Sigilo bancário;
ponderação de interesses; levantamento
1. O sumário de RL 9/2/2017 (19498/16.9T8LSB-A.L1-2) é o seguinte:
I – Os valores protegidos pelo sigilo bancário são, por um lado, o regular funcionamento da actividade bancária, baseada num clima generalizado de confiança e segurança nas relações entre os bancos e seus clientes e o direito à reserva da vida privada desses clientes.
II – Conquanto encontrando arrimo constitucional o direito ao sigilo bancário não é um direito absoluto.
III – Já a garantia de acesso aos tribunais, é uma garantia plena.
IV – Sempre que sejam postergados instrumentos da defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares e, nomeadamente, o direito de acção, que se materializa através de um processo, é violado o direito fundamental de acesso aos tribunais.
V – Para que efetiva colisão de valores se verifique, necessário é que a quebra do sigilo e correlativa restrição do direito por este protegido se revelem indispensáveis à exercitação do direito da parte ao efetivo acesso ao direito e à tutela jurisdicional.
VI – Estando em causa a identificação do titular de uma conta bancária, alegadamente enriquecido sem causa, contra quem a A. intenta, também, a ação, enquanto incerto, revela-se indispensável a, por aquela requerida, prestação de informação pela instituição de crédito respetiva, quanto à identificação do titular de tal conta.
VII – Nessa circunstância o dever de sigilo deve ceder perante o direito à prova da verdade dos factos.
I – Os valores protegidos pelo sigilo bancário são, por um lado, o regular funcionamento da actividade bancária, baseada num clima generalizado de confiança e segurança nas relações entre os bancos e seus clientes e o direito à reserva da vida privada desses clientes.
II – Conquanto encontrando arrimo constitucional o direito ao sigilo bancário não é um direito absoluto.
III – Já a garantia de acesso aos tribunais, é uma garantia plena.
IV – Sempre que sejam postergados instrumentos da defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares e, nomeadamente, o direito de acção, que se materializa através de um processo, é violado o direito fundamental de acesso aos tribunais.
V – Para que efetiva colisão de valores se verifique, necessário é que a quebra do sigilo e correlativa restrição do direito por este protegido se revelem indispensáveis à exercitação do direito da parte ao efetivo acesso ao direito e à tutela jurisdicional.
VI – Estando em causa a identificação do titular de uma conta bancária, alegadamente enriquecido sem causa, contra quem a A. intenta, também, a ação, enquanto incerto, revela-se indispensável a, por aquela requerida, prestação de informação pela instituição de crédito respetiva, quanto à identificação do titular de tal conta.
VII – Nessa circunstância o dever de sigilo deve ceder perante o direito à prova da verdade dos factos.
2. Na fundamentação do acórdão escreve-se o seguinte:
"Como se considerou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Uniformizador de Jurisprudência, de 13-02-2008 [Proc. 07P894, Relator: MAIA COSTA], “O segredo bancário pretende salvaguardar uma dupla ordem de interesses.
Por um lado, de ordem pública: o regular funcionamento da actividade bancária, baseada num clima generalizado de confiança, sendo o segredo um elemento decisivo para a criação desse clima de confiança, e indirectamente para o bom funcionamento da economia, já que o sistema de crédito, na dupla função de captação de aforro e financiamento do investimento, constitui, segundo o modelo económico adoptado, um pilar do desenvolvimento e do crescimento dos recursos.
Por outro lado, o segredo visa também a protecção dos interesses dos clientes da banca, para quem o segredo constitui a defesa da discrição da sua vida privada, tendo em conta a relevância que a utilização de contas bancárias assume na vida moderna, em termos de reflectir aproximadamente a “biografia” de cada sujeito, de forma que o direito ao sigilo bancário se pode ancorar no direito à reserva da intimidade da vida privada, previsto no art. 26º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa.”.
Podendo ver-se, com maior incidência – como valores protegidos pelo sigilo bancário – na confiança e segurança nas relações entre os bancos e seus clientes e no direito à reserva da vida privada desses clientes, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27-01-2005 [Proc. 04B4700, Relator: SALVADOR DA COSTA] e desta Relação, de 19-06-2014 [Proc. 1739/11.0 TBCLD.L1-6, Relator: TERESA PARDAL] e de 13-09-2012. [Proc. 218/07.1TVLSB.L1-8, Relator: TERESA PRAZERES PAIS].
Como quer que seja, é pacífico, porém, que esse direito ao sigilo, embora com cobertura constitucional, não é um direito absoluto, e desde logo por isso que pela sua referência à esfera patrimonial, não se inclui no círculo mais íntimo da vida privada das pessoas, embora com ele possa manter relação estreita. Podendo assim ter que ceder perante outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, cuja tutela imponha o acesso a informações cobertas pelo segredo bancário.
