejam amplamente conhecidos e regularmente observados pelas partes em contratos do mesmo tipo, no ramo comercial concreto em questão.
2. Qualquer comunicação por via eletrónica que permita um registo duradouro do pacto equivale à “forma escrita”. (…)
5. Os pactos atributivos de jurisdição que façam parte de um contrato são tratados como acordo independente dos outros termos do contrato.
A validade dos pactos atributivos de jurisdição não pode ser contestada apenas com o fundamento de que o contrato não é válido».
Trata-se de uma norma semelhante à do artº 94º do C. P. Civil para que remete na sua parte final o acima citado artº 59º, na qual se preveem e regulam, tanto os pactos atributivos, como os pactos privativos de jurisdição.
Na verdade, de acordo com a mencionada norma, são atributivos de jurisdição os pactos que concedem competência a um ou vários tribunais portugueses; e privativos de jurisdição os que retiram a competência a um ou vários tribunais portugueses e a atribuem em exclusivo a um ou vários tribunais estrangeiros.
Ora, no caso, não oferece dúvidas, face à matéria provada sob os nºs 4 a 6 supra e ao estatuído no nº 1 do artº 25º do citado Regulamento, que a ora recorrente e o Réu Banco Espírito Santo acordaram na atribuição de competência exclusiva aos tribunais espanhóis, mais concretamente ao tribunal de Vigo, para a resolução dos litígios que pudessem decorrer do celebrado contrato de «empréstimo» (na terminologia da ora recorrente), como, aliás, explicitamente reconhece sob o nº 11 das conclusões do recurso.
E não padecendo tal pacto de ineficácia ou de vício que o torne inválido (a ora recorrente reconhece, aliás, como se disse, a sua validade) custa a entender o argumento da ora recorrente - fazendo tábua rasa de tal convenção - de que são os tribunais portugueses os competentes internacionalmente para dirimirem o litígio relativo a esse contrato.
É que a competência internacional que poderia residir nos tribunais portugueses, por força do artº 4º nº 1 e 63º nº 1 do indicado Regulamento, foi-lhes voluntária e irreversivelmente retirada pelos contraentes e atribuída, em exclusividade, aos tribunais espanhóis.
E não venha agora a recorrente argumentar com a conexão entre o contrato de «empréstimo» e o contrato de «swap» (para o qual foi já julgado competente, por decisão definitiva, o tribunal da comarca de Lisboa) e a necessidade do julgamento conjunto dos atinentes pedidos, tendo em vista prevenir eventuais «decisões inconciliáveis».
Na verdade, sendo certo que, de acordo com o artº 30º do Regulamento:
«1. Se estiverem pendentes ações conexas em tribunais de diferentes Estados-Membros, todos eles podem suspender a instância, com exceção do tribunal demandado em primeiro lugar. (…)
3. Para efeitos do presente artigo, consideram-se conexas as ações ligadas entre si por um nexo tão estreito que haja interesse em que sejam instruídas e julgadas em conjunto para evitar decisões eventualmente inconciliáveis se as causas fossem julgadas separadamente».
E que, segundo o artigo 31° nº 1:
«1. Se as ações forem da competência exclusiva de vários tribunais, todos eles devem declarar-se incompetentes em favor do tribunal demandado em primeiro lugar».
Não se vê, porém, como possam ter aplicação à situação em apreço tais normas.
Em 1º lugar e desde logo, porque ainda que se não possa recusar uma certa conexão entre as duas «acções» («empréstimo» e «swap») - mas sem relevância processual, dado a causa de pedir não ser a mesma e única e os pedidos não estarem entre si numa relação de dependência - tal conexão nunca seria susceptível, quaisquer que possam ou pudessem ser as decisões num e noutro caso, de conduzir a decisões «inconciliáveis» ou absolutamente incompatíveis, na medida em que a eventual procedência do pedido de declaração de invalidade dos aditamentos ao contrato de mútuo em nada colidiria com uma eventual improcedência do pedido de resolução do contrato de “swap", ou vice-versa.
A lógica da recorrente conduzir-nos-ia a ter de aceitar axiomaticamente que qualquer outra decisão diferente da procedência de ambos aqueles pedidos redundaria ou poderia redundar em decisões inconciliáveis; o que em termos processuais é indefensável.
Depois, porque aquilo que nas citadas normas se prevê tem a ver com casos de pendência de acções «em tribunais de diferentes Estados-Membros», o que, como é óbvio, não ocorre na situação em análise.
Em conclusão: os tribunais portugueses são internacionalmente incompetentes para dirimir o litígio, na parte referente ao contrato de mútuo bancário, por força do pacto de jurisdição celebrado, como bem decidiu o tribunal recorrido.
Consequentemente, é de confirmar o acórdão recorrido, que não violou qualquer das normas invocadas pela recorrente. "
[MTS]