Neste sentido se havendo julgado, v. g., no Acórdão do TC n.º 278/95 [Proc. 950/2006, 2ª Secção Relatora: MARIA FERNANDA PALMA], publicado na II Série do Diário da República, de 28 de Julho de 1995, em que ler-se pode: “o segredo bancário não é um direito absoluto, antes pode sofrer restrições impostas pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. Na verdade, a tutela de certos valores constitucionalmente protegidos pode tornar necessário, em certos casos, o acesso aos dados e informações que os bancos possuem relativamente às suas relações com os clientes”.
Sendo, por outro lado, que a informação cuja requisição foi requerida pela A., se prende com o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva – consagrados no artigo 20º, da Constituição da República Portuguesa – implicando o direito à tutela jurisdicional, o direito de acesso aos tribunais “no sentido do direito subjetivo de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional”. [Cfr. Acórdão do TC n.º 363/04, 2.ª Secção Relator: MÁRIO TORRES].
Tratando-se, a garantia de acesso aos tribunais, na anotação de Jorge Miranda e Rui Medeiros, de “uma garantia plena. Por isso, sempre que sejam postergados instrumentos da defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares e, nomeadamente, o direito de acção, que se materializa através de um processo, é violado o direito fundamental de acesso aos tribunais.” [In “Constituição da República Portuguesa, Anotada”, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, pág. 186.]
Também J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira [In “”Constituição da República Portuguesa Anotada”, Vol. I, 4ª Ed., Coimbra Editora, 2007, págs.408-410], referindo que “O direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva (n° 1 e epígrafe) é, ele mesmo, um direito fundamental constituindo uma garantia imprescindível da protecção de direitos fundamentais, sendo, por isso, inerente à ideia de Estado de direito.”.
E “De qualquer modo, ninguém pode ser privado de levar a sua causa (relacionada com a defesa de um direito ou interesse legítimo e não apenas de direitos fundamentais) à apreciação de um tribunal, pelo menos como último recurso.”.
Importando, para que efetiva colisão de valores se verifique, que a quebra do sigilo e correlativa restrição do direito por este protegido, se revelem indispensáveis à exercitação por parte do aqui A. do seu arrogado direito à restituição do montante das transferências efetuadas em erro, por parte do titular ou movimentador autorizado da conta de depósitos destinatária, onde o montante daquelas foi creditado.
Não se vislumbrando deveras, outro modo de apurar a correspondente identificação/titularidade – que não seja por via da prestação da pertinente informação, por parte da instituição de crédito.
Sendo que em hipóteses paralelas tem a jurisprudência entendido ser de prevalecer sobre o dever de sigilo bancário, o direito da parte à demonstração da realidade dos factos por si alegados.
Assim, em Acórdãos desta Relação de 20-02-2009 [Proc. 6175/08.3TBCSC-B.L1; Relatora: ALEXANDRINA BRANQUINHO], de 02-06-2015 [Proc. 3245/06.6TBAMD-C.L1-7, Relatora: ROSA RIBEIRO COELHO] e de 25-03-2014 [Proc. 129/13.5TJLSB-A.L1-7, Relatora: CRISTINA COELHO] neste último ler-se podendo: “Quando se está perante um elemento de prova indispensável ou fundamental para a descoberta da verdade, deve o sigilo bancário ceder perante o dever de cooperação na descoberta da verdade material, no âmbito da administração da justiça.”.
Ora alcançar essa verdade material, pressupõe, in casu, a identificação do alegado “enriquecido” sem causa, para contra ele prosseguir a ação, assim se realizando a tutela jurisdicional efetiva."
[MTS]
Por um lado, de ordem pública: o regular funcionamento da actividade bancária, baseada num clima generalizado de confiança, sendo o segredo um elemento decisivo para a criação desse clima de confiança, e indirectamente para o bom funcionamento da economia, já que o sistema de crédito, na dupla função de captação de aforro e financiamento do investimento, constitui, segundo o modelo económico adoptado, um pilar do desenvolvimento e do crescimento dos recursos.
Por outro lado, o segredo visa também a protecção dos interesses dos clientes da banca, para quem o segredo constitui a defesa da discrição da sua vida privada, tendo em conta a relevância que a utilização de contas bancárias assume na vida moderna, em termos de reflectir aproximadamente a “biografia” de cada sujeito, de forma que o direito ao sigilo bancário se pode ancorar no direito à reserva da intimidade da vida privada, previsto no art. 26º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa.”.
Podendo ver-se, com maior incidência – como valores protegidos pelo sigilo bancário – na confiança e segurança nas relações entre os bancos e seus clientes e no direito à reserva da vida privada desses clientes, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27-01-2005 [Proc. 04B4700, Relator: SALVADOR DA COSTA] e desta Relação, de 19-06-2014 [Proc. 1739/11.0 TBCLD.L1-6, Relator: TERESA PARDAL] e de 13-09-2012. [Proc. 218/07.1TVLSB.L1-8, Relator: TERESA PRAZERES PAIS].
Como quer que seja, é pacífico, porém, que esse direito ao sigilo, embora com cobertura constitucional, não é um direito absoluto, e desde logo por isso que pela sua referência à esfera patrimonial, não se inclui no círculo mais íntimo da vida privada das pessoas, embora com ele possa manter relação estreita. Podendo assim ter que ceder perante outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, cuja tutela imponha o acesso a informações cobertas pelo segredo bancário.
Neste sentido se havendo julgado, v. g., no Acórdão do TC n.º 278/95 [Proc. 950/2006, 2ª Secção Relatora: MARIA FERNANDA PALMA], publicado na II Série do Diário da República, de 28 de Julho de 1995, em que ler-se pode: “o segredo bancário não é um direito absoluto, antes pode sofrer restrições impostas pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. Na verdade, a tutela de certos valores constitucionalmente protegidos pode tornar necessário, em certos casos, o acesso aos dados e informações que os bancos possuem relativamente às suas relações com os clientes”.
Sendo, por outro lado, que a informação cuja requisição foi requerida pela A., se prende com o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva – consagrados no artigo 20º, da Constituição da República Portuguesa – implicando o direito à tutela jurisdicional, o direito de acesso aos tribunais “no sentido do direito subjetivo de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional”. [Cfr. Acórdão do TC n.º 363/04, 2.ª Secção Relator: MÁRIO TORRES].
Tratando-se, a garantia de acesso aos tribunais, na anotação de Jorge Miranda e Rui Medeiros, de “uma garantia plena. Por isso, sempre que sejam postergados instrumentos da defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares e, nomeadamente, o direito de acção, que se materializa através de um processo, é violado o direito fundamental de acesso aos tribunais.” [In “Constituição da República Portuguesa, Anotada”, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, pág. 186.]
Também J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira [In “”Constituição da República Portuguesa Anotada”, Vol. I, 4ª Ed., Coimbra Editora, 2007, págs.408-410], referindo que “O direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva (n° 1 e epígrafe) é, ele mesmo, um direito fundamental constituindo uma garantia imprescindível da protecção de direitos fundamentais, sendo, por isso, inerente à ideia de Estado de direito.”.
E “De qualquer modo, ninguém pode ser privado de levar a sua causa (relacionada com a defesa de um direito ou interesse legítimo e não apenas de direitos fundamentais) à apreciação de um tribunal, pelo menos como último recurso.”.
Importando, para que efetiva colisão de valores se verifique, que a quebra do sigilo e correlativa restrição do direito por este protegido, se revelem indispensáveis à exercitação por parte do aqui A. do seu arrogado direito à restituição do montante das transferências efetuadas em erro, por parte do titular ou movimentador autorizado da conta de depósitos destinatária, onde o montante daquelas foi creditado.
Não se vislumbrando deveras, outro modo de apurar a correspondente identificação/titularidade – que não seja por via da prestação da pertinente informação, por parte da instituição de crédito.
Sendo que em hipóteses paralelas tem a jurisprudência entendido ser de prevalecer sobre o dever de sigilo bancário, o direito da parte à demonstração da realidade dos factos por si alegados.
Assim, em Acórdãos desta Relação de 20-02-2009 [Proc. 6175/08.3TBCSC-B.L1; Relatora: ALEXANDRINA BRANQUINHO], de 02-06-2015 [Proc. 3245/06.6TBAMD-C.L1-7, Relatora: ROSA RIBEIRO COELHO] e de 25-03-2014 [Proc. 129/13.5TJLSB-A.L1-7, Relatora: CRISTINA COELHO] neste último ler-se podendo: “Quando se está perante um elemento de prova indispensável ou fundamental para a descoberta da verdade, deve o sigilo bancário ceder perante o dever de cooperação na descoberta da verdade material, no âmbito da administração da justiça.”.
Ora alcançar essa verdade material, pressupõe, in casu, a identificação do alegado “enriquecido” sem causa, para contra ele prosseguir a ação, assim se realizando a tutela jurisdicional efetiva."
[MTS]